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Descrição de chapéu Caixin

Millennials chineses rompem tradição e adotam estilo de vida de solteiros

Jovens se casam cada vez mais tarde e trocam a casa dos pais por apartamentos para um

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Wang Lianzhang
Caixin

No mais badalado restaurante de macarrão de Pequim, a interação humana está fora do menu. No restaurante minimalista, os clientes se sentam em longas mesas de metal, cada um fechado em um cubículo individual. Os funcionários evitam ao máximo o contato com os clientes, empurrando as tigelas fumegantes pelas mesas usando uma placa prateada retrátil.

O restaurante silencioso parece ter sido projetado para a era pós-coronavírus, mas na verdade está explorando uma forma totalmente diferente de distanciamento social: o número cada vez maior de jovens chineses ricos que comem sozinhos.

Fazer uma refeição sem companhia era algo raro na China, onde a comida é tradicionalmente compartilhada por grupos em torno de uma mesa circular. Mas esse comportamento está perdendo força à medida que a geração dos millennials adota o estilo de vida solteiro.

Antes, muitos universitários chineses se estabeleciam logo após a formatura, morando na casa da família até se casarem. Agora, um número cada vez maior deles adia o casamento até os 30 anos e organizam sua vida nas grandes cidades, onde costumam trabalhar em empregos exigentes, que deixam pouco tempo para os contatos sociais.

O número de solteiros na China já ultrapassou 200 milhões, de acordo com dados oficiais divulgados no ano passado. O número total de solteiros que vivem sozinhos deverá alcançar 90 milhões em 2021.

O bar de macarrão 23 Lugares, em Pequim, é um dos muitos negócios que atendem a essa nova "raça de cães solteiros", como se intitulam os jovens chineses em tom de brincadeira.

Sun Yun, 33, sócio da 23 Lugares, diz que sua decoração deliberadamente antissocial foi projetada para atrair pessoas que apenas desejam desfrutar de uma boa refeição sem se sentirem ansiosas pela falta de companhia.

"Poderíamos ter projetado o layout para oferecer lugares para mais clientes, mas afinal decidimos que não", explicou Sun. "Quisemos criar um espaço onde os clientes sozinhos não se sentissem desconfortáveis ao entrar."

O conceito está se popularizando. Haidilao, uma rede líder de cozidos chineses, começou a colocar grandes ursos de pelúcia em cadeiras vazias para fazer companhia aos clientes solitários. Outros restaurantes criaram opções especiais para solteiros, com porções reduzidas.

Desde a inauguração no ano passado no elegante bairro de Sanlitun, no centro de Pequim, o 23 Lugares tem prosperado. Hoje é um dos restaurantes mais bem avaliados da capital chinesa no guia-aplicativo Dianping.

"No momento, metade dos nossos clientes vem aqui sozinha, enquanto muitos clientes de grupos voltam mais tarde sozinhos", disse Sun. "Vai demorar para que a maioria dos chineses aceite a ideia de comer sem companhia."

A revolução dos restaurantes individuais também está se espalhando online. Du Yusang faz parte de um número crescente de estrelas das redes sociais que compartilharam vídeos fazendo refeições sozinhas na popular plataforma de streaming Bilibili.

Todo fim de semana, a cozinheira de 23 anos prepara fartas refeições para si mesma e publica os resultados para seus 68 mil seguidores. Para ela, os vídeos são uma forma de ajudar seus fãs a entender que é possível viver bem sozinhos.

"Encontrei alguns vídeos de 'jantar solo' quando estava passando por um período muito ruim no meu último ano na universidade, e esses vídeos me curaram: mesmo quando você mora sozinha, pode ter uma ótima vida fazendo refeições decentes", disse Du. "Agora quero transmitir essa mensagem."

Além de se filmar comendo porções saborosas de lamen japonês ou bibimbap coreano, Du compartilha vídeos pintando, lendo e assistindo TV sozinha. Desde janeiro de 2019, produziu cerca de 50 vídeos, e o mais popular superou 120 mil visualizações e comentários.

O conteúdo é dirigido principalmente a jovens que moram sozinhos ou estão prestes a se mudar para seus próprios apartamentos. De acordo com Du, metade de seus fãs tem entre 17 e 25 anos, e eles regularmente lhe mandam mensagens pedindo conselhos sobre como viver sós.

"Alguns alunos dizem que desejam ter uma vida solo pacífica após a formatura", disse Du. "Outros me pedem links para comprar utensílios de cozinha básicos."

A cozinha de Du é totalmente equipada com artigos projetados para preparar porções individuais, incluindo frigideira, panela a vapor, forno, panela de arroz, máquina de leite de soja e até um conjunto para cozidos, tudo em tamanho pequeno. De acordo com a blogueira, muitas empresas estão lançando novas coleções de equipamentos para uso individual.

