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Relações com a China demandam um ambiente amistoso e de confiança

Brasil é um dos principais fornecedores de soja e minério de ferro ao país asiático

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Marcos Caramuru de Paiva

Ex-embaixador em Pequim (2016 -2018), é sócio e gestor da KEMU Consultoria

Parece se consolidar entre nossas autoridades a ideia de que podemos criar arestas com os chineses sem problemas, pois eles dependem de nossas commodities. A entrevista do secretário do Comércio Exterior na Folha, na quarta-feira (12), e declarações recentes do chanceler Ernesto Araújo soam nessa direção.

De fato, a China precisa importar soja e minério de ferro, e os fornecedores principais desses produtos no mundo são, no caso da soja, EUA e Brasil, e, no caso do minério, Austrália e Brasil.

Nossos concorrentes têm um histórico de relação conflituosa com os chineses. Nós só recentemente passamos a cultivar alguma animosidade, sobretudo na mídia social. No caso de outros itens da pauta, a China pode diversificar a origem de suas compras.

Caminhão é carregado com soja; Brasil é um dos principais fornecedores do produto para a China - Pedro Ladeira 16.mai.2020/Folhapress

Pelas estatísticas chinesas, de janeiro a julho deste ano a China comprou do Brasil 12,6% de todo o minério de ferro que importou, 5% do petróleo, 16,1% da celulose, 16,7% do algodão, 15,4% do açúcar e 21,96% das proteínas (carne bovina, frango e porco).

Ao longo das últimas décadas, formamos com os chineses uma parceria baseada na confiança mútua. Foi nesse contexto de confiança, chamado de parceria estratégica, que a China se tornou o primeiro parceiro comercial brasileiro, em 2009, e o Brasil tornou-se relevante parceiro comercial chinês: o oitavo, em 2018, o décimo em 2019. No Ocidente, só os EUA e a Alemanha têm comércio de maior dimensão com os chineses.

Também foi num contexto de confiança que os chineses adquiriram uma distribuidora de energia do porte da CPFL, ganharam licitações na geração e na transmissão de energética, trouxeram ao Brasil empresas nos mais variados segmentos, como o automotivo, o de exploração de petróleo, o portuário, várias áreas do setor de serviços, tecnologia digital.

Formaram conosco joint ventures e parcerias inéditas como no setor bancário —Banco Bocom-BBM— e se tornaram fornecedores de equipamentos e soluções técnicas na área de telefonia.

Diversas empresas brasileiras também estão na China em diferentes segmentos. Algumas delas, como a Vale, têm operações que vão muito além do trabalho de uma simples representação comercial.

O programa de investimentos em infraestrutura deve ser uma das locomotivas do crescimento no pós-Covid-19. Alguns dos projetos em pauta, como o da Ferrogrão, que o Ministério da Infraestrutura parece tratar como um dos que expressarão a coragem do governo Bolsonaro para enfrentar desafios, só se viabilizarão se contarem com alguma forma com a participação de empresas chinesas. Só elas dispõem de experiência, capacidade e a ousadia suficientes.

São muitos os exemplos de integração bilateral, alguns com pequena visibilidade, mas elevada importância.

Instituições como a Academia Brasileira de Ciências e a Fiocruz têm programas de grande relevância com entidades chinesas. Em alguns segmentos, os profissionais falam-se com frequência quase diária, vivem num ambiente de permanente troca de informações e de experiências, consultam-se sobre novos estudos e descobertas.

Confiança é um elemento essencial da relação entre pessoas e países. É impensável imaginar que o Brasil e a China possam construir um ambiente em que um e outro busquem testar os limites para o desentendimento. Melhor é tratar os pontos de dependência mútua como um ativo e, a partir deles, construir bom diálogo e uma agenda positiva de trabalho.

Há muito a fazer no contexto bilateral. Nas áreas de biociências, financiamento conjunto de grandes projetos, ambiente, tecnologia e digitalização, cidades inteligentes, uso de moedas nacionais em operações de comércio, com a consequente designação de uma instituição para fazer o clearing, abertura de caminhos no segmento financeiro.

Muitos países estão ampliando a presença financeira na China. Instituições de peso norte-americanas ganharam recentemente acesso ao mercado chinês, e vários fundos e bancos estão na fila.

Com taxas de juros zero ou negativas em tantos mercados, o apetite para entrar é enorme. Informa o jornal China Daily que os EUA ampliaram os investimentos diretos na China em 6% no primeiro semestre, a despeito das discussões abertas sobre o “decoupling” das economias e do discurso belicoso de Trump.

As teias da relação China-EUA são múltiplas e complexas. Nenhum outro país pode imitar a postura de Washington e sair ganhando.

Num quadro de alguma incerteza sobre o futuro, o Senado concluiu os procedimentos para ingresso brasileiro no Banco Asiático de Desenvolvimento, sediado em Pequim. É boa notícia, que abrirá ainda mais portas para o financiamento de nossos projetos quando os investimentos em infraestrutura retomarem com força na nossa realidade.

Mas, sem um ambiente amistoso e de confiança, nada acontecerá. É da cultura asiática. É preciso beber com eles para fazer os negócios florescerem.

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