Siga a folha

Descrição de chapéu Reforma administrativa

Congresso planeja criar agência para avaliar servidores, mas especialistas veem riscos

Órgão precisaria ter regras bem formuladas para não ser capturado politicamente

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Brasília

A frente parlamentar mista da reforma administrativa planeja a criação de um órgão independente para gestão do serviço público federal, que funcionaria como uma agência de recursos humanos do Estado.

As discussões ainda não preveem ao certo quais serão os mecanismos para blindá-la de interferência política, o que é apontado por especialistas como um risco.

A agência seria responsável pela criação de critérios para ocupação de cargos comissionados, mapeamento para realocar pessoas e avaliação de desempenho. Essa última pode resultar na demissão de servidores, inclusive aqueles que já estão no cargo atualmente.

Levantamento da frente aponta que países como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Portugal e Chile têm agências similares, embora com formatos distintos em cada um deles.

A ideia de um órgão que centralize a administração de servidores públicos não é inédita.

Em 1938, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, foi criado o Dasp (Departamento Administrativo do Serviço Público). O órgão sofreu várias mudanças e foi sendo esvaziado ao longo dos anos, até ser extinto.

Segundo os congressistas da frente, blindar o órgão é fundamental para que ele tenha sucesso em suas políticas. Mas ainda não estão claros quais serão os mecanismos para isso.

A senadora Kátia Abreu (PP-TO), integrante da frente, compara a autonomia imaginada para a agência à do Banco Central (que hoje tem autonomia de fato mas não de direito). No entanto, ainda não estão garantidas regras como um mandato fixo para os dirigentes, de quatro anos, por exemplo.

"É o ideal [ter mandato], mas quem vai decidir é o Congresso", afirmou. Além disso, o chefe do órgão seria indicado pelo presidente da República.

A criação da agência andaria em paralelo à aprovação de alguns projetos em tramitação no Congresso.

Muitas das funções atribuídas ao novo órgão, como os parâmetros a serem seguidos nos editais de concursos públicos e a própria avaliação de desempenho dos servidores estão estabelecidas em propostas na Câmara e no Senado.

"As reformas previdenciária e tributária são peças sozinhas, mas a administrativa é um mix de várias peças", afirmou a senadora. "Precisamos melhorar a capacidade administrativa do Estado, que tem de ficar mais enxuto nas suas decisões."

Abreu disse que a criação da nova estrutura não vai gerar custo adicional ao governo, em momento de aperto de contas. Segundo a senadora, há profissionais qualificados ligados ao extinto Ministério do Planejamento que podem ser chamados.

"Deveria haver uma chamada pública. Temos pessoas maravilhosas nos ministérios, servidores de alta capacidade. Poderíamos deslocar sem ter de contratar ninguém", disse.

Marcelo Marchesini, professor do Insper, apontou equívocos no plano inicial da frente, sendo um deles justamente a ideia de chamar servidores de ministérios para a agência.

Em sua visão, isso reduz a independência do órgão. "Você precisa da capacidade de regulação de um corpo próprio de funcionários compromissados com aquela agência, e não com os órgãos de origem", afirmou.

Outros fatores podem afetar a autonomia da agência, disse, como ausência de mandato fixo para dirigentes e o status da agência (se autarquia, por exemplo, teria mais autonomia; se órgão da administração direta, menos).

"Descuidar desses processos pode comprometer uma boa ideia", afirmou.

Outros problemas seriam a iniciativa, que veio do Legislativo e pode empacar na prática caso não receba apoio do Executivo, e o excesso de atribuições da agência. Mas, no fim das contas, ele considera a agência uma boa ideia.

"É preciso criar uma lógica mais uniforme para os processos de seleção, de capacitação e a avaliação de servidores", disse.

A professora Alketa Peci, da Ebape/FGV (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas), disse ser relevante pensar desde já quais regras vão moldar o órgão para que não haja interferência de um ou outro governo.

"O desenho da agência é tão importante quanto a criação dela", disse Peci.

Apesar disso, ela afirmou ser positivo reunir as decisões sobre o serviço público em um mesmo lugar, pois hoje considera problemática a tomada de decisões em vários órgãos diferentes.

"A maior contribuição que esse órgão pode dar é a simplificação legal da área administrativa", afirmou.

No entanto, nem todos avaliam a ideia de criação da agência como algo positivo.

Milena Pavan Serafim, professora de administração pública da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), disse que a proposta é destemperada e não traz dispositivos para blindar o novo órgão de interferência política.

"Sempre tem uma sensação de déjà vu. A tentativa de um grande RH é uma falácia muito grande", afirmou.

Na avaliação dela, o servidor precisa ter uma garantia mínima de estabilidade para dar continuidade a seus trabalhos, independentemente do governo no poder. "É mais uma tentativa de criar estruturas para mascarar o que querem implantar, que é uma demonização do servidor público", afirmou.

Para realmente ter autonomia, Serafim disse que o presidente da agência deveria ser escolhido a partir de uma lista tríplice elaborada pelos servidores e que representasse um perfil que refletisse as diferentes carreiras que compõem a administração pública.

"E o presidente da República teria de cumprir essa lista. Seria uma saída possível para implementar uma agência que se preserve das intempéries de mudanças de governo", disse.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas