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Descrição de chapéu mercado de trabalho

Trabalho remoto permanente demanda nova regulamentação

Ministério Público do Trabalho fixa diretrizes para o sistema, mas risco de judicialização é alto

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São Paulo

A crise sanitária obrigou empresas de diferentes portes a reorganizarem as suas equipes que atuam em escritórios. Adotaram, praticamente de um dia para o outro, diferentes modelos de trabalho remoto. Passados quase sete meses sob a pandemia, muitas delas avaliam adotar o home office de maneira definitiva.

Faltam, porém, regras claras para que essa transferência seja juridicamente segura para empregadores e empregados. De um lado, existe a preocupação com a desconexão dos funcionários, que estão longe dos olhos de gestores. De outro, há quem veja o risco de esse modelo burocratizar a relação e afundar antes mesmo de se consolidar no país.

Desde o início da pandemia, sete projetos de lei foram apresentados na Câmara e no Senado propondo alterar a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) para ajustar os artigos que tratam do teletrabalho.

A partir de março, com a pandemia, empresas impuseram o home office aos funcionários - Carolina Daffara

Em setembro, uma comissão coordenada pelo professor de direito do trabalho da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), Ricardo Calcini, começou a elaborar um anteprojeto. O grupo tem 70 integrantes, entre advogados, professores, representantes de empresas, sindicatos e federações.

A ideia é propor uma alteração na CLT que contemple também a situação vivida nos escritório hoje. “Esse amontoado de gente que, de uma hora para outra, foi trabalhar em casa, não tem proteção ideal”, diz Calcini.

A CLT prevê dois tipos de trabalho fora de empresas. Um refere-se ao trabalho no domicílio, o outro ao teletrabalho —esse último incluído pela reforma trabalhista de 2017.

As diferenças entre os dois são tênues e têm também relação com as transformações pelas quais o mercado de trabalho vem passando. Para que alguém esteja em teletrabalho, por exemplo, é necessário que sua atividade seja majoritariamente executada por meio de sistemas de informação, como computador ou telefone.

Trabalho remoto na CLT

  • Teletrabalho

    Para a legislação, é aquele realizado por meio eletrônico, como computador, telefone etc

  • Jornada no teletrabalho

    Esse tipo de contrato entra na exceções previstas pela CLT, igualando esse trabalhador aos vendedores externos e aos cargos de gerência e direção

  • Home office

    A CLT fala em “trabalho no domicílio”, que é basicamente a transferência do local de trabalho

  • Jornada no home office

    É a mesmo do trabalho no escritório e dá direito a horas extras e adicionais

  • Trabalho remoto na pandemia

    A jornada com início, horário de almoço e previsão de fim não é um teletrabalho, mas um home office ou trabalho em domicílio, segundo o MPT

Por exemplo: uma costureira que, a partir de sua casa, produza peças para a firma que a emprega está em trabalho no domicílio, mas não em teletrabalho. Essa trabalhadora tem, segundo a CLT, os mesmos direitos daqueles que atuam de maneira presencial, incluindo controle de jornada.

Um dos pontos mais críticos do enquadramento como teletrabalho é justamente esse, o controle de jornada.

“Tenho a plena convicção de que não são todos os que estão em teletrabalho que precisam ter controle de jornada, mas a orientação mais conservadora é para que as empresas controlem. Até para evitar a judicialização”, diz Calcini.

Apesar da previsão da lei, o advogado Luiz Calixto Sandes, do Kincaid Mendes Vianna Advogados, não é favorável à dispensa no controle. Ele considera que o respeito à jornada de trabalho acordada protege a saúde dos trabalhadores, mas também evita expor à empresa a riscos.

“Você não pode ter gente enviando emails, trabalhando às nove, dez horas da noite. É uma coisa que a gente sabe que acontece no home office, mas que a legislação não permite. É um risco para os dois.”

A sócia da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe Letícia Ribeiro vê na possibilidade de se tornar obrigatório o controle de jornada um risco à aderência do home office no mercado de trabalho.

"Basicamente, a flexibilidade, que é um atrativo também para muito empregados, seria removida”, afirma.

Em setembro, o Ministério Público do Trabalho publicou uma nota técnica com 17 pontos que servirão de parâmetro ao trabalho dos procuradores e, entre eles, incluiu a recomendação para que as empresas adotem mecanismos de monitoramento do tempo de trabalho dos funcionários.

Alberto Balazeiro, procurador-chefe do Trabalho, diz que a nota é apenas uma interpretação da legislação vigente. “Na urgência, você permite exceções. Está claro que o teletrabalho é uma realidade e a gente tem que encontrar um ponto de equilíbrio”, afirma.

O PGT diz que a publicação é também um convite ao debate sobre as condições desse trabalho que passou a ser exercido em casa. Balazeiro afirma que o teletrabalho incluído com a reforma presumia a liberdade de o funcionário estabelecer uma rotina e atender demandas.

“Na prática, o teletrabalho atual ficou só uma mudança do lugar, muito mais assemelhado ao home office [trabalho no domicílio]. Você trabalha de 8h às 18h, o tempo inteiro, e pior, com extensão de jornada, sem direito à desconexão. Passa da sua jornada e você continua respondendo email, respondendo WhastApp, telefonema.”

A advogada do Trench Rossi Watanabe defende que se discutam meios de coibir excessos, mas sem que eles venham a engessar a modalidade, que ela considera bem-sucedida.

“Quem pode ficar em teletrabalho já tem um perfil diferenciado. Não são todas as posições que permitem esse trabalho remoto. E hoje, está vendo as vantagens da flexibilidade de horário, de um convívio maior com a família, de evitar o trânsito”, afirma.

O que falta regulamentar

  • Jornada de trabalho

    A recomendação dos advogados é que, se as empresas já controlavam a jornada, que isso seja mantido até que haja uma nova regra

  • Fornecimento de equipamentos

    A CLT diz que isso deve ser acordado entre patrão e empregado; o mais aconselhado é negociar as condições para o trabalho em casa

  • Etiqueta digital

    O Brasil ainda não tem uma regra sobre direito à desconexão, mas é recomendável que as empresas adotem códigos de conduta que barrem a comunicação com funcionários a partir de certo horário

Na semana encerrada em 19 de setembro, 7,8 milhões de trabalhadores estavam em trabalho remoto no Brasil, segundo a Pnad Covid, pesquisa do IBGE para monitorar os efeitos da pandemia sobre o trabalho. Desses, mais da metade (4,4 milhões) está na região Sudeste.

Para Letícia, se o trabalho remoto passar a reproduzir a rotina da empresa, as vantagens desaparecerão. “Se ele tive que logar às 9h, for obrigado a parar às 13h, voltar a ficar disponível um certo tempo fixo depois. Não vai ser interessante”, afirma. “O foco é na entrega do trabalho.”

A nota do MPT também recomenda que as empresas garantam os equipamentos necessários à execução do trabalho e adotem uma “etiqueta digital”, de modo a garantir o direito à desconexão dos funcionários.

Para advogada Cláudia Orsi Abdul Ahad Securato, do Oliveira, Vale, Securato & Abdul Ahad Advogados, a nota dos procuradores vem no sentido de prevenir abusos típicos de situações novas. “Sabemos que há vantagens em trabalhar em casa, especialmente em grandes metrópoles, mas a gente vive em um país que não tem igualdade digital.”

Na pandemia, a adoção do teletrabalho ou do trabalho em casa foi coberta pela Medida Provisória 927, de 22 de março, que facilitou a adoção, dispensando, por exemplo, o acordo individual e o comunicado com 15 dias de antecedência.

