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Bielorrussos criam redes voluntárias e pedem apoio internacional

Manifestantes criam 'cidade em miniatura' para atender detidos, call-center para vítimas e campanha pró-professores ameaçados de demissão

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Minsk e Bruxelas

Bastaram três dias para que surgisse uma "cidade em miniatura" ao lado da prisão, com posto médico, escritório legal, equipe de vigilância, cozinha coletiva e almoxarifado.

No começo eram parentes que passavam a madrugada à espera de notícias em frente ao centro de detenção de Akrestina, para onde foram levados muitos dos 7.000 bielorrussos presos após a contestada reeleição do ditador Aleksandr Lukachenko.

Moradores da vizinhança começaram a levar comida, água, cobertores, cadeiras. Em seguida apareceram médicos, advogados, psicólogos, donas de casa e ativistas, todos voluntários, para atender primeiro os parentes e, depois, os libertados.

Parente abraça manifestante liberado após prisão no centro de detenção de Akrestina, em Minsk - Sergei Gapon - 14.ago.2020/AFP

Acampamentos semelhantes surgiram espontaneamente em outras prisões, de onde foram sendo liberados a conta-gotas homens e mulheres que relataram dias de fome, sede, frio e surras. Não houve cuidados médicos, e eles foram forçados a assinar confissões sem ler.

“Não tínhamos ideia do que estava acontecendo no país. Quando saímos e vimos o acampamento com tanta gente para nos receber, levando comida, remédio, apoio, começamos a chorar”, disse à Folha o empresário Evgueni, 34, um dos que foram espancados e presos (apenas os primeiros nomes são usados, para proteção dos entrevistados).

Para bielorrussos ouvidos pela Folha em viagem ao país de 15 a 20 de agosto, a falta de liberdade para atuação política foi, paradoxalmente, o que propiciou uma mobilização extensa da sociedade nas últimas semanas.

Impedidos por Lukachenko, no poder há 26 anos, de se manifestar livremente ou organizar partidos, os cidadãos interessados em atuar se dedicaram a organizações civis.

Para diretores e membros desses grupos, a conexão criada para o trabalho social permitiu organizar rapidamente serviços de apoio a grevistas, presos e feridos e a manter a mobilização nas ruas.

Ao lado de uma bandeira branca e vermelha gigante que levou para um protesto no dia 16, Tatsiana, 55, conta que começou a percorrer hospitais na noite de 9 de agosto, primeiro dia de protestos e repressão.

Em uma semana, a diretora da organização de direitos humanos Zvyano.by havia documentado 30 casos de tortura e 150 hospitalizados.

Sete dias depois, já são 450 os relatos de tortura, confirmados por fotos e vídeos, segundo a entidade de direitos humanos Viasna, que coordena a documentação em parceria com a Organização Mundial Contra a Tortura.

Nenhum processo para investigar responsabilidades pelos abusos foi aberto até esta terça (25), segundo a Viasna.

No Golfminsk, único campo de golfe do país, sócios se ofereceram para cuidar da saúde e de pedidos de reparação do jardineiro Sasha, 36, torturado durante mais de cinco dias na prisão e condenado a 15 dias de detenção em julgamento que durou três minutos.

Além dos problemas legais e de saúde, os presos recebem ainda em casa uma fatura do governo, cobrando pela comida e outros serviços supostamente recebidos durante a detenção. Para ajudar com os custos, foi convocado um torneio especial no clube de golfe.

Recém-formada, Irina, 25, aderiu ao Fundo de Solidariedade, que arrecada recursos para operários demitidos por participarem de greves. Até o dia 19, as doações superavam US$ 1 milhão (R$ 5,6 milhões).

Marina, 55, Irena, 50, Galina, 56, e Irina, 58, mobilizaram outras mulheres do bairro para formarem nas calçadas as correntes de solidariedade, protesto pacífico em que bielorrussos, geralmente de branco e com flores nas mãos, pedem o fim da violência e novas eleições.

Docentes, que nesta segunda (24) foram ameaçados de demissão por Lukachenko se não declararem lealdade ao ditador da Belarus, lançaram uma campanha pedindo apoio internacional.

O ditador afirmou que só serão mantidos nas escolas professores que subscreverem “a ideologia do poder e seus princípios”.

Além dos docentes, a iniciativa Professores Honestos, que tem 2.725 membros, quer apoiar também operários em greve, médicos e policiais que condenaram a repressão e acabaram presos ou processados.

A entidade pede que profissionais de vários países gravem e publiquem no YouTube vídeos, de preferência em inglês, com as hashtags #Belarus, #FreeBelarus, #BelarusSolidarity, #WithBelarus e #BelarusProtest.

“Queremos transparência, liberdade de expressão, diálogo e respeito”, afirma Natalia, líder da Professores Honestos, ao lado de Helena e Tamara. “O apoio internacional nos ajuda a resistir à pressão do governo”, diz Kate, uma das coordenadoras da campanha.

Cientistas, que têm feito manifestações diárias em frente à Academia de Ciências de Belarus, no centro de Minsk, também fizeram nesta terça (25) um apelo por apoio internacional.

O governo anunciou que todos os funcionários da academia, de faxineiros a pesquisadores, serão submetidos a uma “recertificação” e ameaçou corte de verbas da instituição.

Com um número tão grande de vítimas de diversos tipos, de um lado, e voluntários dispostos a ajudar em setores e locais específicos, de outro, a executiva Irina resolveu usar sua experiência de gestão para unir as duas pontas.

Com a ajuda de amigos, criou um call-center que funciona 24 horas por dia e o site probono.by, que conecta quem precisa de ajuda com que está disposto a dá-la.

Nos primeiros seis dias, cadastrou 650 voluntários e recebeu 600 contatos de vítimas. Mais de 100 casos jurídicos foram atendidos, e número semelhante de consultas médicas.

Uma das principais demandas foi por psicólogos, e entre os que procuram essa ajuda há muitos policiais, diz Irina. “Eles não têm com quem falar, a não ser conosco. Nossa missão é curar todos os que foram atingidos pela violência, inclusive eles”, afirma.

'Faremos revolução pacífica', diz Tikhanovsakaia a eurodeputados

Em participação remota no comitê de Relações Internacionais do Parlamento Europeu, a principal candidata da oposição bielorrussa, Svetlana Tikhanovskaia, disse que o país vive uma “revolução pacífica”, que não vai recuar apesar da repressão desencadeada pelo ditador Aleksandr Lukachenko.

A principal candidata da oposição bielorrussa, Svetlana Tikhanovskaia, participa remotamente de seção do Comitê de Relações Exteriores do Parlamento Europeu - François Walschaerts/AFP

Segundo ela, já há ao menos seis mortos (são conhecidos os nomes de quatro) desde que começaram protestos por novas eleições, e dezenas estão desaparecidos.

“Isso acontece em plena Europa, da qual Belarus faz parte cultural, histórica e geograficamente”, afirmou Tikhanovskaia aos eurodeputados.

Ela disse não representar mais a oposição, mas “a maioria” dos bielorrussos, que “não tem posição contrária nem favorável à Rússia ou à União Europeia”.

Lukachenko tem afirmado que os protestos em seu país são promovidos por vizinhos “do Ocidente”, dos quais citou a Polônia e a Lituânia. Ele declarou também que a Otan (aliança militar liderada pelos EUA) mobiliza tropas em sua fronteira e pediu ajuda da Rússia.

Tikhanovskaia, que se exilou na Lituânia após a eleição, negou motivação geopolítica e afirmou que as manifestações são “pelo direito de eleger livremente seus líderes”.

Nesta tarde, Olga Kovalkova, ex-assessora de campanha de Tikhanovskaia, foi condenada a dez dias de prisão, por "organizar greves ilegais". Ela foi presa na segunda, quando conversava com trabalhadores na fábrica de tratores MTZ.

​Na mesma sessão do parlamento, a vice-ministra das Relações Exteriores da UE, Helga Schmid, disse que o presidente do Conselho Europeu (que reúne líderes dos 27 países), Charles Michel, tentou contato com Lukachenko, mas não foi atendido.

Segundo ela, sanções contra líderes bielorrussos serão discutidas pela UE na quinta e na sexta, em reunião de ministros em Berlim.


Veja as outras reportagens da série sobre Belarus:

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