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Descrição de chapéu The New York Times

Estratégia de Xi Jinping para a China pós-pandemia privilegia mercado interno

Para líder chinês, país deve confiar em ciclo robusto de demanda e inovação interna como principal propulsor da economia

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Nova York | The New York Times

O líder da China, Xi Jinping, usou suas viagens recentes para enfatizar um alerta: o país precisa redirecionar sua economia e torná-la mais autossustentável, em um mundo pós-pandemia caracterizado pela incerteza, demanda debilitada e hostilidade.

“A China precisa que seu povo gaste mais e que seus fabricantes sejam mais inovadores”, declarou Xi, para reduzir sua dependência quanto às inconstantes economias internacionais. O mais premente, de acordo com comentários na mídia internacional sobre a estratégia de Xi, é que a China precisa estar pronta para um período prolongado de relacionamento hostil com os Estados Unidos, que pode colocar em risco o seu acesso aos consumidores, investidores e know-how americanos.

“O mundo ingressou em um período de turbulência e transformação”, disse Xi a uma audiência de economistas chineses importantes que foram convidados a visitar a sede do Partido Comunista da China no final do mês passado. “Estamos encarando um ambiente externo com ainda mais ventos adversos e contracorrentes”.

O líder chinês Xi Jinping durante cerimônia em Pequim, - Nicolas Asfouri/AFP

Xi definiu sua nova iniciativa como uma estratégia de “dupla circulação”. O nome grandiosamente tecnocrático, que ele empregou pela primeira vez em maio, significa que a China deve confiar em um ciclo robusto de demanda e inovação interna como principal propulsor da economia, e manter os mercados e investidores externos como um segundo propulsor de crescimento.

Para alguns observadores, a iniciativa de Xi parece uma retomada repaginada de esforços já antigos para reformular a economia chinesa. Os líderes chineses vêm prometendo desde pelo menos 2006 que o consumo interno responderá por proporção maior da atividade econômica, reduzindo a dependência do país quanto a exportações e grandes projetos de infraestrutura, mas esses planos não tiveram muito sucesso.

No entanto, é preciso encarar com seriedade a nova estratégia de Xi, mesmo que suas implicações ainda sejam nebulosas. Ele definiu como um imperativo de segurança a manutenção do crescimento da China, em uma era de turbulência mundial, e afirmou que questões geopolíticas urgentes aumentarão a pressão sobre as autoridades para que obtenham resultados.

“Essa política tem muito a ver com a mudança no ambiente internacional da China, especialmente a deterioração no relacionamento sino-americano”, disse Yao Yang, diretor da Escola Nacional de Desenvolvimento da Universidade de Pequim, em resposta via email a perguntas do The New York Times.

“A China precisa se preparar para o pior cenário previsível, o de exclusão pelos Estados Unidos de certas áreas da tecnologia”.

As autoridades e especialistas chineses já vêm desenvolvendo propostas rivais para solidificar a estratégia de Xi. Alguns instaram o governo a acelerar o apoio às companhias de tecnologia chinesas. Outros apelaram pela redução das barreiras ao investimento estrangeiro, a fim de ajudar a garantir que a China mantenha seus amigos e não seja barrada de mercados.

A fórmula de crescimento da China vem evoluindo, ainda que, na opinião de alguns economistas, isso aconteça devagar demais. As exportações contribuem notavelmente menos para o crescimento econômico do que era o caso uma década atrás, mas a virada na direção do consumo interno vem acontecendo gradualmente. E a China depende de importações de tecnologia, alimentos e energia, o que agrava as preocupações do governo sobre a vulnerabilidade externa do país.

“Francamente, a sucessão de políticas adotadas pelo governo Trump nos fez ver a importância disso com ainda mais clareza”, disse Yu Yongding, economista em Pequim e antigo assessor do banco central chinês, em entrevista por telefone, se referindo à nova ênfase de Xi quanto ao consumo interno. “Podemos ter de acelerar o ritmo de nosso ajuste”.

Xi disse que a dupla circulação dará forma ao próximo plano quinquenal de desenvolvimento da China, que será finalizado este ano e entrará em vigor no ano que vem. Uma reunião de líderes do Partido Comunista em outubro deve revelar mais do que Xi tem em mente, para o plano e mais além.

Os líderes vão decidir entre propostas concorrentes sobre como atingir as metas de Xi, enquanto detalham o plano quinquenal. A forma pela qual a China deve enfrentar as restrições impostas pelos Estados Unidos e outras economias avançadas, que estão cada vez mais frustrados com a China e dispostos a exercer cautela em seu relacionamento com o país, terá posição central em suas deliberações.

Em última análise, a preferência de Xi pelo domínio do Estado deve determinar que propostas serão adotadas como políticas oficiais.

“Acredito que a China esteja se preparando para um grau ainda maior de desacoplagem”, disse Zhu Ning, diretor assistente do Instituto Avançado de Finanças de Xangai, em entrevista. “Na maior parte da propaganda, o ciclo de consumo interno recebe muito mais atenção do que o ciclo externo”.

O itinerário recente de Xi reflete a estratégia mais ampla que ele está mapeando para a China enquanto os Estados Unidos e outras potências ocidentais continuam consumidos pela crise do coronavírus.

