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Pandemia convence funcionários de companhias aéreas a buscar novos horizontes

Trabalhadores antecipam aposentadoria e aceitam demissão voluntária e licença, prevendo lenta recuperação do setor

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Niraj Chokshi
The New York Times

Este deveria ser o ano em que Steven Ray Littles II criaria raízes na área de Seattle, no estado de Washington. Em vez disso, ele voltou para a casa de seus pais em Bakersfield, na Califórnia, após aceitar a demissão voluntária da Delta Air Lines, encerrando uma carreira de seis anos como comissário de bordo.

Ele gostava do trabalho, que lhe permitia viajar muito e fazer novos amigos de várias origens. Mas Littles, 32, temia que seu emprego estivesse vulnerável porque a pandemia do coronavírus aplicou um grande golpe no setor aéreo.

"Eu estava vendo a coisa de uma perspectiva de rede de segurança", disse ele. "Que controle eu tenho dessa situação e como posso aproveitar melhor essa oportunidade?"

Steven Ray Littles II deixou seu trabalho de comissário de bordo na Delta Air Lines e pretende começar um negócio de fotografia com drone - Horatio Baltz/The New York Times

Em todo o país, funcionários de companhias aéreas como Littles têm se debatido com decisões semelhantes por causa da substancial redução das viagens e do medo crescente de que muitos passageiros possam demorar anos para voltar a voar. O Congresso dos EUA deu uma ajuda vital ao setor em março, quando ofereceu às companhias aéreas US$ 25 bilhões, desde que evitassem grandes cortes de empregos.

A exigência expira na próxima quinta-feira (8), e as empresas alertaram que, a menos que os legisladores prorroguem o programa, elas dispensarão dezenas de milhares de trabalhadores. Para limitar o número de demissões, as companhias pediram aos funcionários que aceitem cortes de pagamento, licenças prolongadas, demissões voluntárias ou aposentadorias antecipadas. Dezenas de milhares deles se inscreveram.

A Southwest Airlines disse que tantos funcionários se apresentaram para esses programas que não licenciará trabalhadores até o final do ano. A Delta também está evitando licenças por enquanto, embora possa reduzir seu pessoal em algumas profissões, incluindo pilotos.

Littles disse que sua decisão de deixar a Delta não foi fácil, mas que ele e sua família passaram por uma transição semelhante há uma década. Durante a última recessão, seus pais não puderam manter os três filhos e a mãe na faculdade. Littles se ofereceu para deixar os estudos. Ele se mudou para casa e trabalhou em uma série de empregos. O período carregando malas em aviões no aeroporto local se transformou em um emprego no balcão de passagens, que o levou a uma vaga de comissário de bordo.

Littles, que nunca tinha estado a leste de Little Rock, Arkansas, começou em 2014 e se mudou para a cidade de Nova York. Ele descobriu e se apaixonou por Bozeman, em Montana, e visitou Dublin, na Irlanda; Bogotá, na Colômbia; e Accra, em Gana.

"Esses últimos seis anos foram o melhor curso de faculdade ou experiência de vida que eu poderia ter", disse ele. "Você se sente como se tivesse acesso ao mundo real."

Depois de ficar doente este ano com o que agora supõe que seja o coronavírus, Littles se inscreveu para uma licença temporária em março. Isso o levou a pensar com mais cuidado sobre o futuro. Os comissários de bordo da Delta não são sindicalizados, então quais eram as chances de ele, com relativamente pouco tempo de serviço, sobreviver a uma licença? Estaria na hora de seguir em frente?

Littles optou pela demissão voluntária, que inclui cobertura médica por um ano, dando-lhe uma certa segurança enquanto ele explora o início de um negócio de fotografia com drone.

Seguro-saúde bom demais

Mike Stoica, mecânico na American Airlines, está se aposentando e planeja dedicar boa parte de seu tempo a restaurar aviões como esse biplano Boeing Stearman - Sarah Huny Young/The New York Times

Em quatro décadas como mecânico de aviões, Mike Stoica sobreviveu a expansões, contrações, uma falência e uma fusão. Mas quando a American Airlines ofereceu pacotes de aposentadoria antecipada neste verão ele decidiu que era a hora de ir.

"Para mim, na minha idade, era óbvio", disse Stoica, de 71 anos.

Ele havia planejado trabalhar por mais tempo, mas o pacote de aposentadoria garantia que sua esposa, mais jovem, teria seguro-saúde até que ela se qualificasse para o Medicare. Seu último dia de trabalho foi sexta-feira.

Stoica era o chefe da tripulação da American no Aeroporto Internacional de Pittsburgh e é o presidente do sindicato em sua região. Ele está especialmente orgulhoso por ser chamado para ajudar as autoridades federais que investigaram uma falha de motor no voo 1549 da US Airways em 2009.

Esse voo terminou quando o capitão Chesley B. Sullenberger III pousou o jato no rio Hudson, em Nova York. O projeto levou Stoica de uma barcaça no rio para uma enorme fábrica de motores General Electric, onde os componentes defeituosos foram dissecados.

"Tivemos alguns momentos realmente bacanas", disse ele. "A responsabilidade é enorme."

Agora, Stoica espera voltar sua atenção para aviões de um tamanho diferente. Ele recentemente terminou de restaurar um biplano Boeing Stearman 1944 e tem outro projeto em curso.

Sacrifício pela família do trabalho

Tina Jackson antecipou sua aposentadoria na Alaska Airlines para preservar o emprego de um colega mais jovem - Jovelle Tamayo/The New York Times

A decisão de Tina Jackson de aceitar um pacote de aposentadoria da Alaska Airlines foi bastante triste. Partir significava dizer adeus aos colegas de trabalho que funcionavam como uma grande família e lhe ofereceram um chá de bebê quando ela adotou sua filha, há quase 20 anos.

