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Descrição de chapéu The New York Times

Vítima de campanha de difamação no Facebook, monge budista foge do Camboja

Vídeos manipulados fazem acusações sexuais contra Luon Sovath, um dos ativistas mais famosos do país

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Hannah Beech Sun Narin
Bancoc (Tailândia) | The New York Times

Em apenas quatro dias, a reputação de um monge budista que há décadas luta pelos direitos humanos dos cambojanos foi destruída.

Primeiro, vídeos de baixa definição apareceram em uma página falsa do Facebook, alegando que ele havia dormido com três irmãs e a mãe delas. Depois, um conselho religioso controlado pelo governo destituiu o monge por ter violado o preceito budista do celibato.

Temendo a prisão iminente, o monge fugiu do Camboja, rumando para uma vida no exílio, como tantas pessoas que enfrentaram o mais antigo líder governante da Ásia.

O monge Luon Sovath foi vítima de uma campanha de difamação baseada em falsas alegações e contas em redes sociais montadas às pressas, visando desacreditar um crítico declarado das políticas autoritárias do país. Uma investigação do New York Times encontrou evidências de que funcionários do governo estiveram envolvidos na criação e na publicação dos vídeos no Facebook.

Luon Sovath, monge e ativista dos direitos humanos que fugiu do Camboja, em Bancoc - Adam Dean/The New York Times

A queda do monge mostra como governos repressivos podem agir com grande rapidez para pôr seus adversários em desgraça, usando redes sociais e tecnologia para amplificar suas campanhas divisivas.

Sob o premiê Hun Sen, o governo cambojano usou repetidamente publicações falsas ou áudios manipulados no Facebook para difamar e prender políticos, ativistas e defensores dos direitos humanos.

O Facebook tem sido atacado nos Estados Unidos por disseminar discurso de ódio e desinformação. Ele foi criticado por não ter detectado a influência russa nas eleições de 2016, fornecendo uma plataforma para teorias da conspiração e permitindo a proliferação de falsas afirmações sobre o coronavírus.

Mas sua influência é ainda maior em países como o Camboja, onde a plataforma de rede social é a única interface digital para milhões de pessoas. Como as liberdades civis são frequentemente restritas nesses lugares, o Facebook pode ser uma ferramenta poderosa para os autocratas reforçarem seu controle do Estado, mesmo que forneça um espaço raro para a liberdade de expressão e o ativismo.

Durante seu governo de quase 35 anos, Hun Sen —um ex-soldado do genocida Khmer Vermelho e hoje um usuário entusiasmado do Facebook— dizimou a oposição política no Camboja.

Ele se aproximou da China, evitando a ajuda do Ocidente que estava condicionada ao respeito aos direitos humanos. Muitos ativistas renomados e políticos de oposição foram assassinados, e seus casos raramente tiveram investigação adequada.

Conforme os escândalos proliferam na plataforma, o Facebook é criticado por demorar muito para remover contas e páginas problemáticas, muitas das quais falsas. O Facebook levou quase um mês para tirar do ar a página em que os vídeos que difamavam o monge foram divulgados pela primeira vez.

"Como empresa, você pensaria que eles gostariam de ser mais vigilantes e não permitir que a plataforma seja mal utilizada", disse Naly Pilorge, diretora da Liga Cambojana para Promoção e Defesa dos Direitos Humanos. "A reação do Facebook tem sido como gotas de uma torneira, demoradas e pequenas."

Em uma declaração ao New York Times sobre o caso de Luon Sovath, o Facebook disse que montou uma equipe no Camboja para melhor monitorar a situação local.

"Reconhecemos o papel importante que o Facebook desempenha ao permitir a expressão no Camboja", disse a empresa. "Queremos que as pessoas se sintam seguras ao usar nossa plataforma, e é por isso que levamos a sério denúncias de fraude de identidade e outras violações dos padrões da nossa comunidade."

No mês passado, Sovath, que agora está na Suíça depois de receber um visto humanitário, foi acusado à revelia por promotores da província de Siem Reap de estuprar uma das irmãs, o que estimulou as acusações nos vídeos.

As denúncias sexuais contra ele, um dos monges ativistas mais famosos do Camboja, viralizaram. Cópias dos vídeos, que pretendiam mostrar ligações do aplicativo Messenger entre o monge e algumas das mulheres, foram amplamente compartilhadas na rede social.

Ele negou as acusações de estupro, juntamente com as denúncias de que teve relações sexuais com qualquer uma das mulheres.

Pistas nos vídeos descobertas pelo New York Times também enfraquecem as denúncias.

Uma análise encontrou imagens de fração de segundo nas quais informações pessoais de dois funcionários do governo aparecem rapidamente na tela. São funcionários da Unidade de Imprensa e Reação Rápida, um braço de propaganda do gabinete do Camboja.

