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Descrição de chapéu Armênia Brics

Putin tenta estabilizar Quirguistão após queda de mais um presidente

Conturbado país na Ásia Central tem importância para a estratégia de defesa da Rússia

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São Paulo

O remoto e isolado Quirguistão viu cair, nesta quinta (15), o terceiro presidente desde 2005. Como nas outras vezes, caberá à Rússia a estabilização do país de 6,5 milhões de pessoas na Ásia Central.

No poder desde 2017, Sooronbai Jeenbekov estava sob intensa pressão por protestos populares desde o dia 4, quando uma eleição parlamentar sofreu diversas acusações de fraude.
Com a estátua do líder soviético Vladimir Lênin ao fundo, quirguizes protestam em favor do novo premiê, Japarov, na capital Bishkek - Maria Godeieva - 14.out.2020/Reuters

Diferentemente do questionamento ao pleito presidencial em outro vizinho importante para Moscou, a Belarus, ali a repressão policial inicial falhou. Centenas ficaram feridos e ao menos uma pessoa morreu na capital, Bishkek.

Houve cenas inusitadas. Uma turba invadiu a cadeia onde o governo deixava preso o antecessor de Sooronbai, Almazbek Atambaiev, e políticos como o ativista nacionalista Sadir Japarov.

Em resposta aos protestos, o gabinete daquela que complacentemente é chamada de única democracia da Ásia Central renunciou. A contragosto de Sooronbai, Japarov assumiu como premiê na quarta (14).

Rapidamente, Japarov aproveitou que o presidente do Parlamento não assumiu a Presidência e reclamou para si os poderes de Sooronbai. Está incerto se ele tentará envernizar o ato com a promessa de novas eleições.

O que parece líquido é o papel do Kremlin. Os protestos de rua não agradam os antigos mestres da região, os russos —que controlaram o Quirguistão a partir do século 19, nos tempos imperiais da dinastia Románov (1613-1917), e que integraram o país à União Soviética (1922-1991).

Assim, o governo de Vladimir Putin começou a estabelecer as regras de transição para estabilizar o país. Sooronbai, que não aparecia em público desde a eleição, recebeu na terça (13) o enviado do Kremlin, o vice-premiê Dmitri Kozak.

"As forças de segurança serão obrigadas a usar armas para proteger a residência presidencial. Eu não quero entrar na história como o presidente que derramou sangue e atirou nos seus cidadãos", afirmou ele em comunicado de renúncia.

Membros muçulmanos da polícia de choque em Bishkek rezam ao lado da residência presidencial - Viacheslav Oseledko/AFP

Também nesta quinta, o site econômico russo RBK afirmou que Moscou congelaria todos os repasses financeiros para os quirguizes até que a situação fosse estabilizada. De 2012 para cá, foram US$ 250 milhões (R$ 1,4 bilhão sem correção no câmbio de hoje) em ajuda, US$ 700 milhões (R$ 3,9 bilhões) em perdão de dívida e US$ 6 bilhões (R$ 33 bilhões) em investimentos russos.

São números relativamente baixos, mas o país é bastante pobre e desigual. Montanhoso e sem rede de transporte interno confiável, ele é dividido em um sul agrário e o norte mais desenvolvido, com indústrias e centros acadêmicos trazidos da Rússia europeia pelos soviéticos após a invasão nazista de 1941.

Cerca de 40% do Produto Interno Bruto se concentra na capital.

O chanceler Serguei Lavrov, por sua vez, conversou com seu colega quirguiz e exortou o país a se estabilizar rapidamente.

Apesar do rótulo democrático, afiliações tribais comandam a política local. Anteriormente, o Kremlin ajudou a derrubar um governo que não lhe agradava, em 2010, por não fechar a base aérea que os Estados Unidos mantinham no território para apoiar suas operações no vizinho Afeganistão.

Agora, o trabalho foi mais de contenção de danos. Os russos mantêm uma base aérea no país desde 2003, o que tornou o Quirguistão um bizarro exemplo de sede de instalações militares de Moscou e de Washington até 2015, quando os americanos enfim foram embora.

Dentro da visão geopolítica, o Quirguistão fornece a chamada profundidade estratégica ante a vizinha China. Isto é, um tampão que separa países potencialmente rivais na economia e no poderio militar.

Aparentemente Putin controlará o problema sem as dificuldades que enfrenta no sul do Cáucaso e na Belarus.

"Bishkek sempre se beneficiou da generosidade russa, então tem pouco motivo para abandonar Moscou pela China, que tem interesse em operações de mineração por lá, pelos EUA ou pela União Europeia", escreveu Ekaterina Zolotova, da consultoria americana Geopolitical Futures.

Em ambos os casos, o motivo de interesse é semelhante, embora mais importante: estabilizar as antigas fronteiras imperiais e soviéticas, além de manter um espaço de influência. O Cáucaso e o Leste Europeu sempre foram as principais portas de entrada de exércitos rivais na Rússia.

No caso da guerra entre armênios e azeris em torno da região de Nagorno-Karabakh, Putin tem Ierevan como aliada e uma grande base militar no país. Mas tenta equilibrar sua mediação com Baku porque também visa enfraquecer a Turquia, que banca a atual aventura militar do Azerbaijão.

O caso é complexo, comparado ao quirguiz, porque há entrechoque direto entre potências regionais rivais, e os turcos são parte da aliança militar ocidental, a Otan.

Isso explica em parte a dificuldade de Moscou em fazer valer o cessar-fogo que mediou no fim de semana na região, que ainda vive combates. Ainda assim, sua posição valeu a Putin um inédito apoio dos EUA e da Europa para tentar solucionar a crise.

Já na Belarus, a crise política deixou o ditador Aleksandr Lukachenko mais vulnerável aos desígnios de Moscou, algo contra o que ele sempre lutou desde que assumiu o poder, há 26 anos.

Os países estreitaram laços militares, mas é fato que rivais do regime na elite do país tenderiam a uma acomodação rápida com o Kremlin —diferentemente da Ucrânia, desde 2014 em colisão com a Rússia, o sentimento contra Moscou não é prevalente.

Com o caso quirguiz encaminhado, ao que tudo indica, agora Putin poderá dedicar tempo para lidar com esses dois outros abacaxis estratégicos.

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