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Pacote do Brasil na pandemia é destaque global, mas resposta foi tardia

Falha na estratégia reduz eficiência no combate à crise e implica mais gastos, dizem especialistas

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São Paulo

O tamanho do estímulo fiscal brasileiro em resposta à pandemia é destaque quando comparado ao de outros países. O mesmo, porém, não se pode dizer sobre a velocidade e a qualidade na implantação das medidas.

O pacote do Brasil corresponde a 11,8% do PIB (Produto Interno Bruto) segundo o ranking organizado por acadêmicos das universidades Columbia (EUA), Sungkyunkwan (Coreia do Sul) e Eskişehir Osmangazi (Turquia), a partir de dados do FMI (Fundo Monetário Internacional). .

Pelo levantamento, trata-se de proporção superior à vista em países emergentes, como Índia (9,7%), África do Sul (8%), Rússia (3,4%) e China (4,1%). Também é muito acima da média dos países da América Latina, de 3,3%, e de economias próximas como Argentina (5%) e México (1,2%).

Supera, ainda, alguns países desenvolvidos. O Brasil fica à frente, por exemplo, dos europeus Itália (10,8%) e França (10,4%).

No ranking geral, com 168 nações, o Brasil está em 24º.

O percentual abrange medidas como o auxílio emergencial (equivalente a metade do pacote), recursos para saúde, transferências para estados e municípios e garantia de crédito em empréstimos para empresas (o Pronampe, por exemplo).

Desconsiderando esse último item, executado apenas em caso de não pagamento, as ações equivalem a cerca de 7,3% do PIB.

O economista Bráulio Borges, pesquisador do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), faz um alerta do peso do estímulo brasileiro sobre o aumento da dívida pública, que deve subir por volta de 20 pontos percentuais neste ano em razão das ações adotadas, ritmo próximo das economias desenvolvidas.

Por outro lado, os indicadores de atividade têm surpreendido positivamente, sinalizando uma queda menor do PIB nacional neste ano em comparação com outros países da América Latina, como Chile e Peru. “Como estimulamos mais, ao que parece a queda da atividade será menor”, afirma.

Nesse sentido, a política brasileira teve mais sucesso em mitigar os efeitos econômicos da crise do que o problema sanitário, análise que, para ser completa, ainda depende de sairmos da pandemia, marco ainda fora de vista.

Para isso, foi determinante a existência prévia de instrumentos de proteção social, notadamente o programa Bolsa Família e o Cadastro Único, diz Pablo Acosta, coordenador setorial de desenvolvimento humano para o Brasil do Banco Mundial.

Isso permitiu uma resposta mais rápida do que outros países em desenvolvimento, que tiveram que criar políticas do zero, afirma Acosta, que discorda que a reação do país tenha sido lenta em comparação com outros países.

“São instrumentos construídos ao longo de 15, 20 anos que permitiram ao Brasil colocar recursos extraordinários para atender essa emergência”, afirma.

Outros levantamentos comparativos internacionais, porém, mostram que a gestão dos recursos não deu os melhores retornos.

O Brasil é o 11º país com maior mortalidade por Covid-19 por 100 mil habitantes, de acordo com monitoramento da Universidade de John Hopkins. A Argentina, por exemplo, ocupa a 37ª posição nesse quesito, sendo que seu pacote fiscal equivale a menos da metade do brasileiro (5% do PIB).

Estudo publicado em maio por pesquisadores da FioCruz apontou que a eficiência das medidas depende não apenas de quanto é gasto, mas de quando e como. Apesar de ter desembolsado menos, a Argentina agiu rápido: as primeiras medidas de proteção social foram anunciadas quando o país registrava 301 casos da doença e 4 mortes, 18 dias após o primeiro diagnóstico.

No Brasil, as primeiras ações nesse campo ocorreram quando o país já computava 6.836 casos e 341 óbitos, transcorridos 37 dias após o primeiro diagnóstico, aponta o estudo.

“A resposta do Brasil foi tardia, fragmentada e descoordenada. O somatório desses fatores interfere na qualidade da resposta”, avalia o epidemiologista Rômulo Paes-Souza, um dos autores da pesquisa, que também já foi diretor do Centro Mundial do Pnud para o Desenvolvimento Sustentável (2013-2017) e secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento Social (2009-2012).

Ele compara o caso brasileiro com o dos Estados Unidos, que também enfrentam problemas no combate à doença apesar do elevado nível de investimento e de capacidade instalada. Lá como aqui, um dos principais erros foi a falta de coordenação na execução das ações, com falta de liderança do Executivo a nível nacional, diz.

Os países bem-sucedidos no combate a pandemia se destacam justamente por terem apresentado uma resposta integrada, articulando medidas sanitárias (como isolamento e distanciamento social), medidas de mitigação do impacto social e medidas econômicas.

A falha na implementação dessa estratégia implica, por sua vez, maiores gastos.

“Como o distanciamento social foi malfeito, não conseguimos reduzir os níveis de circulação do vírus de forma adequada. Isso faz com que as demandas sanitárias e sociais sigam altas num contexto em que já temos espaço fiscal reduzido”, afirma.

O economista Borges, do Ibre/FGV, concorda com a avaliação dos pesquisadores da FioCruz de que a resposta foi lenta e permeada por problemas. “De nada adianta você anunciar um pacote fiscal gigantesco atrasado.”

Entre as falhas, ele aponta a primeira tentativa do governo de dar liquidez às micro e pequenas empresas, que precisou ser reformulada dado que os bancos não estavam concedendo empréstimos, e a demora na ajuda para estados e municípios, questão que se arrastou no Congresso por quase três meses.

A principal política adotada, o auxílio emergencial, também apresentou uma série de falhas de implementação que persistem, sobretudo o acesso a pessoas que não se enquadram nos critérios estabelecidos, como servidores públicos e militares.

“Além da magnitude do estímulo, precisamos observar a tempestividade e a efetividade das políticas. A avaliação de custo e benefício deve se dar em termos econômicos mas também em preservação da vida”, afirma.

Para Borges, o governo federal assumiu um protagonismo grande na atuação para preservar a economia, relegando para os entes federativos o combate contra a crise sanitária propriamente, o que gerou uma reação descoordenada e menos eficiente.

O economista teme que agora as políticas de mitigação da crise econômica e sanitária passem a ser influenciadas por uma lógica eleitoreira, em detrimento de um foco nas sequelas sociais e sanitárias da pandemia.

“Temos visto que o auxílio tem propiciado um aumento do capital político muito grande [do governo], então existe uma tentação de ser populista e estender esse benefício para além de 2021 sem se preocupar em aumentar a efetividade da política”, avalia.

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