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Descrição de chapéu The New York Times

Como estão hoje as meninas sequestradas pelo Boko Haram há quatro anos

Mais de 100 estudantes de uma escola secundária foram levadas por grupo terrorista da Nigéria

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Dionne Searcey
Yola (Nigéria) | The New York Times

​As autoridades nigerianas levaram semanas angustiantes para divulgar os nomes de todas as estudantes sequestradas pelo Boko Haram de uma escola interna no vilarejo de Chibok quatro anos atrás, na noite de 14 de abril. Quando o fizeram, o número foi estarrecedor.

A lista circulou rapidamente entre pais frenéticos à procura de suas filhas. Alguns deles partiram de motocicleta para confrontar os militantes islâmicos que haviam invadido a escola, carregado as meninas em caminhões e as levado embora sob a mira de armas.

Soldados também utilizaram a lista enquanto vasculhavam a região à procura das estudantes desaparecidas, percorrendo a floresta, despachando jatos e recrutando a ajuda de forças militares estrangeiras.

Negociadores verificaram os nomes quando barganharam com os militantes, tentando conseguir que as meninas fossem libertadas. E a lista virou inspiração para manifestantes na capital do país, a centenas de quilômetros de distância, que continuaram a marchar em defesa do retorno delas, dia após dia.

“Quando comecei a ler cada nome, minha determinação se fortaleceu”, disse Oby Ezekwesili, ex-ministra da Educação que liderou os protestos. “Não eram apenas números. Eram pessoas de verdade.”

Longe dali, nos Estados Unidos, França, Coreia do Sul e outros países, celebridades e figuras públicas se uniram à causa.

“Tragam nossas meninas de volta”, clamavam.

As adolescentes passaram anos desaparecidas, tempo no qual de meninas elas se tornaram mulheres sob o domínio de um bando de extremistas conhecidos por espancar, violentar e escravizar seus prisioneiros.

E então, em meio a alegria, muitos de seus nomes foram riscados da lista.

“Voltei, como dizem”, falou Hauwa Ntakai, uma das meninas de Chibok.

Quase quatro anos depois de terem sido sequestradas e arrastadas para um esconderijo na floresta, mais de cem estudantes de Chibok agora estão vivendo num campus universitário a quatro horas de suas famílias aqui no nordeste da Nigéria. Seus dias são ocupados por aulas de matemática e inglês, por karaokê e selfies; suas noites por pipoca e vídeos.

Mas mais de cem de suas antigas colegas de classe continuam desaparecidas, em mãos do Boko Haram. Acredita-se que cerca de 12 delas morreram.

“Estou feliz”, falou Ntakai, que era o número 169 da lista. Hoje ela é uma estudante de 20 anos que acorda ao amanhecer para fazer aulas de ioga aos sábados e discute os benefícios e riscos das redes sociais em noites de debates na universidade.

“Mas penso em minhas irmãs que ainda estão lá”, nas garras do Boko Haram.

A Nigéria vive seu nono ano de guerra com o Boko Haram, organização que já matou e sequestrou milhares de civis no norte do país.

Sob muitos aspectos, e apesar de sua história ter sido tão extraordinária, as estudantes de Chibok foram apenas mais um grupo de vítimas do Boko Haram. Muitas dessas jovens hoje se veem como sendo as que tiveram sorte.

Semanas antes do sequestro das meninas em Chibok, vários meninos morreram queimados vivos em sua própria escola, numa tragédia que não repercutiu em todo o mundo do mesmo modo como a abdução em massa das estudantes.

A imensa maioria das vítimas do Boko Haram vai permanecer anônima, sendo seus nomes nunca divulgados pelo mundo, e seu paradeiro continuará desconhecido. Muitas das famílias nunca saberão o que foi feito das vítimas. Os crimes contra elas são cometidos em áreas remotas, longe do alcance de telefones celulares, e muitas vezes quando a atenção do mundo está focada sobre outra coisa.

Mas as meninas de Chibok tinham nomes. Saratu Ayuba. Ruth Amos. Comfort Abila. Esther Usman.

E, a partir de algumas semanas depois de seu sequestro, elas tiveram rostos –o Boko Haram divulgou imagens de suas prisioneiras, cobertas da cabeça aos pés em trajes longos e escuros, e com expressão sombria nos rostos.