A fabricante chinesa de eletrodomésticos Little Bears é uma das marcas que está explorando esse novo mercado. De acordo com Deng Caike, diretor do centro de pesquisa e desenvolvimento da empresa, a metade de suas 40 categorias de produtos já incluem opções especiais para solteiros.

"A 'família' não é a menor unidade para a qual projetamos produtos", disse Deng. "Em vez disso, nossa pesquisa básica é sobre as necessidades dos indivíduos."

A equipe de Deng descobriu que muitas panelas elétricas para arroz convencionais, que em geral preparam até 5 litros, estavam muito além das necessidades dos jovens clientes. Desde então, eles lançaram uma nova com metade da capacidade e uma publicidade especialmente projetada para atrair os consumidores-alvo, explicou Deng.

"Vai parecer mais delicada para uma cozinha menor, e não será difícil para pessoas solteiras fazerem porções de arroz individuais", afirmou. "Esperamos que nossos miniaparelhos possam acompanhar nossos usuários como amigos silenciosos."

A demanda por produtos para refeições individuais parece estar crescendo rapidamente na China.

Segundo dados divulgados pela gigante do comércio eletrônico Alibaba, os consumidores compraram 2,3 milhões de "minieletrodomésticos" durante o festival de compras do Dia dos Solteiros no ano passado. As vendas de garrafas de vinho de 200 mililitros e embalagens de meio quilo de arroz aumentaram 30% neste ano em relação a 2019, nas plataformas do Alibaba.

Yuan Yibo, analista da empresa de investimentos Mude Capital, disse que muitos outros setores também estão se beneficiando do número crescente de jovens que decidem permanecer solteiros. Entregas de comida, aluguéis de imóveis, animais de estimação e jogos estão entre os mais beneficiados, embora seja uma tendência difícil de quantificar, acrescentou ele.

Nos últimos anos, tem havido uma preocupação crescente na China sobre as implicações econômicas da relutância da geração do milênio em se casar. Alguns argumentam que o declínio da taxa de natalidade no país prejudicará seu crescimento em longo prazo, enquanto outros acreditam que os solteiros com baixa renda preferem guardar dinheiro, o que atua como um entrave ao consumo.

As autoridades chinesas lançaram uma série de políticas pró-casamento, incluindo "períodos de reflexão" obrigatórios para casais que querem se divorciar.

Mesmo assim, Yuan afirmou que os jovens solteiros podem na verdade estar dando um impulso muito necessário à economia. Ao contrário dos casais, que muitas vezes economizam para sustentar a família e a educação dos filhos, as pessoas solteiras tendem a gastar à vontade.

"Elas se atrevem a gastar, seja com planejamento ou não", disse Yuan. "Suas despesas aumentam de acordo com as receitas. E quando esperam receber um bônus não têm medo de se exceder nos gastos."
Alguns jovens que optam pela vida solo certamente sentem que estão contribuindo para a economia.

Yitian, 30, mora sozinha em Xangai desde julho. Ela estima que seu novo estilo de vida está custando mais de 6.000 iuanes (R$ 4.740) por mês em despesas adicionais.

"O único defeito de morar sozinha é o gasto extra com aluguel e necessidades diárias", diz Yitian, que não quis dar seu nome completo por questões de privacidade. "Mas vale a pena."

Yitian, que é solteira, morava com os pais, mas decidiu se mudar depois de brigar com eles várias vezes por causa de seu estilo de vida. Embora ela goste de dormir muito e de beber com os amigos até tarde da noite, seus pais querem que ela desacelere e encontre um par.

"Estou totalmente cansada das reclamações deles", disse Yitian. "Agora, ninguém mais vai gritar comigo porque eu volto para casa depois da meia-noite."

De acordo com Yitian, seus pais costumavam ser contra ela morar sozinha, acreditando que fosse muito perigoso. Mas depois de semanas de bloqueio pela Covid-19 no início deste ano, durante as quais a família brigou quase constantemente, eles mudaram de ideia.

"Eles concordaram que não sou mais uma criança e posso ser responsável por minhas próprias decisões, inclusive sobre permanecer solteira e morar sozinha", disse Yitian.

Depois de se mudar para o novo apartamento, Yitian declarou oficialmente sua independência com uma postagem nas redes sociais. "Convide-me para beber —estou sempre disponível agora!", escreveu.

A reação de seus amigos indica o quanto as atitudes sociais mudaram na China. De acordo com Yitian, a maioria deles a parabenizou pela decisão de viver com liberdade. Houve apenas um comentário negativo, de alguém que ela mal conhecia.

"Beber até tarde e morar sozinha? Isso parece o que as garotas más fazem", dizia a resposta ofensiva. Yitian a deletou imediatamente e excluiu o contato.

"Estamos em 2020. É hora de parar com esses estereótipos pejorativos contra as pessoas solteiras", disse ela.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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