"Quando algo acontece com um de nós, acontece com todos", disse Jackson, 56, que trabalhava no departamento de reservas.

À medida que a pandemia avançava, ficou claro que a indústria ficaria menor e os colegas de Jackson começaram a se preocupar com seus empregos. Então ela se ofereceu para uma licença de três meses. Quando a companhia aérea ofereceu pacotes de aposentadoria, ela optou por um, para ajudar seus colegas que precisavam trabalhar.

Como agente de reservas, Jackson costumava ouvir as pessoas em seus melhores e piores momentos. Quando alguém ligava para comprar passagens para um casamento ou para visitar um novo neto, ela podia compartilhar essa alegria. Quando um cliente comprava uma passagem para um enterro, ela tentava tornar a vida dele um pouco mais fácil.

Por enquanto, Jackson planeja ficar em casa com o marido na ilha de San Juan, no noroeste de Washington. Mas, quando for seguro fazer isso, ela espera passar a aposentadoria viajando pelo mundo, começando pela Europa, com a ajuda de benefícios de voo vitalícios.

"Durante 20 anos viajei pelo mundo inteiro sem nunca sair da minha cadeira", disse ela. "Eu queria ir a todos aqueles lugares incríveis sobre os quais todo mundo falava."

Mudança de perspectiva

Robert Browning Vaughn II se aposentou cinco anos antes do previsto para ajudar a Delta e proteger o emprego de colegas mais jovens - Matthew Odom/The New York Times

Quando sua aposentadoria começou, neste mês, Robert Browning Vaughn II estava sentado ao lado da piscina com sua mulher, Kimi Vaughn, em um resort mexicano em Cabo San Lucas. A viagem tinha sido planejada para o 60º aniversário de Robert Vaughn, mas a aposentadoria foi um acréscimo posterior.

Vaughn, um ex-piloto da Delta conhecido como R.B., pretendia trabalhar mais cinco anos, mas a companhia lhe ofereceu uma aposentadoria antecipada.

Ele havia sido licenciado na década de 1990, mas sentiu que a Delta lhe dera uma boa carreira e permitiu que ele criasse uma agenda em torno das necessidades de sua família. Resolveu então retribuir o favor e ajudar um colega com menos tempo de serviço. Ele também percebeu que era hora de fazer uma pausa após uma série de tragédias pessoais.

"Consegui fazer o que eu sonhava", disse ele. "Agora não tenho que ir para outro quarto de hotel, a menos que seja um de minha escolha."

No início da carreira, Vaughn voou internacionalmente, mas mudou para viagens domésticas mais curtas para que pudesse voltar mais facilmente para casa e ajudar sua primeira mulher, que tinha depressão e outras condições, e seu filho, que tem autismo. Em 2015, a mulher de Vaughn, com quem ele era casado há 33 anos, se suicidou.

Ele tirou um tempo para se recuperar e cuidar do filho. Em 2017, começou a namorar Kimi, que trabalhava na escola de seu filho. O pai de Vaughn morreu naquele verão, e a filha de sua mulher morreu no ano passado. Sua mãe morreu em fevereiro, e sua avó morreu de coronavírus neste verão.

"Enterrar tantos membros da família em um período tão curto, cada um deles muda sua perspectiva de vida", disse Vaughn. "Tivemos muita tristeza, mas tentamos ver as coisas com as quais fomos abençoados."

Ele e sua mulher pretendem viajar pelo mundo, mas por enquanto se limitam a viagens domésticas de sua casa perto de Atlanta, como uma viagem nesta semana para Santa Fé, no Novo México. Ele também planeja passear em sua Harley-Davidson e jogar golfe com seu filho com mais frequência.

Recém-casada dá um passo para trás

Julia Ortega espera voltar para seu emprego como instrutora e comissária de bordo quando a economia melhorar e a demanda por viagens se recuperar - Sarahbeth Maney/The New York Times

Como comissária de bordo e instrutora da Alaska Airlines, Julia Ortega viu a evolução da crise pesar sobre seus colegas quando eles chegaram para uma aula de recertificação anual. Ela também estava preocupada.

Ortega, 34, e seu marido se casaram em fevereiro e planejavam uma festa de casamento em abril no México, mas tiveram que adiá-la duas vezes, para novembro e agora para maio. Além disso, eles moram na Área da Baía, onde o custo de vida é alto. Depois de ver seus colegas angustiados com o futuro, porém, Ortega decidiu que poderia dar um passo atrás, oferecendo-se para tirar uma licença na primavera e se inscrever para uma licença não remunerada de nove meses a partir da última quinta-feira.

"Se eu tinha a chance de tirar uma licença e permitir que eles mantivessem o emprego, para salvar pelo menos mais um de meus colegas de trabalho, é o que eu faria", disse ela.

Os últimos meses levaram a um exame de consciência. Ortega havia arrumado o emprego por acaso há dez anos, quando conheceu um recrutador de linha aérea na rede de restaurantes onde ela treinava funcionários. Embora ela tivesse considerado outra mudança de carreira, Ortega decidiu que não estava pronta para desistir da aviação e está confiante de que será chamada de volta quando a economia melhorar.

"Ou você a ama ou a odeia, e eu aprendi a me apaixonar pela indústria", disse. "Então, não vou a lugar nenhum até que me expulsem."

Por enquanto, Ortega está passando um tempo em casa com seus dois cães, enquanto seu marido continua trabalhando nas operações do Aeroporto Internacional de San Jose. Para se manter ocupada e saudável, ela tem corrido ao ar livre, praticando um plano de exercícios especial para o casamento.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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