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Rafael Mafei Rabelo Queiroz

STF: miopia e desgoverno

Os erros do tribunal no caso do veto à entrevista com Lula

O ministro Luiz Fux, em sessão do STF - Pedro Ladeira - 28.jun.18/Folhapress

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O pior da semana não serão ilegalidades da decisão do ministro Luiz Fux —que censurou a Folha de S.Paulo—, todas bem expostas por Davi Tangerino neste mesmo jornal. Nem a disputa de decisões monocráticas entre ele e o ministro Lewandowski. O pior será termos de aguentar o STF tentando nos convencer de que sua miopia democrática e seu desgoverno sejam virtudes.

A começar pelo próprio ministro Fux, que sustentará argumentos que não resistem a padrões mínimos de respeito à liberdade de imprensa. Para ele, essa liberdade não é absoluta e pode ser restrita quando puder gerar desinformação em contexto eleitoral.

É autoritário e pueril o argumento de que juízes têm poder para censurar a imprensa com o fim de impedir cidadãos de causarem mal para si, por não saberem se informar sozinhos.

Essa ideia apoia-se em uma falácia: a suposta incapacidade de diferenciarmos entre, de um lado, entrevistas e matérias produzidas por veículos de imprensa profissional e, de outro, peças obscuras de fake news com intento de ludibriar. Fux maneja mal distinções elementares à correta tutela da liberdade de imprensa. Seu argumento é ofensivo ao jornalismo.

Ironicamente, a mesma jornalista cujo trabalho foi impedido por Fux, Mônica Bergamo, foi quem tirou dele a constrangedora explicação para a promessa de “matar no peito” o julgamento do mensalão, feita a José Dirceu, então réu do caso. O ministro deveria ter aprendido ali que a boa entrevistadora conduz, não é conduzida.

O período eleitoral recomenda maior liberdade às informações e opiniões. Limitações por receio de desinformação devem ser tomadas com cuidado, não bastando que se invoque o caráter relativo dos princípios para justificá-las. Panfletos apócrifos com notícias falsas contra candidatos são uma coisa; o reconhecido trabalho da imprensa profissional, outra bem distinta. Essa diferença é hoje apontada como principal antídoto às notícias falsas, mas escapa ao ministro.

A fundamentação da decisão de Fux contém uma armadilha mesmo para quem a defende. Após o primeiro turno, suas razões perderão sentido: já não será razoável supor que alguém poderá ser ludibriado pela imprensa quando forem ampla e oficialmente divulgados os nomes que seguirão em disputa no segundo turno.

Ouviremos também explicações para as (até aqui) obscuras circunstâncias que levaram Fux a julgar o pedido no lugar de Dias Toffoli, juiz natural da matéria por ser o presidente do tribunal. Tal dúvida está na raiz da desconfiança do próprio ministro Lewandowski, que reafirmou sua decisão por não reconhecer autoridade ao ato de Fux.

Toffoli talvez diga que não houve problema em Fux tomar a decisão em seu lugar. Errado: competências legais não são estados de espírito; são deveres de jurisdição impostos a agentes determinados. Se não são absolutas, tampouco são frivolamente manipuláveis.

Qual a justificativa para a ausência do presidente naquele dia? Se sabia de compromisso incompatível com o exercício suas funções jurisdicionais, por que não o informou prévia e motivadamente? É impensável que o exercício dos enormes poderes da presidência do STF padeçam de falta de governança tão primária.

O imbróglio ilumina o caráter manipulável do exercício da jurisdição da presidência no mais alto tribunal brasileiro. É mais um estímulo para que o STF se torne de vez uma corte de dribladores.

Rafael Mafei Rabelo Queiroz

Professor da Faculdade de Direito da USP

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