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Descrição de chapéu Folha ESG sustentabilidade

Combate à pobreza é tema invisível para fundos de investimento ESG

Dos 316 ETFs ligados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, nenhum é direcionado ao problema

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Belo Horizonte

A oferta de investimentos ESG (que incorporam critérios ambientais, sociais e de governança corporativa) alcançou um patamar inédito de 2020 para cá. Só na modalidade de ETFs, fundos cuja composição da carteira espelha um índice de referência do mercado, existem hoje 758 opções pelo mundo, das quais 200 foram criadas apenas no último ano.

O cardápio é extenso e engloba fundos de investimento alinhados a temas específicos, como mudanças climáticas, uso racional da água e energia limpa. No entanto, um assunto parece invisível no radar financeiro: o combate à pobreza.

Os dados são da TrackInsight, uma plataforma de análise para investidores que mapeou quantos ETFs com características sustentáveis são ligados aos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU).

Os ODS são compostos por 17 metas elaboradas em 2015. Trata-se de um chamamento global para enfrentar os principais desafios da humanidade, como redução da desigualdade, proteção do planeta e promoção da paz e da prosperidade.

De acordo com a TrackInsight, dos 758 ETFs negociados em pregões pelo mundo, 316 são baseados em índices que consideram algum ODS na hora de selecionar as empresas da carteira.

Existem, por exemplo, 15 fundos formados só por companhias com boa diversidade de gênero, que é o quinto objetivo da lista. Outros 195 são compostos apenas por organizações com iniciativas para conter as mudanças climáticas (ODS 13), como o ECOO11, fundo brasileiro vinculado ao Índice Carbono Eficiente da B3.

Há até mesmo um ETF dedicado ao ODS 14 (Vida na Água), cujo critério para seleção da carteira são empresas com práticas sustentáveis em relação aos recursos oceânicos.

Contudo, nenhum fundo de investimento no mundo menciona a erradicação da pobreza, que é o primeiro Objetivo de Desenvolvimento Sustentável. Ao lado dele, apenas o ODS número 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficazes) segue ignorado no mercado financeiro, como mostrou o levantamento.


O QUE CADA SIGLA SIGNIFICA?

  • ETF

    Sigla para “exchange traded funds”, os ETFs são fundos de investimento que espelham a composição de carteira de índices já existentes no mercado. Eles são comercializados como ações no pregão da Bolsa de Valores.

  • ETF ESG

    A diferença entre um ETF comum e um com característica ESG é o índice usado como referência. Fundos ESG se baseiam em índices como o ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) da B3, que mede a performance das empresas com as melhores práticas de sustentabilidade.

  • ODS

    Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são 17 metas integradas elaboradas pela ONU em 2015. Juntas, elas formam um chamado global para países, empresas e sociedade civil enfrentarem os principais desafios da humanidade, como erradicação da pobreza, proteção do planeta e promoção da paz e prosperidade. O prazo é 2030.


Para Alexandre Garcia, professor e pró-reitor da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado), a ausência de ETFs vinculadas ao problema é um reflexo do que acontece no mundo dos negócios. Segundo ele, as empresas ainda não estão acostumadas a lidar com os aspectos sociais.

“Da sigla ESG, a governança talvez seja o princípio com o qual os executivos estão mais habituados, seguido pelo ambiental. O social é onde existem menos ações, e quando se fala em erradicação da pobreza, isso passa ainda mais longe”, afirma.

Na visão dele, ainda persiste no ambiente corporativo o pensamento de que essa é uma incumbência do poder público, o que pode explicar a falta de envolvimento das empresas.

No entanto, o professor diz que o compromisso com questões sociais não deveria ser visto como exclusividade de um único agente.

“A responsabilidade é de todos, desde o governo até as pessoas jurídicas e físicas. Agora as empresas têm um papel muito maior, não só pelo poder econômico, mas pelas externalidades. É papel delas atenuar o impacto que geram na sociedade.”

Marcella Ungaretti, analista ESG da XP Investimentos, diz que os impactos sociais ainda são pouco tangíveis na perspectiva dos investidores, o que contribui para que o pilar permaneça distante da realidade corporativa.

“Todo investidor tem uma opinião em relação à governança das organizações onde investe. No ambiental é mais difícil, mas ainda assim é tangível. Já o social é algo mais distante, e a consequência disso é que fica mais distante para as empresas também”, afirma.

No entanto, Ungaretti diz que os negócios já atuam para erradicar a miséria, no sentido de gerar muitos empregos e contribuir com a economia local e nacional.

“As companhias, em suas atividades naturais, acabam ajudando a resolver a questão da pobreza. Isso quer dizer que é o suficiente, que a empresa não poderia fazer mais? Não, os negócios podem e devem promover o bem na sociedade para além disso.”

Garcia discorda da tese de que a responsabilidade social das organizações é elevar seus lucros, como disse Milton Friedman. Na visão do professor, empregar e remunerar as pessoas não devem ser consideradas formas de cuidar desse princípio.

“O salário que o funcionário recebe é em troca de trabalho. Não tem como associar remuneração à responsabilidade social.”

Considerando que boa parte da pobreza não é consequência da escassez de recursos, mas, sim, da distribuição desigual da riqueza, Garcia defende uma atuação mais incisiva na questão. Para ele, é preciso enfrentar as causas do problema, como a concentração de renda.

Segundo um relatório do banco Credit Suisse, quase metade da riqueza total do Brasil (49,6%) foi parar nas mãos do 1% mais rico em 2020, mesmo durante a crise sanitária.

Na comparação entre dez países, apenas o topo da pirâmide da Rússia conseguiu concentrar mais riqueza que a elite brasileira.

Ao mesmo tempo, um estudo da SDSN (Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas) mostrou que a pandemia de Covid-19 representou o primeiro grande revés no progresso de países rumo aos ODS.

O retrocesso foi puxado, exatamente, pelo aumento das taxas de pobreza, e o Brasil é uma das nações que apresentaram maior declínio em suas performances sobre os ODS, ao lado de Venezuela e Tuvalu.

Marcella Ungaretti diz que tanto o ESG quanto os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são discussões em evolução, e é provável que se desenvolvam mais rápido nos próximos anos.

“A pandemia acabou impulsionando e deixando muito claro o poder que as empresas têm de fazer o bem para a sociedade”, afirma.

“Conforme as empresas evoluem e os investidores passem a exigir muito mais delas, é de se esperar que a agenda também avance."

Pesquisa do Omfif (Fórum Oficial de Instituições Monetárias e Financeiras) mostrou que investidores globais estão se tornando mais verdes e ativistas devido à pandemia de Covid-19.

O estudo feito com 102 instituições mostra que, pela primeira vez, a maioria está implementando princípios ESG em suas estratégias.

Os bancos centrais representaram cerca de 60% da amostra da pesquisa, e os títulos verdes continuam sendo a opção ESG mais popular.


NÚMEROS SOBRE FUNDOS DE INVESTIMENTO ESG

758
é a quantidade de ETFs com características ESG que existem no mundo

R$ 1,3 trilhão
é o valor de ativos sob gestão nessa modalidade

316
ETFs consideram algum Objetivo de Desenvolvimento Sustentável na hora de selecionar as empresas da carteira

Nenhum
desses fundos menciona a erradicação da pobreza, que é o primeiro ODS

ODS 16
intitulado “Paz, Justiça e Instituições Eficazes” também não possui ETFs ligados a ele

“Ação contra a mudança global do clima”
é o ODS com mais fundos de investimentos alinhados: 195

Europa
é a região com mais ETFs sustentáveis disponíveis: 512 (67% do total)

Fonte: TrackInsight

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