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Armênia acusa Turquia de derrubar avião militar a partir do Azerbaijão

Ancara nega episódio, que aumenta risco de embate entre turcos e russos, de lados opostos

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São Paulo

A Armênia acusou a Turquia de derrubar um avião militar seu nesta terça (29), em mais um degrau de escalada regional em torno do conflito na região de Nagorno-Karabakh.

O território é controlado por armênios étnicos dentro do Azerbaijão, que tem apoio de Ancara.

Um soldado armênio étnico de Nagorno-Karabakh atira contra posições azeris - Ministério da Defesa da Armênia/Reuters

Num dia em que os relatos de combates se intensificaram, tanto o presidente azeri, Ilham Aliyev, quando o premiê armênio, Nikol Pashinyan, dissera à TV estatal russa que não aceitam conversar.

Reunido em caráter emergencial, o Conselho de Segurança das Nações Unidas discutiu a crise, se disse preocupado e exortou as partes a se entenderem.

O governo turco, segundo a agência Bloomberg, negou o relato armênio sobre a aeronave. Segundo Ierevan, um avião de ataque ao solo Su-25 estava em patrulha sobre a região de Vardenis, perto da fronteira azeri, quando foi atingido por um míssil disparado por um caça F-16 turco operando no espaço aéreo do Azerbaijão.

O piloto armênio do avião de fabricação soviética, 1 dos 14 do inventário do país, morreu, segundo o Ministério da Defesa.

A acusação somou-se à uma troca incisiva entre Armênia e o Azerbaijão, que também nesta terça indicaram a expansão do conflito iniciado no domingo (27) para além da zona disputada pelos dois países.

Segundo o governo armênio, houve a primeira morte fora da área de Nagorno-Karabakh nesta terça (29), um dia após a escalada no conflito ter levado a sérios choques militares e ter somado talvez 100 mortos.

"As Forças Armadas do Azerbaijão atiraram contra uma base militar em Vardenis e também usaram sua Força Aérea", escreveu no Facebook Shushan Stepanyan, porta-voz do Ministério da Defesa armênio. "Esperem por uma resposta dura", completou.

Imagens de redes sociais replicadas em páginas do governo de Ierevan também mostraram imagens de um ônibus civil que teria sido atingido por um drone azeri em Vardenis, cidade a 20 km da fronteira do Azerbaijão e que fica a cerca de 150 km das áreas disputadas.

Do lado de Baku, o Ministério da Defesa azeri afirmou que também teve seu território atacado, com bombardeios armênios na região de Dashkasan, que fica junto à fronteira próximo a Vardenis.

Já o presidente Aliyev, durante uma cerimônia diplomática relatada pela agência russa Tass, afirmou que "o número de baixas civis está aumentando" desde o domingo.

O número exato de mortos é uma incógnita. A Armênia organizou um pouco suas contas nesta terça e disse que são 84 soldados e 7 civis de Karabakh, além do morto registrado em Vardenis.

Já o Azerbaijão falou em 12 civis mortos, mas não citou as baixas militares. Ambos os lados dizem que são "dezenas" os mortos fardados, mas não há como saber a essa altura.

O mesmo ocorre na descrição da ação militar. Já havia relatos de caças F-16 turcos voando em apoio ao ataque com artilharia contra Vardenis e duas outras vilas da região. As capacidades aéreas do Azerbaijão, assim como da Armênia, são bastante limitadas.

O problema é que a Armênia, ainda que tenha visto derrubado um governo próximo de Moscou em 2018, é muito ligada ao Kremlin. Os russos são seus principais parceiros militares e mantêm uma base com 3.000 soldados, equipados com tanques, em seu território —as Forças Armadas armênias não chegam a 45 mil integrantes.

Mais importante, os 18 caças MiG-29 baseados na base em Gyumri são considerados a principal linha de defesa aérea do país, assim como a presença no local de duas baterias do poderoso sistema antiaéreo S-300. Se os russos usariam tal material contra os turcos, membros da Otan (aliança militar ocidental), é uma questão em aberto.

Isso mostra as implicações possíveis de uma escalada regional, a depender da veracidade das informações veiculadas.

Como manda o clichê, a verdade é sempre a primeira vítima em conflitos militares, mas se o relato dos adversários for real, indica que o risco de o embate evoluir para uma guerra generalizada entre os dois países cresceu.

"O fato é que a escala das agressões supera e muito as usuais escaramuças. Há uso de artilharia, aviação e blindados", disse em artigo Serguei Markedonov, do Centro Carnegie de Moscou.

Ele notou que a última disputa entre os países, em junho, na qual morreram 16 pessoas, também ocorreu fora dos limites de Nargorno-Karabakh, e que a concentração militar azeri desde então foi feita de forma aberta em vários pontos fronteiriços.

O problema é a dificuldade de fazer uma avaliação clara. Mesmo o número de vítimas é altamente incerto neste momento, pois cada lado tende a aumentar a história que conta.

A região de Karabakh é foco de tensão entre os dois países desde os tempos em que ambos eram parte da União Soviética. A distensão que antecedeu o ocaso comunista levou, em 1988, ao início de um movimento de independência total da área.

Habitado por cerca de 140 mil armênios étnicos, o território do tamanho equivalente a duas vezes o do Distrito Federal fica encravado no Azerbaijão —que, por sua vez, possui uma área de maioria azeri separada de suas fronteiras dentro da Armênia.

Entre 1992 e 1994, uma guerra aberta ocorreu, sendo congelada por um cessar-fogo precário. Desde então, a área segue nominalmente autônoma. Sete distritos a seu redor são ocupados militarmente pela Armênia.

O último conflito mais sério ocorreu em 2016, mas analistas como Markedonov já consideram a situação atual pior. Ierevan e Baku decretaram lei marcial e mobilizaram suas forças.

Um motivo é o maior envolvimento das potências estrangeiras com interesses na região, notadamente a Turquia. O presidente Recep Tayyip Erdogan tem dado apoio incondicional aos azeris, e é acusado pela Armênia de fornecer material militar e mercenários aos adversários.

Além de expandir sua influência regional, como já faz na Síria e mesmo na mais distante Líbia, Erdogan quer manter sob controle o fluxo de gás e petróleo do Azerbaijão, por meio de dutos que passam pela Geórgia rumo à Europa por meio da Turquia.

De seu lado, o presidente russo, Vladimir Putin, tem tentado exercer pressão para que os dois lados se acertem, embora haja o risco de um embate por procuração com Erdogan. Os dois líderes, parceiros relutantes, já têm diferenças evidentes em locais como as guerras civis síria e líbia.

Historicamente, a área sempre foi um ponto de atrito entre interesses russos e turcos. Adicionalmente, Ancara não reconhece como genocídio o massacre e a deportação de armênios iniciados em 1915, episódio que opõe os dois países até hoje.

O Irã é outro ator que age na área, mas com interesses internos. Cerca de 20 milhões dos 80 milhões de iranianos são classificados como turcos azeris, e em Baku é comum ver o norte do país dos aiatolás ser chamado de "Azerbaijão do Sul". O próprio líder supremo em Teerã, Ali Khamenei, é um azeri étnico por parte de pai.

Temendo separatismos, e também por sua proximidade com Moscou e rivalidade com a Turquia, Teerã apoia tacitamente Ierevan no conflito, apesar de a Armênia ser um país cristão, e o Azerbaijão, muçulmano xiita como o Irã.

Por fim, tanto Erdogan como Aliyev estão pressionados internamente, por motivos diversos, o que ajuda a elevar a retórica militar-nacionalista.

É nessa colcha de retalhos que a disputa se desenrola, preocupando líderes da Europa com cenas de guerra explícita num território que pertence ao continente.

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