Siga a folha

Fala de Bolsonaro a supermercadistas é volta aos anos 1980, dizem analistas

Para economistas, presidente joga para a plateia, com pedido infundado do ponto de vista econômico

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

São Paulo

O pedido do presidente Jair Bolsonaro para que os donos de supermercado “sejam patriotas” e evitem uma alta maior dos preços de itens da cesta básica é considerado descabido por economistas, que avaliam que a fala ressoa às tentativas de controle da inflação dos anos 1980.

Para os analistas, com a declaração, o presidente tenta agradar seus apoiadores, com um pedido que é infundado numa economia de livre mercado, onde custos são livremente repassados aos preços.

Eles também apontam contradição no presidente, que em uma live na quinta-feira (3) festejou que a taxa básica de juros esteja a 2% ao ano e disse que espera nova redução, o que resultaria em ainda mais estímulo à demanda, já pressionada pelo auxílio emergencial.

Fiscais da Sunab (Superintendência Nacional do Abastecimento) colocam cartaz e interditam estabelecimento comercial por desrespeitar o congelamento de preços do Plano Cruzado - Rogério Carneiro - 17.jul.86/Folhapress

“A fala do presidente não faz sentido, parece que estamos voltando a um passado remoto, em que o presidente tinha que falar para a sociedade e para os diversos organismos privados para não aumentar preços”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. “Parece a volta dos anos 1980, o controle de inflação do Sarney.”

Segundo Vale, o pedido é infundado num momento em que o setor supermercadista está tendo pressão forte de demanda e alguns problemas graves de oferta –como no caso do arroz, onde houve quebra de safra e grande aumento da exportação.

“Não há como exigir das empresas, dos supermercados, dos produtores, que não façam repasses, porque a demanda está sancionando isso, é uma questão básica de economia.”

O economista não teme, porém, que o discurso presidencial se transforme em medidas intervencionistas de fato. “Acredito que isso fica mais na tentativa de jogar para a plateia, de tentar fazer uma média com a população, mas sem muita repercussão.”

Para Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, o principal instrumento à disposição do governo para controlar a inflação, caso ela venha a se acelerar –o que ainda não está acontecendo, na sua avaliação– são os juros.

“Se o Banco Central estiver preocupado com uma aceleração da inflação, o controle que se faz é subir juros. Nenhum tipo de controle de preços faz sentido em uma economia livre”, afirma.

Nesse sentido, a economista avalia que Bolsonaro dá sinais contraditórios, ao reclamar da inflação, mas ao mesmo tempo dizer que espera nova queda de juros.

“É uma contradição se você espera queda de juros e está preocupado com aumento de preços. Se há uma preocupação com a inflação na economia, o caminho correto seria subir juros, o que não é o caso”, afirma a economista.

Vitória avalia também que não há espaço para novo corte da Selic.

“Acredito que o Banco Central chegou num limite, apesar de ter indicado na última ata do Copom [Comitê de Política Monetária] que ainda poderia haver uma nova queda residual. Essa pequena aceleração recente da inflação não permite mais isso, mas também estamos longe de voltar a ter alta de juros, porque essa alta de preços dos alimentos é sazonal e deve se reverter à frente.”

O economista André Braz, coordenador de índices de preço do Ibre-FGV, afirma que a alta do dólar ajudou a elevar as exportações brasileiras de alimentos, reduziu a oferta no mercado doméstico e encareceu as importações desses produtos. Segundo ele, os aumentos nos preços seriam ainda maiores se o país não estivesse em recessão.

Ele disse que o governo não tem poder para controlar uma questão de mercado, que envolve não apenas o comércio varejista, mas também produtores, exportadores, importadores, entre outros agentes, além de diversos produtos que compõe a cesta básica.

Para ele, uma sinalização do governo em relação à questão fiscal que ajudasse a valorizar o real seria uma medida mais eficaz, pois reduziria o preço de alimentos importados e também as exportações de alguns produtos, aumentando a oferta no mercado interno.

“Como uma conversa vai resolver uma questão de mercado? Conversa para segurar preço não funciona. É complexo interferir nas leis de mercado e acho que isso não está nem na cartilha desse governo. A gente já viu tentativas disso, na época dos fiscais do Sarney. Nunca funcionou e nunca vai funcionar”, afirma Braz.

Sobre os produtos citados pelas pessoas que questionaram o presidente, ele diz que o feijão subiu no período de maior isolamento social, principalmente, por causa de uma primeira safra, que não foi boa, mas que os preços já estão em queda com a chegada da segunda safra do ano.

“A bola da vez é o arroz, porque o mercado lá fora não está muito bom, e o dólar está favorecendo comprar do Brasil. Para o produtor aqui é um bom negócio exportar o produto. Isso desabastece o mercado brasileiro e provoca esse aumento de preços. A carne também, porque a China voltou a comprar mais do Brasil.”


Planos para controlar inflação

Antes da implementação do Plano Real em 1994, pelo governo do então presidente Itamar Franco, outros planos tentaram controlar a alta dos preços, sem sucesso.

Alguns planos alteraram a moeda em circulação no país. O primeiro deles foi o Plano Cruzado, de 1986, que trocou o cruzeiro, então moeda oficial, pelo cruzado.

Confira, abaixo, as medidas implantadas desde a redemocratização do país para tentar segurar a inflação.