Estudantes adolescentes de uma escola de um vilarejo nigeriano de repente se tornaram as representantes involuntárias de todas as vítimas mortas e desaparecidas de uma crise que colocou de ponta-cabeça um canto remoto e pobre do planeta.

Elas se tornaram as filhas da Nigéria, e, de modo mais amplo, as filhas do mundo todo, alvos de preocupação e atenção, como se pertencessem a todos.

Galeria Manifestação contra sequestros na Nigéria

“Quando o rapto de Chibok ocorreu, foi a articulação de toda esta saga”, disse Saudatu Mahdi, co-fundadora do movimento Bring Back Our Girls (Tragam Nossas Meninas de Volta). “Elas viraram um elemento de mobilização.”

Mas as estudantes de Chibok libertadas também carregam o fardo pesado da celebridade que levou à sua libertação.

Elas têm a sorte de estar estudando numa universidade particular cursada pelos filhos de políticos, empresários e outros membros da elite nigeriana.

Mas elas vivem sob um esquema rígido de segurança. Não podem sair do campus sem escolta. Não podem receber visitantes sem autorização especial. E, embora algumas das mulheres tenham dado à luz quando estavam no cativeiro, seus filhos não são autorizados a ficar com elas na universidade. Os administradores dizem que os filhos desviariam suas atenções dos estudos.

Na realidade, as jovens viram suas famílias muito pouco desde que foram libertas do domínio do Boko Haram. O período mais longo que passaram com seus pais, irmãos e outros parentes desde que foram sequestradas, em 2014, foi nas férias de Natal do ano passado, quando puderam voltar para casa por 15 dias. Tirando isso, elas têm vivido sob a supervisão estreita de autoridades e educadores.

Assim que foram libertadas pelo Boko Haram, as jovens foram levadas à capital, Abuja, onde passaram semanas sob custódia do governo, sendo interrogadas para fornecer informações que pudessem fornecer pistas sobre a localização de suas colegas ainda desaparecidas –e também para que as autoridades pudessem se certificar de que elas não haviam aderido ao Boko Haram.

Agentes de segurança instruíram as moças a não falar sobre o tempo que passaram com os militantes, argumentando que isso poderia colocar em risco a segurança das estudantes ainda prisioneiras. “Esqueçam o passado e pensem no futuro”, lhes foi recomendado.

Durante meses elas tiveram acesso muito restrito a seus pais. Não eram autorizadas a deixar o prédio de seu dormitório. Mesmo hoje, o único contato regular que têm com suas famílias é pelo telefone.

No verão passado, representantes da Universidade Americana da Nigéria foram a Abuja para se reunir com o governo. Em 2014, a universidade na cidade de Yola, recebera cerca de 20 estudantes de Chibok que tinham sido sequestradas pelo Boko Haram, mas conseguiram fugir depois de horas.

Administradores da universidade propuseram ao governo um plano para receber as jovens que acabavam de ser soltas. A ideia era incorporá-las num programa de estudos criado para que pudessem recuperar o tempo perdido, reuni-las com suas antigas colegas que já estavam na universidade e prepará-las para a vida universitária.

Hoje a vida das estudantes de Chibok é altamente programada. Com militantes ainda em liberdade no país, elas são vistas como alvos de alto perfil. E, como figuras públicas, as autoridades receiam que elas sejam vulneráveis à exploração.

“Elas não serão as pessoas normais que eram antes de ser sequestradas”, falou Mahdi, secretária geral da entidade Alternativa de Proteção e Defesa dos Direitos das Mulheres (WRAPA), na Nigéria. “Elas terão um estilo de vida com muitas restrições.”

Em setembro passado mais de cem das estudantes de Chibok chegaram ao campus arrumado, com sebes aparadas, uma biblioteca de três andares e prédios com eletricidade solar. Nem todos reagiram bem à presença de um grupo tão grande de mulheres que haviam passado os últimos anos vivendo com militantes.

Algumas das outras estudantes temiam que o Boko Haram voltasse para tentar raptar as mulheres de Chibok novamente, especialmente em uma universidade que representa o tipo de educação ocidental que o Boko Haram repudia.

Outras receavam que as mulheres pudessem ter se apegado aos seus sequestradores e se tornado terroristas também. Uma estudante disse a autoridades que tinha medo de acordar à noite e descobrir uma das mulheres segurando uma faca contra seu pescoço.

Chegando ao campus, as mulheres foram escoltadas ao restaurante universitário para fazer sua primeira refeição. O grupo atraiu olhares de curiosidade e espanto dos outros estudantes.

“Dava para ver que elas não estavam à vontade”, comentou Reginald Braggs, ex-instrutor de oficiais da reserva da Marinha americana e encarregado do programa criado para as estudantes de Chibok.

As autoridades da universidade obrigam as mulheres a seguir uma programação intensiva, que inclui aulas aos sábados, para não lhes dar tempo de pensar no passado.

“Elas passaram pelo inferno juntas”, comentou Somiari Demm, psicóloga que atende as estudantes, além de lhes dar aulas de ioga e acompanhá-las à igreja. “Elas compartilham uma narrativa extensa que não faz parte da vida de mais ninguém.”

As moças disseram a seus pais que passaram períodos de fome com o Boko Haram. Elas eram obrigadas a cozinhar para os militantes e cuidar da faxina. Algumas foram estupradas. Algumas têm estilhaços de bombas debaixo da pele. Uma delas perdeu parte de uma perna devido aos maus-tratos que sofreu.

Demm disse que algumas das estudantes de Chibok que escaparam inicialmente viajaram aos Estados Unidos, apenas para serem exploradas por pessoas ali. Disseram que elas foram forçadas a repetir muitas vezes o relato sobre a noite quando o Boko Haram foi à sua escola e que seus depoimentos foram usados para pedir donativos para igrejas e outras organizações.

Demm disse que quer empoderar as estudantes às quais está dando assistência para que contem suas próprias histórias, quando estiverem preparadas para isso.

Por enquanto, ela disse, a adaptação mais difícil para elas é o fato de que estão livres, “mas não realmente livres”.

Recentemente, uma delas, Glory Dama, soube que seu pai estava doente e internado num hospital a pouca distância do campus. Ela queria vê-lo, então a universidade se preparou para organizar uma escolta para ela. Mas, antes de isso acontecer, ele recebeu alta e parentes o levaram de volta a Chibok, sem esperar por Dama. Ele morreu no caminho de volta.

Dama ficou arrasada, e, quando a notícia percorreu o grupo, as outras mulheres, também. As atividades delas foram canceladas pelo resto do dia.

As moças, que passam seus dias em salas de aula com ar condicionado e Wi-Fi, sabem que suas circunstâncias atuais são muitíssimo melhores que as da maioria das pessoas que fugiram do Boko Haram ou foram libertadas pelo grupo.

Os militantes decapitaram alguns de seus prisioneiros, obrigaram outros a cometer assassinatos e amarraram coletes de explosivos em mulheres da mesma idade que as estudantes de Chibok. Algumas das prisioneiras do Boko Haram libertadas foram colocadas em quartéis militares durante meses. Outras vivem em acampamentos miseráveis do governo, onde foram estupradas por forças de segurança e passam fome.

Dama quer fazer faculdade, retornar a Chibok e ser enfermeira, para ajudar sua comunidade. Outra das estudantes, Rhoda Peter, quer ser advogada.

“Sei que estou num lugar onde ninguém vai me atacar nem fazer nada de mal a nós”, disse Peter, 22. “Estão aqui para nos ajudar.”

Em fevereiro, o impensável voltou a acontecer, desta vez a 275 km de Chibok.

O Boko Haram invadiu uma escola secundária no vilarejo de Dapchi e saiu com mais de cem meninas adolescentes como reféns.

O país começou a chorar o sequestro de mais um grupo de colegiais. E então, no mês passado, os militantes de repente devolveram a maioria das meninas em segurança, por razões que ainda não estão claras.

O governo nigeriano diz que está negociando a libertação do restante das meninas sequestradas de Dapchi, além das dezenas de estudantes de Chibok ainda no cativeiro.

Grace Hamman, estudante de Chibok que foi libertada pelo Boko Haram no ano passado, disse que enquanto esteve prisioneira ela se consolava por saber que não tinha sido esquecida.

“Ouvi no rádio que as pessoas estavam chorando por nós e estavam preocupadas”, ela recordou. “Agradeço a todos pelo que fizeram por nós.”

Tradução: CLARA ALLAIN

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