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Anna Veronica Mautner: Mediterrâneo, nosso ovo de Páscoa

A cultura ocidental se irradia a partir do 'Mare Nostro', essa magnífica bacia mediterrânea que propiciou tantas trocas de lendas

Pessoa assiste ao nascer do sol no mar Mediterrâneo, na região de Valência (Espanha) - Guo Qiuda - 19.mar.18/Xinhua

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Tempo de Páscoa. Tempo em que tristeza e alegria se misturam. É também a semana em que teriam ocorrido ao mesmo tempo morte e ressurreição. Mas por que será e como será que surgiu essa transformação em festa do ovo de Páscoa?

O ovo existe antes da vida e, portanto, antes da chegada das mortes. Ovo é vida. Presenteamos com ovos e logo depois choramos por morte na cruz. Tudo de Sexta-Feira Santa ao Domingo de Páscoa.

Bons e maus podem ser igualmente crucificados. Ser crucificado é ficar paralisado. Cruz é uma "ode" à impotência. Paralisamos os sofredores, bons e maus nessa tríplice crucificação.

Como é que o ovo de Páscoa entra nesse evento que ocorre bem na primavera no hemisfério norte?
Curiosamente, é quando o menino Jesus teria sido concebido, para ter nascido no mês de dezembro, e também a época do ano em que foi crucificado.

Existe uma diferença entre vários seres vivos quanto à formação da vida. As aves chocam os seus ovos. Os répteis protegem os ovos em lugares seguros. A força dos mamíferos reside em manter no ventre o óvulo amadurecendo.

Tudo depende de quanto tempo o óvulo leva para amadurecer. A ave nasce quase pronta, o réptil demanda um pouco mais de cuidado no seu amadurecimento.

Os mamíferos nascem prontos, porém incapazes. A capacidade de existir dos mamíferos demora meses para aparecer.

São histórias de nascimento, cada uma bonita a seu modo. O que existe de importante é a comemoração da Páscoa no começo da primavera. Em torno desse fato, temos muitas lendas.

A cultura ocidental irradia-se a partir do "Mare Nostro", essa magnífica bacia mediterrânea que propiciou tantas trocas de lendas e também estabelecimento de uma cultura que hoje já se faz milenar entre o Egito, Roma e Império Otomano. Tudo isso nas margens do Mediterrâneo. Nasce no Mediterrâneo o culto do pensamento, das ideias, dos mitos. Portanto, uma boa parte da mística do planeta.

Tudo começa com um ovo que contém a vida do futuro ser. Hoje sabemos decifrar os genes que compõem o futuro desse ser.

A vida começa indefectivelmente num ovo, um óvulo que contém todo um futuro. Não é por acaso que a Páscoa coincide com a primavera, quando de fato começa o ano que está chegando.

Por motivos que os historiadores devem conhecer, o começo do ano é em janeiro, que ainda é inverno e não é o princípio de qualquer novo ano. Por que janeiro? Por que o ano não começa na Páscoa?

É uma questão que eu nunca soube responder, provavelmente é muita falta de cultura geral. Mas tudo começou em partes de um ovo (o Mediterrâneo parece um ovo). No ovo que é o Mediterrâneo, que permitiu a ligação entre tantos povos, nasceu aquilo de que mais nos orgulhamos: a cultura ocidental.

O judaísmo. O cristianismo. Claro que existe também a China. Claro que existe também a Índia. Ambos, já neste milênio, bastante influenciados pelo ovo do Mediterrâneo. Eis o nosso ovo da Páscoa. Nosso ovo da primavera. A cultura oriental é riquíssima, ninguém põe em dúvida, mas seu conteúdo não se espalha como o ovo de Páscoa do nosso Mediterrâneo.

Anna Veronica Mautner

Psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)

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