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Fora da reforma administrativa, juízes têm 36% da remuneração em extras salariais

Levantamento em 871 mil contracheques aponta gasto de R$ 12 bi em verbas que não compõem salário

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Brasília e São Paulo

Poupados até agora da reforma administrativa, que visa cortar benefícios e penduricalhos na remuneração do funcionalismo público, os juízes brasileiros têm 36% de seus ganhos compostos por extras salariais de diversas naturezas.

Levantamento da Folha em 871,2 mil contracheques de magistrados, remetidos ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) por tribunais do país de setembro de 2017 a agosto deste ano, mostra que, de R$ 35,2 bilhões brutos desembolsados pelas cortes, R$ 12,6 bilhões cobriram “indenizações, direitos pessoais e eventuais”.

Nessas três cestas, pagas para além dos salários, estão benefícios como o terço de férias e o 13º salário, mas também uma gama de auxílios, como de alimentação, saúde, pré-escola e natalidade (para despesas iniciais com filhos); ajudas de custo; indenizações por até centenas de dias de férias acumulados; gratificações por substituição, exercício de magistério e cargos de presidência e representação.

307º Sessão Ordinária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) - Luiz Silveira - 31.mar.2020/Agência CNJ

Entram ainda jetons e diferentes outras verbas, não raro pagas retroativamente. O valor dos adicionais dá uma ideia da economia para os cofres públicos caso o país decidisse lipoaspirar não só a folha de pagamentos de servidores dos três Poderes, mas também a dos julgadores.

Em setembro, o governo Jair Bolsonaro encaminhou ao Congresso uma proposta de emenda à Constituição (PEC) com mudanças para, em meio à crise fiscal, supostamente racionalizar o serviço público e reduzir gastos com pessoal.

O texto atinge servidores do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, mas não alcança o alto escalão desses Poderes (magistrados, parlamentares, promotores e procuradores do Ministério Público).

O Ministério da Economia alega que, por limitação constitucional, o governo não pode propor novas regras para essas carreiras, o que, como mostrou a Folha em outras reportagens, é contestado por parte dos juristas.

Um dos focos da PEC é o corte de extras. O texto proíbe adicionais por tempo de serviço e substituição, aumentos de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos, progressões ou promoções vinculadas ao tempo no cargo, indenizações sem previsão de requisitos em lei, além da incorporação de valores pagos pelo exercício de cargos em comissão e funções de confiança.

Também veda a aposentadoria compulsória como modalidade de punição, assegurada à magistratura.

Os dados levantados pela Folha são os informados pelos tribunais ao CNJ por força de uma resolução que os obriga a reportar as remunerações desde setembro de 2017.

As tabelas têm os pagamentos feitos desde então a juízes da ativa, aposentados e pensionistas das esferas de Justiça Estadual, Federal, Trabalhista, Militar e Eleitoral. Incluem conselhos (CNJ e CJF) e cortes superiores (STM, STJ, TSE e TST) —exceto o Supremo Tribunal Federal, que não se submete ao controle do CNJ.

Embora magistrados estejam, em teoria, sujeitos ao cumprimento do teto de remuneração do funcionalismo, equivalente ao subsídio (como é chamado o salário do juiz) dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), hoje em R$ 39,2 mil mensais, pressões da própria magistratura sobre seus órgãos de controle e sobre o Legislativo, bem como o vácuo legal sobre o tema, criam ambiente para que os tribunais, principalmente nos estados, instituam benesses e autorizem pagamentos de atrasados por conta própria.

A maioria dos extras não é considerada para o cálculo do limite. Os descontos para o cumprimento desse parâmetro da lei representam 0,8% do total de rendimentos e 2,2% dos adicionais.

Os holerites informados ao CNJ são mensais e têm embutidos o 13º e o terço de férias. Ou seja, em alguns meses, os valores são mais altos que o padrão com esses pagamentos.

Quase um quarto deles (203 mil) registra ganhos mensais entre R$ 50 mil e 100 mil; outro 1,6% (14 mil), entre R$ 100 mil e R$ 200 mil. Houve ainda 659 beneficiários de valores entre R$ 200 mil e R$ 500 mil; e 27 que ganharam mais de R$ 500 mil em algum mês.

Os três tribunais militares nos estados têm, em média, a remuneração mais alta do país: R$ 51,8 mil por contracheque —nas cortes de Minas Gerais e São Paulo, esse valor é de R$ 54 mil.

Os 27 Tribunais de Justiça estaduais vêm em seguida (R$ 47,9 mil). Há cortes com patamares bem acima, como as de Mato Grosso do Sul (R$ 61,1 mil) e Minas Gerais (R$ 57,8 mil).

Nas demais esferas, as cifras são mais baixas. Em valores líquidos (com descontos como os de Previdência e de Imposto de Renda), os magistrados receberam R$ 25,4 bilhões ou R$ 29,2 mil por contracheque.

O CNJ tenta ao menos desde 2006 regulamentar o pagamento de extras, mas, por resistência da magistratura, enfrenta dificuldades para uniformizar os procedimentos, principalmente nos estaduais, que atuam com relativa autonomia na criação e pagamento de benefícios —e exercem influência sobre Assembleias Legislativas na aprovação de leis com margem a adicionais.

Em 2017, por exemplo, a Corregedoria Nacional de Justiça editou provimento determinando ser necessária prévia autorização do conselho para qualquer nova vantagem que não constasse da legislação.

Diretriz semelhante veio em recomendação da corregedoria em 2018, orientando tribunais a não pagarem auxílios “ou qualquer outra verba que venha a ser instituída ou majorada, ou mesmo relativa a valores atrasados, e ainda que com respaldo em lei estadual, sem que seja previamente autorizado pelo conselho”.

A Associação dos Magistrados do Brasil pediu a suspensão do dispositivo. Argumentou que ele negava validade a leis estaduais em vigor, “impedindo ou criando entraves ao pagamento de verbas pecuniárias instituídas ou majoradas legítima e legalmente, observando as respectivas esferas de competência legislativa”.

A corregedoria concedeu liminar sustando a norma em fevereiro de 2020, mas recuou após ser informada por dois conselheiros do CNJ de que a situação abrira uma janela de oportunidade para que o Tribunal de Justiça de Pernambuco pagasse diferenças de auxílio-alimentação, retroativas a 2011, para seus magistrados.

O então corregedor, ministro Humberto Martins, justificou que reversão era necessária para preservar a “moralidade administrativa e evitar prejuízos de difícil reparação ao erário”, pelo risco de que os tribunais interpretassem que a suspensão era uma licença de “pagamento de verbas sem verificação e autorização prévia do CNJ”.

O provimento e a recomendação estão de pé, mas tribunais e Assembleias têm feito gestões por novos benefícios.

No Paraná, deputados estaduais aprovaram projeto que permitia gratificação a juízes que atuam como instrutores na Escola dos Servidores da Justiça Estadual. Por decisão liminar, a corregedoria Nacional de Justiça mandou o TJ (Tribunal de Justiça) local se abster de pagá-la. Depois disso, a corte informou que a despesa não seria feita.

Já o TJ cearense, por meio de uma portaria, instituiu ajuda de custo a magistrados integrantes de um “núcleo de produtividade remota” por exercício cumulativo de função. Ela seria de 15% do subsídio mensal, mas também foi sustada pela corregedoria. A corte revogou o ato.

Em outra decisão, o CNJ determinou ao TJ baiano que não adiantasse o pagamento das férias do ano que vem.

OUTRO LADO

O Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais informou que a remuneração corresponde ao subsídio mensal está previsto na Constituição. Mas, no contracheque de cada mês, somam-se a ele auxílios que, por terem caráter de indenização, não se submetem ao teto.

“Juntamente com o subsídio mensal, podem ocorrer, eventualmente, pagamentos como parcelas do décimo terceiro salário, o terço constitucional de férias e as indenizações de férias não gozadas e férias prêmio”.

Já o TJ de Minas disse que o vencimento básico de seus juízes é dado pela Constituição e que o teto é regulamentado pelo CNJ.

“Os montantes (valores brutos, considerando os subsídios e os valores extras) pagos a mais são individuais, são temporários, não são frequentes e significam o pagamento de férias vencidas e não gozadas referentes a períodos anteriores e obedecem ao princípio da eficiência e continuidade do serviço público. Tais valores não são incorporados aos subsídios mensais.”

O TJ cearense disse que a portaria que instituiu a gratificação criada foi suspensa pelo CNJ antes mesmo de entrar em vigor. “Ademais, o referido ato normativo foi imediatamente revogado pelo próprio TJ-CE, não tendo, portanto, produzido efeitos financeiros.” O TJ Militar de São Paulo, o TJ-PE, o TJ-MS, o TJ-TO, o TJ-PR e o TJ-BA não se pronunciaram até a conclusão desta reportagem.​

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