Siga a folha

Rússia descarta investigar agora acusação de envenenamento de líder opositor

Merkel pediu apuração após médicos alemães afirmarem que Navalni foi intoxicado

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

São Paulo

O governo russo descartou por ora uma investigação criminal sobre as circunstâncias que levaram o opositor Alexei Navalni a ser internado, naquilo que médicos alemães afirmam ser um caso de envenenamento.

"É preciso uma razão para uma investigação. Você precisa primeiro encontrar uma toxina e estabelecer o que causou essa condição. Até aqui temos um paciente em coma", afirmou nesta terça (25) o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.

Na segunda (24), a própria chanceler alemã, Angela Merkel, havia dito que esperava uma investigação transparente das autoridades russas sobre o episódio.

Policiais fazem a segurança no hospital de Berlim onde Navalni está internado - Michele Tantussi - 24.ago.20/Reuters

Navalni, advogado e blogueiro que ganhou fama ao mobilizar dezenas de milhares de russos para protestar contra a corrupção em 2017 e depois buscou se firmar como opositor do governo de Vladimir Putin, está internado em Berlim.

Ele passou mal em um voo de Tomsk, na Sibéria, a Moscou, na quinta (20), após ter tomado um chá no aeroporto. O avião fez um pouso de emergência em Omsk, onde os médicos descartaram envenenamento.

A declaração levou aliados e a mulher, Iulia Navalnaia, a buscar a remoção do ativista para tratamento na Alemanha no sábado (22). No hospital da Charité, na capital alemã, ficou estabelecido que Navalni estava intoxicado com inibidores de colinesterase.

Trata-se de enzima que regula o sistema nervoso, ao controlar o nível do neurotransmissor acetilcolina. Medicamentos contra demência usam os inibidores da colinesterase para evitar a quebra excessiva da acetilcolina e, assim, manter a transmissão de estímulos elétricos entre neurônios em ordem.

Por outro lado, em doses altas, os inibidores fazem o neurotransmissor subir a níveis excessivos, rompendo a estabilidade do sistema nervoso e podendo levar à morte ou a sequelas. Eles são encontrados em pesticidas e armas químicas —como o agente neurotóxico Novitchok (novato, em russo).

O veneno ganhou fama em 2018, quando foi usado contra o ex-espião russo Serguei Skripal e sua filha, Iulia, que estavam no exílio no Reino Unido e sobreviveram. Londres acusou o Kremlin pelo envenenamento, gerando uma grande crise diplomática.

Pesa contra Moscou um longo histórico de críticos do governo sendo envenenados. Ao menos seis casos de grande repercussão ocorreram nos 20 anos de poder de Putin, além de outros menos notórios no exterior.

Houve também mortes mais objetivas, como os assassinatos a tiros da jornalista Anna Politkovskaia, em 2006, e do político opositor Boris Nemtsov, em 2015. Em todos os casos, o Kremlin nega envolvimento.

Um jornalista questionou Peskov sobre o histórico nesta terça. "Nós não podemos levar essas acusações seriamente. São barulho vazio", disse.

O próprio Navalni havia sofrido um suposto envenenamento enquanto cumpria uma de suas temporadas de 30 dias de prisão por organizar protestos não autorizados, no ano passado.

A família do opositor acusa diretamente o presidente Putin pelo incidente. Aqui a argumentação de lado a lado é mais nuançada do que à primeira vista.

Envenenamentos são tentativas de assassinato complexas, que precisam de planejamento e, usualmente, o emprego de mais de uma pessoa. Não há tantos químicos sofisticados com atribuições de assassinos, pelo que se diz nos meios militares.

A antiga KGB e outros serviços secretos soviéticos, nos quais serviram Putin e Skripal, eram conhecidos por assassinatos desse tipo. Então, a suspeita da execução sempre recai sobre ex-agentes com prática no assunto.

A questão, caso Navalni tenha mesmo sido envenenado, como parece, é a motivação.

Há um ponto em favor de Putin. Não faria sentido o presidente se expor a esse tipo de crítica tão óbvia, em especial porque o barulho que Navalni faz nunca se traduziu em viabilidade eleitoral —o ativista não é unanimidade nem entre opositores do Kremlin que operam no sistema partidário.

A argumentação contraintuitiva sugere que atacá-lo daria um álibi perfeito ao Kremlin. Mas Navalni também incomoda adversários em estratos bem mais baixos na política, com bem menos a perder do que autoridades no topo da cadeia de comando.

Esses chefes locais, por sua vez, têm acesso a antigos membros de serviços de segurança. Segundo a imprensa independente russa, Navalni estava em Tomsk não só ajudando candidatos oposicionistas a se preparar para o pleito regional de setembro, mas também investigando autoridades do partido governista Rússia Unida.

Sua especialidade é a confecção de dossiês, que publica online com alegações de corrupção. Foi isso que o fez virar figura nacional, a partir de uma apuração sobre os bens do então premiê Dmitri Medvedev.

Há uma terceira linha de raciocínio, que especula algum interesse interno em constranger Putin com o ataque a um rival famoso no Ocidente. Dada a quantidade de vezes que Navalni foi preso e cerceado, ela parece bastante frágil.

Seja qual for a realidade, o Kremlin já está condenado aos olhos ocidentais no episódio, e já se vão alguns anos desde que se importou com isso. O mistério tende a se perpetuar.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas