Siga a folha

Descrição de chapéu

Racismo precisa ser tratado como tema fundamental da economia

Há uma relação estrutural entre pobreza, raça e gênero, reforçada e naturalizada pelo funcionamento do sistema tributário

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Silvio Almeida

Professor da Fundação Getulio Vargas e da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Pedro Rossi

Professor do Instituto de Economia da Unicamp

Racismo e economia são temas intrinsecamente ligados. A economia é uma condicionante do racismo, e o racismo, por sua vez, impacta na organização econômica.

No debate econômico, há duas posições distintas sobre o racismo: a primeira é a abordagem predominante, presente nos principais manuais e na maioria das escolas de economia, que vê o racismo como um problema comportamental, atinente ao indivíduo.

Do ponto de vista político, a economia ortodoxa reforça a ideia do racismo como um problema individual que pode ser resolvido por meio de um sistema penal "eficiente" que puna condutas desviantes, com projetos educacionais que reformem o indivíduo moralmente e, no limite, com algumas políticas de ação afirmativa. Gary Becker e Milton Friedman, ganhadores de Prêmio Nobel de Economia, são referências para essa abordagem.

Silvio Almeida, professor da FGV e da Universidade Presbiteriana Mackenzie, para quem a economia é uma condicionante do racismo - Mathilde Missioneiro-05.nov.19/Folhapress

Para Becker, a discriminação racial se manifesta, por exemplo, quando um empregador não contrata um negro, seja por ignorância ou preconceito.

Segundo essa visão, as atitudes discriminatórias são exógenas ao sistema econômico e, a longo prazo, a busca pelo autointeresse econômico em um ambiente de livre mercado eliminaria comportamentos preconceituosos: os indivíduos discriminados que têm salários menores seriam contratados até o ponto em que a discriminação salarial fosse zero. Consoante essa concepção, o racismo –sintomaticamente tratado como "preconceito"– é uma "falha de mercado", uma "desutilidade".

Na mesma linha, Friedman reduz o fenômeno a uma questão de gosto ou preferência pessoal que implica custo para quem o pratica. Para ele, o capitalismo traz fortes incentivos para a não discriminação racial e, a partir dessa visão idealizada, o autor nega a alternativa da intervenção estatal para tratar do tema, uma vez que essas interfeririam na liberdade dos indivíduos.

Já a segunda abordagem parte de concepções teóricas que não se limitam às lentes da economia neoclássica e entende o racismo como um problema sistêmico, ou seja, como uma consequência do funcionamento "normal" e regular das instituições e das estruturas sociais que conformam a ação dos indivíduos.

Por exemplo, autores como Gunnar Myrdal e Arthur Lewis –também Prêmios Nobel– apontam que o racismo não está restrito a comportamentos individuais e nem pode ser tido como uma distorção passível de ser corrigida pelo mercado.

O racismo é constitutivo do sistema, está enraizado nas estruturas da sociedade e normalizado pelo próprio funcionamento das instituições. Nesse contexto, os economistas brasileiros –em sua esmagadora maioria brancos– poderiam refletir sobre como o racismo está presente nas instituições econômicas e na forma como a política econômica é pensada.

A carga tributária, por exemplo, pune mulheres negras, que pagam proporcionalmente mais impostos do que homens brancos, como mostra o estudo de Evilásio Salvador.

Há, portanto, uma relação estrutural entre pobreza, raça e gênero, que é reforçada pelo funcionamento regular do sistema tributário e é naturalizada –assim como naturalizamos a violência direta contra pessoas negras nas periferias– a ponto de o Congresso Nacional discutir uma reforma tributária com foco na eficiência, deixando de lado o problema da desigualdade.

Da mesma forma, a emenda constitucional nº 95 reforça o racismo estrutural ao constranger gastos públicos que beneficiam proporcionalmente mais a população negra e indígena, como os gastos com saúde, educação e assistência social.

Além disso, como aponta o estudo de Bova, Kinda e Woo, os ajustes fiscais, especialmente aqueles baseados nos cortes de gastos, tendem a aumentar a desigualdade e o desemprego, que afeta proporcionalmente mais a população negra. Tais políticas têm sido implementadas no Brasil a partir de diagnósticos e objetivos macroeconômicos sem uma avaliação prévia dos impactos sobre desigualdades e direitos sociais.

Dessa forma, dada a sua relevância para o Brasil, o tema do racismo em sua dimensão estrutural precisa ser tratado como um dos temas fundamentais da economia.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas