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Eleições EUA 2020

Século 21: Polarização na América

Há uma necessidade urgente de diálogo com aqueles que não conhecemos e pensam como nós

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Ana Carola Traverso-Krejcarek

Socióloga e planejadora urbana. Seu principal tema de estudo tem sido os processos de planejamento urbano e regional boliviano. Ela já trabalhou para organizações públicas, privadas e sem fins lucrativos na América Latina e nos Estados Unidos.

José Orlando Peralta Beltrán

Cientista político da Universidade Autônoma Gabriel René Moreno (UAGRM), em Santa Cruz, Bolívia. Mestre em Administração Pública e Governo Autônomo (Universidad Santiago de Compostela 2009-2010 - Espanha).

Latinoamérica21

A pandemia virou o mundo de cabeça para baixo, abalou as instituições, gerou novos conflitos sociais e aprofundou os já existentes. Vários sistemas políticos nas Américas foram afetados pela polarização social e ideológica, pelo surgimento e fortalecimento de extremos e pela desconfiança em relação às instituições democráticas.

Para piorar a situação, isto foi apimentado por ondas de notícias falsas. Tanto no norte como no sul do continente, a situação tem sido igualmente crítica. Que paralelos podem ser traçados? Há lições a serem aprendidas?

Vejamos o caso dos Estados Unidos. O sucesso de táticas quase guerrilheiras no posicionamento de mensagens, uma vez consideradas periféricas ou extremistas, foi esmagador. Entre eles, pode-se mencionar a utilização de meios de comunicação aparentemente pouco desejáveis pelas novas tecnologias da informação –como o rádio de amplitude modulada (AM)– para a difusão de mensagens ultraconservadoras.

Para citar um exemplo, a pesquisa de Brian Rosenwald, publicada em 2019, explica como a indústria de rádio foi cooptada pela direita radical, expandindo-se de cinquenta e nove para mais de mil rádios desde a década de 1980.

No processo, a retórica ultraconservadora acumulou um poder político inquestionável, convencendo o país a apoiar um candidato adaptado às suas necessidades. Hoje, ela continua demandando ainda mais radicalismo através de sua retórica e poder de penetração nas casas de centenas de milhares de habitantes.

A utilização do rádio para fins políticos em países com alta concentração de população rural não é, portanto, novidade e se reflete tanto nos Estados Unidos quanto em muitos países latino-americanos.

Outro fenômeno a ser observado é o fato de que, em estados como a Flórida, a rejeição e o medo associados à ligação do Partido Democrata com a agenda socialista internacional e os governos autoritários de Cuba, Venezuela e até mesmo Bolívia ou Nicarágua foram profundamente sentidos.

Uma situação semelhante pode ser vista entre os imigrantes de primeira geração em outros estados, movidos à direita, acima de tudo, por seu desejo de mobilidade social e econômica.

Isto demonstra que a propaganda hiper-segmentada, com mensagens dirigidas a públicos com características específicas funciona, porque foi utilizada incessantemente e gerou resultados. E, certamente, o voto de grupos minoritários importantes, como os latinos, não é monolítico; eles não votam em bloco.

Agora vamos olhar para o caso argentino. Os cidadãos "rachados" são um sintoma da polarização no sul do continente, devido à distância ideológica que os caracteriza atualmente: a favor ou contra o kirchnerismo.

Com uma pandemia no horizonte, as decisões políticas do governo de Alberto Fernández estão aprofundando o mal-estar dos dissidentes. Esta é uma situação muito crítica que divide famílias, casais, colegas de trabalho e transcende o plano político. Se considerarmos os efeitos da Covid-19 e a crise econômica, é preocupante notar a polarização em um país cujo centro político é agora quase inexistente.

Agora vamos olhar para o caso da Bolívia. A polarização do país enclausurado é entre aqueles que apoiam o MAS (o partido recém-eleito) e um bloco de oposição heterogêneo. O triunfo eleitoral do MAS marca uma divisão territorial e ideológica que divide o país em dois e evidencia o fracasso da oposição em produzir uma proposta de renovação política.

O retorno do discurso indigenista em um país mestiço (segundo os resultados do censo de 2012) constitui o novo momento político que não será isento de tensões profundas não resolvidas.

Neste cenário de polarização, mudança e incerteza, muitos sucumbem. O discernimento entre fatos e ideias bizarras, tais como teorias conspiratórias ou não científicas, torna-se uma tarefa difícil. E como se isso não fosse suficiente, um dos exemplos mais preocupantes no hemisfério norte, a teoria da conspiração de QAnon agora tem simpatizantes entre os candidatos recém-eleitos.

Mulher segura cartaz com a frase 'nós somos Q', em referência ao grupo cospiracionista QAnon, em evento de Donald Trump na Pensilvânia - Jeff Swensen - 22.set.20/Getty Images/AFP

O ódio fomentado pelas notícias falsas é provavelmente um dos paralelos que têm atormentado os processos eleitorais nos Estados Unidos e em outros países. É agravada pela desconfiança de seus tribunais eleitorais promovida por forças políticas de extrema direita. Em síntese, um dos efeitos tóxicos da polarização é a desconstrução das instituições democráticas e o questionamento da razão e da ciência.

A pandemia marcou um antes e um depois em nosso modo de vida, nas relações sociais e no trabalho. Hoje, esta crise sanitária nos encontra no meio do que esperamos que seja uma mudança de paradigma impulsionada pela mudança política norte-americana.

A lição que processo eleitoral americana nos deixa é a convicção de que as feridas profundas abertas geradas pelo discurso permanente de Trump levarão anos para sarar.

Vale ressaltar a necessidade urgente de construir pontes de comunicação e diálogo que nos levem a conhecer, conversar e compartilhar opiniões de forma construtiva com aqueles que não conhecemos e pensam como nós.

Se no passado se acreditava que as redes sociais ajudariam a quebrar as fronteiras físicas entre as pessoas, hoje sabemos que o modelo de negócios dessas redes é baseado na hiper-realidade, adaptada ao usuário, isolando-o ainda mais do resto de sua comunidade e fortalecendo certas crenças e preconceitos.

Esperamos, para o bem da humanidade, que uma das habilidades amplamente capitalizadas pelo presidente eleito Joe Biden –a empatia e a capacidade de negociar com o partido de oposição– tenha um efeito multiplicador na tarefa titânica de redefinir nosso exercício democrático de todos os dias.

Se de algo serviu permanecer no escuro na primeira semana de novembro esperando para ver o que aconteceria nos Estados Unidos, foi para reacender a esperança e a sensação de que uma nova e melhor versão da sociedade é possível.

A polarização no Norte e Sul da América marcará a segunda década do século 21, dados os efeitos do ódio ao diferente e a corrosão política produzida pela desconfiança em relação às instituições democráticas. A corresponsabilidade entre aqueles que governam e aqueles que são governados para superá-la é, sem dúvida, um desafio para os países do novo mundo no início deste quinquênio.

Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima

www.latinoamerica21.com, um projeto pluralista que dissemina conteúdos produzidos por especialistas na América Latina.

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