Inspecionando as terras agrícolas planas e férteis do nordeste da China, no final de julho, ele falou de garantir que o país tenha capacidade de se alimentar. Na província de Anhui, no centro da China, ele visitou um centro de inovação tecnológica e viu exposições de celulares com “segurança quântica”, microchips e outros símbolos do desenvolvimento tecnológico nacional.

A China enfrenta “um ambiente externo no qual o mercado mundial está encolhendo”, disse Xi durante a visita a Anhui, de acordo com o Diário do Povo, o principal jornal do Partido Comunista chinês. As exportações chinesas se recuperaram do choque dos primeiros meses da pandemia, mas Xi deu a entender que as perspectivas de prazo mais longo são incertas.

O esforço renovado da China para reordenar sua economia era “uma jogada estratégica de longo prazo”, ele disse, como se para esvaziar qualquer possível dúvida sobre sua determinação.

O programa de Xi provavelmente resultará em mais medidas de apoio ao setor interno de serviços, por exemplo ao turismo, e a mais apoio ao desenvolvimento de novas fontes de energia, para substituir as importações, disse Wang Wen, diretor executivo do Instituto Chongyang de Estudos Financeiros, uma organização de pesquisa de Pequim, em entrevista. Ele disse que a nova estratégia implicava uma agenda mais ambiciosa do que a simples expansão do consumo interno.

Para elevar o consumo, o governo chinês teria de promover uma redução acentuada da desigualdade, transferindo renda aos domicílios comuns. É improvável que as pessoas mais pobres gastem descontroladamente se lhes falta renda disponível, e elas tendem a poupar dinheiro para emergências.

Isso pode requerer mudanças econômicas e sociais difíceis, que já encontraram resistência oficial no passado. O novo édito de Xi também redespertou os apelos surgidos há décadas pela derrubada das barreiras burocráticas que dificultam para as pessoas de origem rural que estão trabalhando nas cidades matricular seus filhos em escolas urbanas e obter serviços de saúde.

“Quaisquer esforços para reduzir a desigualdade deveriam, pelo menos em teoria, se traduzir em consumo interno mais alto”, disse Jane Golley, economista da Universidade Nacional Australiana em Camberra, por telefone. “As falhas que eles enfrentaram quanto a isso são parte da razão para que não tenha havido uma alta significativa na parcela do consumo interno na atividade econômica”.

O programa de “dupla circulação” de Xi pode ter um impacto mais imediato ao redobrar os esforços para desenvolver tecnologia nacional e reduzir a necessidade chinesa de chips fabricados no exterior e outros componentes essenciais para smartphones, computadores e equipamentos diversos.

Muitos dirigentes e analistas chineses dizem que a inimizade americana compeliu Pequim a gastar mais no desenvolvimento de tecnologias cruciais. O mais recente golpe foi o anúncio pelo governo Trump, em agosto, de que restringiria a capacidade da Huawei, a gigante chinesa do equipamento de telecomunicações, para adquirir chips feitos nos Estados Unidos ou produzidos com equipamentos e software americanos.

A nova estratégia não significa que Pequim está fechando as portas aos investidores e mercados externos, asseveram representantes do governo chinês, e especialistas dizem que uma ruptura com os Estados Unidos seria economicamente devastadora para ambos os lados.

Emergiu um debate sobre como a China deve balancear o desenvolvimento de suas fortificações econômicas e ao mesmo tempo manter acesso a mercados estrangeiros.

Yu, o economista de Pequim, causou controvérsia ao argumentar no mês passado que a nova iniciativa de Xi incluiria reformular o programa “Made in China 2025”, criado para apoiar a indústria chinesa e classificado por outros governos como concorrência desleal. Na entrevista, Yu disse que não estava defendendo planejamento estatal para a indústria, e que desejava que investimentos comerciais direcionassem o esforço.

Uma campanha por independência tecnológica poderia causar alarme ainda maior entre aqueles no Ocidente que já se preocupam por a China ter dado as costas à era de “reforma e abertura” iniciada sob a liderança de Deng Xiaoping.

“A linha dura vai dizer que estava certa sobre o capitalismo de Estado na China”, disse Yao, da Universidade de Pequim, acrescentando que acreditava na capacidade da China e dos Estados Unidos para resolver suas disputas sobre tecnologia por meio de negociação.

Xi muitas vezes orquestra campanhas políticas promulgando ordens abrangentes, e atribui aos seus subordinados a tarefa de definir propostas detalhadas. Em 2015, ele lançou a “reforma estrutural do ‘supply-side’”, para reduzir a capacidade industrial excessiva, e isso evoluiu de um lema vazio a uma campanha que deu resultado.

“A liderança não cria slogans como esses porque pensa que as coisas serão fáceis. Ela os divulga para forçar foco, mobilização e priorização”, disse Julian Gewirtz, pesquisador sênior do Conselho de Relações Exteriores americano e estudioso da política chinesa, por email. “A dupla circulação ainda tem muito para rodar antes de ser levada para o ferro-velho dos slogans abandonados”.

Tradução de Paulo Migliacci

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