Os vídeos foram carregados em uma página do Facebook que assumiu a identidade de uma das irmãs, Tim Ratha, que negou a propriedade do perfil e qualquer relação sexual com o monge. A página foi criada no dia em que os vídeos foram postados e usou fotos da conta verdadeira da irmã na plataforma.

Uma conta falsa no Facebook em nome do monge também foi vinculada aos vídeos. Ela também roubou imagens do relato real de Sovath e foi criada um dia antes da publicação dos vídeos.

Embora a página do Facebook tenha sido removida, os vídeos continuam circulando. Os dois funcionários públicos ligados à produção dos vídeos permanecem ativos no Facebook, postando dicas de maquiagem e memes de animais em suas páginas.

"Sabemos que o Facebook ficará do lado de regimes repressivos se seus resultados financeiros forem prejudicados por questões de liberdade de expressão", disse Michael Caster, pesquisador de direitos humanos que estudou o uso da tecnologia em países autoritários.

O Facebook disse que quase triplicou seus moderadores de conteúdo humanos no Camboja, embora não diga quantas pessoas trabalham em khmer, o idioma oficial do país. De janeiro a março, segundo a plataforma, foram retiradas 1,7 bilhão de contas falsas em todo o mundo.

Mas parece que nenhum alarme foi acionado no caso do monge, mesmo que seu destino tenha sido notícia de primeira página na mídia controlada pelo governo. Ao longo dos anos, disse Sovath, ele foi vítima frequente de contas falsas no Facebook criadas em seu nome e denunciadas à empresa.

"Quero dizer ao Facebook que vocês devem ajudar a restaurar e defender os direitos humanos e a democracia no Camboja", declarou ele.

Luon Sovath, 42, foi ordenado monge aos 12 anos. À medida que a repressão aumentava sob Hun Sen, o religioso começou a pregar os direitos humanos em seu templo.

Enquanto políticos e ativistas que se manifestaram contra o governo de Hun Sen foram presos, exilados ou até mortos, Luon Sovath parecia protegido por suas vestes cor-de-laranja.

Mas nas eleições de dois anos atrás, o Partido do Povo Cambojano, no governo, conquistou todas as cadeiras do Parlamento depois que o principal partido de oposição foi dissolvido, e seu líder, preso. A mídia independente foi eliminada.

Sovath disse que sabia estar vivendo na corda bamba. "Eles perseguiram políticos da oposição, ONGs, ativistas de direitos humanos, e agora é a minha vez", afirmou.

Em 30 de maio, quatro vídeos apareceram em uma página do Facebook que havia sido criada no mesmo dia. A página fingia ser de Tim Ratha, uma enfermeira de 30 anos cuja família tem uma casa e uma mercearia em frente ao templo do monge. "Ele é um monge bom e respeitoso", disse Ratha em entrevista.

Pouco depois de os vídeos aparecerem no Facebook, a polícia de Siem Reap exigiu que Ratha se apresentasse à delegacia à noite, disse ela. Ouviu perguntas rápidas e intimidantes, segundo contou: Por que você teria uma relação sexual com um monge —com nada menos que suas irmãs e sua mãe? Qual é a sua senha do Facebook? Este é o seu telefone, não é?

Tim Ratha negou tudo, mesmo com a voz trêmula de medo, como lembrou. "Somos apenas vítimas", disse. "Não fizemos nada de errado."

Os quatro vídeos consistem em imagens difusas de smartphones com o perfil falso do monge no Facebook nas telas. O áudio parece sair dos telefones, como se ele estivesse conversando com as mulheres pelo app Messenger.

As conversas nos vídeos são supostamente entre Luon Sovath e Tim Ratha ou Som Bopha, sua mãe. Há algumas referências sexualmente sugestivas, incluindo um aparte sobre lamber.

O monge e as duas mulheres disseram que parte do áudio é mesmo de conversas telefônicas que mantiveram. Mas, segundo eles, esses bate-papos foram editados de forma enganosa.

A passagem sobre lamber, disse Tim Ratha, referia-se a uma expressão de afeto de seu cachorro. E, segundo os três, em outras partes do áudio, como referências a encontros sexuais específicos, não são eles. "Como uma mãe e suas filhas poderiam fazer uma coisa dessas com o mesmo monge?", disse Som Bopha. "É impossível."

Na Suíça, Sovath disse que está se adaptando à vida no exílio. Suas finas vestes monásticas são suficientes para o verão, mas, quando a neve vier, seu termostato tropical interno terá que se ajustar.

Ele segue a rotina de um monge budista, jejuando depois do meio-dia e meditando.

"Quero ir para casa", disse. "Mas não tive escolha senão fugir do meu país e me tornar um refugiado."

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