A MP perdeu a validade em 19 julho, porém, segundo Luiz Calixto Sandes, as empresas que a adotaram enquanto ela estava em vigor estão protegidas. “Meu entendimento é de que se aplica o ato jurídico perfeito, portanto, quem adotou o home office apenas por mero aviso, permanece assim”, afirma.

Para quem avalia esticar o teletrabalho, os especialistas concordam que a legislação não cobre os arranjos atuais. O que sobra às empresas é a realização de acordos. Firmas maiores, com acesso aos sindicatos, devem tentar negociações coletivas.

Para as menores, Calcini, da FMU, recomenda a realização de acordos individuais ou a criação de regulamentos de conduta, que possam prever parâmetros para jornada, remuneração e direito à desconexão.

Outra possibilidade é a empresa adotar um modelo híbrido. Se três dias de trabalho durante a semana forem mantidos no modelo presencial, o arranjo não cairá no teletrabalho.

As 17 recomendações do Ministério Público do Trabalho

A nota técnica traz medidas que os procuradores consideram importantes

  1. Ética digital

    Respeitar ética digital no relacionamento com trabalhadores, preservando intimidade, privacidade e segurança pessoal e familiar

  2. Aditivo contratual

    Incluir do teletrabalho no contrato, por meio de aditivo, tratando da duração do contrato, responsabilidade e a infraestrutura para o trabalho remoto, bem como reembolso de despesas relacionadas ao trabalho

  3. Ergonomia e conforto

    Observar as necessidades de organização para trabalho quanto à ergonomia, à organização e às relações interpessoais, como o formato de reuniões, feedbacks e transmissão de tarefas

  4. Setor de telemarketing

    Garantir ao trabalhador do setor a aplicação da norma regulamentadora 17, com a implantação de pausas e intervalos para descanso, repouso e alimentação, para impedir sobrecarga psíquica, muscular estática de pescoço, ombro, dorso e membros superiores

  5. Apoio técnico

    Oferecer suporte tecnológico, orientação e capacitação aos trabalhadores para o uso das plataformas de trabalho remoto

  6. Saúde e segurança

    Instruir os funcionários quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças, físicas e mentais e acidentes de trabalho, e também como adotar intervalos e exercícios laborais

  7. Adaptar a rotina

    Observar a jornada contratual, com a compatibilização das necessidades empresariais e de trabalhadores ante às responsabilidades familiares

  8. Respeito à desconexão

    Orientar todo a equipe a cumprir horários de atendimento virtual a demandas, assegurando tempo de repouso e direito à desconexão, bem como medidas que evitem intimidação

  9. Privacidade

    Respeito ao direito de imagem e à privacidade, por meio da orientação e fornecimento de avatares, imagens padronizadas ou modelos para o uso em transmissões online

  10. Cessão de direitos

    Garantir que os funcionários autorizem o uso de imagem e voz na produção de materiais para divulgação em plataformas digitais abertas

  11. Estabelecer prazos

    Garantir que o uso de materiais produzidos durante a pandemia sejam restritos aos período sob a crise sanitária

  12. Liberdade individual

    Garantir o exercício da liberdade de expressão, ressalvadas ofensas que caracterizem calúnia, injúria e difamação

  13. Atenção à saúde

    Estabelecer políticas de autocuidado para identificação de potenciais sinais e sintomas de Covid-19, com garantia de posterior isolamento

  14. Idosos

    Garantir que o teletrabalho seja oferecido ao idoso de forma a favorecer a liberdade e direito ao exercício do trabalho, respeitadas condições físicas, intelectuais e psíquicas

  15. Pessoas com deficiência

    Assegurar que o teletrabalho favoreça às pessoas com deficiência, obtenção e conservação do emprego e progressão na carreira, garantindo acessibilidade e adaptação

  16. Controlar a jornada

    Adotar mecanismo de controle de horas

  17. Atenção ao demitidos

    Estimular a criação de programas de profissionalização para a mão de obra dispensada

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