Usuários e traficantes

Guerra às drogas ganha no Brasil camada de ineficiência por privilegiar prisão de jovens com pequenas quantias

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Após analisar 202 mil registros policiais ligados a drogas no estado de São Paulo entre 2015 e 2017, o Instituto Sou da Paz deu números a uma realidade já bem conhecida: as apreensões de substâncias proibidas, em particular de maconha, traduzem uma linha dura com pequenos portadores que proporciona escasso impacto social.

Há uma tendência a enquadrá-los como traficantes, acarretando condenações a penas de prisão em regime fechado que só fornecem matéria-prima para as fábricas de soldados de organizações criminosas em que se transformaram as penitenciárias brasileiras.

Polícia faz operação contra tráfico de drogas na Cracolândia, em São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

O levantamento revelou, conforme noticiado por esta Folha, que metade das ocorrências diz respeito a indivíduos flagrados com até 40 gramas da erva. Essa vem a ser a quantidade máxima para classificar a pessoa como usuária no Uruguai, país na vanguarda das legislações mais permissivas.

Em Portugal, outra nação que vem colhendo bons resultados com leis mais brandas, o limite está em 25 g. Na Colômbia, em 20 g.

No Brasil, a Lei de Drogas, de 2006, embora sem descriminalizar o mero uso delas, avançou ao excluir a prisão das sanções possíveis para o caso. Não fixou, contudo, um limiar quantitativo para distinguir o consumidor do traficante, abrindo margem excessiva de arbítrio para delegados e juízes.

As penas para o crime de tráfico começam em cinco anos de reclusão. Com a aplicação desse enquadramento a um número crescente de pequenos portadores, cai nas estatísticas a proporção dos identificados como usuários --hoje em 20% na capital paulista, por exemplo. E assim se enchem as prisões.

Na outra ponta, mostra-se pouco eficaz o combate aos grandes traficantes. A chamada guerra às drogas, que vem sendo abandonada em vários países por cara e fracassada, ganha aqui uma camada adicional de ineficiência ao privilegiar o encarceramento de jovens portadores de pequenas quantidades.

Se a questão não se resolve pela via da repressão pura, mais produtiva tem se provado a abordagem de saúde pública e de legalização gradual. Os recursos consumidos hoje pelo proibicionismo sem resultados seriam mais bem aplicados em campanhas educativas e de redução de danos.

A transição não será fácil nem simples, tendo em vista a inclinação contrária de parte considerável da população. Por tal razão, esta Folha defende que o processo de liberalização ocorra de maneira paulatina, começando pela maconha, e seja necessariamente submetido a consulta popular.

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