CRUZADO

  • Lançado em 28 de fevereiro de 1986
  • Presidente José Sarney (PMDB)

A principal marca foi o congelamento de preços. Alimentos, combustíveis, produtos de limpeza, serviços e até o dólar tiveram os preços tabelados pelo governo. A moeda também mudou: abandonou-se o cruzeiro e adotou-se o cruzado (1.000 cruzeiros = 1 cruzado).

O plano foi concebido por economistas que mais tarde desenvolveriam o Plano Real. O diagnóstico era que a inflação no país era inercial, ou seja, os preços eram reajustados tentando recompor a inflação passada, criando uma espiral de aumentos.

O congelamento seria um dos instrumentos para quebrar essa lógica. Acabou sendo o único. Sem redução dos gastos do governo, a demanda cresceu e o consumo explodiu. Em pouco tempo, passou a faltar produtos nos supermercados e o governo lançou mão até da "desapropriação" de bois no pasto para tentar atender o consumidor.

Expirou no segundo semestre de 1986.

*

CRUZADO 2

  • Lançado em 22 de novembro de 1986
  • Presidente José Sarney (PMDB)

Após vitória nas eleições estaduais, o governo anuncia ajustes no Plano Cruzado. A principal marca do Cruzado 2 foi a tentativa de controlar o consumo e o deficit público, com o aumento de tarifas e de impostos.

Automóveis foram reajustados em 80%, o combustível, em 60% e a energia elétrica, em 35%. Os demais preços continuariam congelados, mas a população já pagava ágio para comprar alguns itens que haviam sumido do mercado, como carne.

A tentativa de ajuste não duraria muito tempo.

*

BRESSER

  • Lançado em 12 de junho de 1987
  • Presidente José Sarney (PMDB)

O Plano Bresser faz novo congelamento de preços, dessa vez com validade de três meses. Extingue o gatilho, criado no Cruzado, que aumentava os salários sempre que a inflação chegasse a 20%.

Desvaloriza, de imediato, a taxa de câmbio em 10%, com o objetivo de aumentar as exportações e obter receita em dólares, essenciais após a moratória da dívida externa, anunciada naquele ano.

O pacote previa ainda um corte no deficit público, que representava redução de despesas, que não foi adiante. Sem respaldo, o então ministro Luiz Carlos Bresser Pereira deixa o Ministério da Fazenda em dezembro, com a inflação em 363%.

*

PLANO VERÃO

  • Lançado em 16 de janeiro de 1989
  • Presidente José Sarney (PMDB)

O governo Sarney anuncia o terceiro congelamento de preços, dessa vez com prazo indefinido, e troca a moeda para o cruzado novo (1.000 cruzados = 1 cruzado novo).

Também eleva a taxa de juros e propõe corte de gastos do governo. Tenta eliminar a correção monetária extinguindo as OTNs (Obrigação do Tesouro Nacional), porém em poucos meses, com a persistência da escalada da inflação, um novo índice de reajuste para contratos foi criado.

Aos poucos, os preços são descongelados e a inflação alcança 1.972% ao fim do ano.

*

COLLOR 1

  • Lançado em 16 de março de 1990
  • Presidente Fernando Collor de Mello (PRN)

A moeda troca de nome e volta a se chamar cruzeiro, dessa vez sem corte de zeros. A principal marca do plano foi o "confisco" das poupanças, contas correntes e outros ativos financeiros.

O diagnóstico era que a inflação deveria ser contida com a limitação brusca de recursos em circulação na economia, com o corte de gastos do governo e dos poupadores. Preços são congelados, salários passam a ser corrigidos pela previsão de inflação do mês seguinte.

O governo anuncia ainda que facilitaria a entrada de importados. As medidas levam a economia à retração e abatem a arrecadação de impostos do governo. Ações na Justiça permitem a liberação parcial de recursos bancários e a inflação volta a acelerar.

*

COLLOR 2

  • Lançado em 31 de janeiro de 1991
  • Presidente Fernando Collor de Mello (PRN)

Governo anuncia congelamento de preços e contenção de salários. Buscaria ainda medidas para incentivar a produção, afetada no Collor 1.

Para tentar desestimular a indexação, extingue o overnight (aplicações de curtíssimo prazo que tinham como objetivo preservar os investimentos da corrosão da inflação).

Menos de um mês depois, empresários e trabalhadores já demonstram insatisfação. Sem apoio político, governo não consegue levar adiante plano e inflação chega ao fim do ano em 472%, com a economia em rota de recessão.

*

PLANO REAL

  • Lançado em 28 de fevereiro de 1994
  • Presidente Itamar Franco (PMDB)

Feito em etapas, o plano começou com o lançamento da URV (Unidade Real de Valor), uma transição até a completa adoção de uma nova moeda, o real, que começaria a circular em 1º de julho. Um ano antes, o governo já havia feito uma troca de moeda, cortando três zeros do cruzeiro e criando o cruzeiro real.

O real entra em vigor em 1º de julho de 1994 valendo 2.750 cruzeiros reais.

O diagnóstico do plano é o mesmo que embasou o Plano Cruzado, de que a raiz da inflação brasileira era inercial. Isto é, os reajustes tentavam recompor as perdas da inflação passada, criando uma espiral de aumentos.

Na primeira etapa, todos os preços da economia passaram a ser fixados em URVs, que era corrigida diariamente. Depois, migraram para o real.

O alinhamento dos preços evitou o movimento de recomposição de perdas e derrubou a inflação já no primeiro mês. O consumo foi contido com políticas de restrição ao crédito e, com a economia já mais aberta, importados supriram parte do mercado.

Sem congelamento ou choque, o plano foi considerado exitoso à época e levou à eleição, no primeiro turno, do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas