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Lições latinas para as eleições nos EUA

A globalização e o neoliberalismo tiveram custos reais para a qualidade de vida das pessoas

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Todd A. Eisenstadt

Professor de ciência política na América Latina, escreveu seis livros sobre a democratização da América Latina, incluindo sua tese de doutorado, "Courting Democracy in Mexico"

Latinoamérica21

Enquanto os Estados Unidos prosseguem liderando o mundo em coronavírus (com 4% da população total e 22% dos casos), está ficando cada vez mais claro que o presidente Donald Trump poderia aprender muito com várias nações sobre o rastreamento e testes do vírus, ou mesmo incentivar o uso de máscaras e reforçar as descobertas da ciência.

Conforme as eleições se aproximam e o adversário, Joe Biden, assume uma ampla liderança em popularidade, o presidente tem ameaçado não reconhecer os resultados eleitorais.

O republicano Donald Trump, que tenta a reeleição, e o democrata Joe Biden (dir.) no primeiro debate entre os candidatos à Presidência dos EUA - Brian Snyder - 29.set.2020/Reuters

Na verdade, Trump está aprendendo com o manual de jogadas de alguns dos líderes mais notórios da América Latina, mas os líderes que comandaram suas nações como autoritários durante o século 20.

Aqui no século 21, a América Latina se democratizou, deu maior ênfase ao Estado de Direito e –pelo menos em muitos países– procurou reduzir a desigualdade econômica. Há várias lições que os Estados Unidos poderiam aprender com América Latina neste período eleitoral.

Primeiro, se os derrotados eleitorais não saírem, podem ser retirados pelos militares, se necessário. As nações do Cone Sul enfrentaram golpes militares no século 20, mas também experimentaram o apoio militar para garantir que presidentes devidamente eleitos pudessem assumir o cargo.

Nos Estados Unidos, esperamos que o presidente da Suprema Corte, John Roberts, não emposse um perdedor eleitoral como presidente em 20 de janeiro de 2021.

Mas os chefes do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas podem precisar apoiar Biden, se ele vencer, para garantir uma saída pacífica de Trump (e isso pode depender, em parte, dos cargos públicos assumidos por líderes militares passados e atuais, e membros proeminentes do Partido Republicano, de Trump, tais como os do Congresso).

Enquanto muitos observadores latino-americanos nunca imaginaram que o apoio militar aos civis seria tão vital no hemisfério ocidental neste século, eu nunca pensei que isso poderia ser particularmente necessário nos Estados Unidos.

Uma segunda lição da história política latino-americana para os Estados Unidos, extraída de eleições sem integridade como as realizadas no México em 1988 e no Panamá em 1989, é que às vezes as "eleições sujas" devem ser limpadas através dos esforços de ampla mobilização cidadã e do testemunho de líderes nacionais e internacionais.

As leis eleitorais estadunidenses são profundamente defeituosas, especialmente no que diz respeito ao colégio eleitoral, que permite que alguns poucos "estados oscilantes" (os chamamos de "swing states") decidam os resultados. Tanto em 2016 quanto em 2000, o vencedor do voto popular não tomou posse nos Estados Unidos.

Além disso, os bolsos sem fundo de financiamento de campanha –após o caso judicial "Citizens United"– e a permissão de que cada condado tenha sua própria lei eleitoral são tragédias que sacudiriam os democratas latino-americanos.

Teremos que consertar esses problemas após as eleições. Mas, nos dias que a antecedem, talvez tenhamos que usar nossa experiência mobilizadora com Black Lives Matter para organizar panelaços do tipo utilizado no Chile, para chamar a atenção para os ditadores na década de 1980.

Uma terceira lição da história política latino-americana vem dos governos de centro-esquerda do século 21, Rousseff no Brasil, os Kirchners na Argentina e até Correa no Equador e Morales na Bolívia (antes que ele cobiçasse mais termos).

Dilma Rousseff presidiu o Brasil de 2011 a 2016, quando sofreu impeachment - Bruno Santos - 6.mai.2017/Folhapress

A globalização e o neoliberalismo tiveram custos reais para a qualidade de vida das pessoas, e a única maneira de compensar esses custos é torná-las "acionistas" em uma nova economia, mediante a expansão do bem-estar social e dos serviços governamentais.

Nas últimas duas décadas, a desigualdade de renda nos Estados Unidos piorou drasticamente, e agora é a pior (de longe) entre as economias desenvolvidas.

Conforme medido pelo coeficiente de Gini das Nações Unidas, nos últimos anos os Estados Unidos ocuparam a posição de número 51 de 160 em desigualdade, abaixo das potências econômicas da Europa Ocidental e da Ásia, ligeiramente acima da Bolívia (36) e do Peru (39), mas também abaixo da Argentina (53), do Uruguai (63) e de El Salvador (73).

Mais importante ainda, a maioria das nações latino-americanas está em uma trajetória de redução das desigualdades, enquanto os Estados Unidos estão se movendo na direção oposta.

Meu pai me ensinou a nunca usar publicamente o termo "idiota" para descrever alguém, mas ele faleceu antes das "políticas Covid" de Trump.

Mesmo antes da pandemia, começando com a peça central de sua campanha de 2016 para construir um muro com o México, Trump tem insultado pessoas em todo o hemisfério.

Biden inverteria as políticas xenófobas de imigração de Trump e integraria os Estados Unidos de volta ao sistema global em áreas importantes como o comércio e a mitigação da mudança climática.

Talvez o mais importante, ele e Kamala Harris e sua administração teriam a empatia e a curiosidade de olhar para os outros em busca de exemplos.

Para aprender como consertar sistemas eleitorais quebrados e aumentar o bem-estar social, eles não poderiam fazer melhor do que olhar para a América Latina, que tem feito um trabalho plausível para melhorar as eleições e um trabalho razoável para melhorar o bem-estar dos cidadãos.

A tarefa de lutar contra a pobreza está longe de ter terminado na América Latina, mas muitos governos têm dedicado recursos às obras públicas e ao bem-estar dos cidadãos, o que ajuda a melhorar a educação cívica das pessoas, diminui seu interesse pelo clientelismo e as prepara para a participação eleitoral.

Biden é nossa última esperança para abraçar as relações dos EUA com as Américas, após os pesadelos gêmeos da Covid e de Donald Trump, e para transformar nossa câmara polarizada de eco das mídias sociais em uma democracia civil novamente.

Para meus compatriotas gringos, cansados da mudança autoritária nos Estados Unidos, lembrem-se dos cantos de nossos vizinhos latino-americanos em suas duras lutas contra os ditadores mais brutais e opressivos do século passado: o povo unido, jamais será vencido.

www.latinoamerica21.com, um projeto pluralista que dissemina diferentes visões da América Latina.

Tradução de Maria Isabel Santos Lima

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