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Letícia Rangel Tura e Maureen Santos

O verniz do agro

Na COP27, setor se vende como verde, mas está longe de ser sustentável

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Letícia Rangel Tura

Socióloga, é diretora-executiva nacional da ONG FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional)

Maureen Santos

Professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, é internacionalista, ecologista e coordenadora do Grupo Nacional de Assessoria da FASE

O agronegócio brasileiro desembarcou na COP27, a conferência climática da Organização das Nações Unidas (ONU), com a tentativa de emplacar uma narrativa cosmética.

No evento que segue até sexta (18) em Sharm el-Sheikh, no Egito, o agro se apresenta como um sujeito político negociador —e com soluções para a crise climática. Na contramão do discurso, porém, estão os dados: em 2020, as emissões do setor da agropecuária totalizaram 577 milhões de toneladas de CO2 equivalente, um aumento de 2,5% em relação ao ano anterior, maior incremento de um ano para o outro desde 2010, segundo o último relatório do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg) do Observatório do Clima. Essa informação, é claro, não consta do posicionamento que a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) lançou para a conferência.

O documento da CNA reforça o sequestro da pauta ambiental por atores políticos e econômicos vinculados ao agronegócio, uma prática que ganhou ainda mais corpo no governo de Jair Bolsonaro (PL), enquanto projetos de apoio a outras formas de agricultura minguaram. Programas importantes, como a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), criada em 2012 para fomentar práticas que, de fato, voltam-se para a segurança e a soberania alimentar dos brasileiros, praticamente deixaram de existir. Perdeu apoio a agricultura familiar, que garante a maior parte dos alimentos consumidos no país, segundo o IBGE, mas também tem menor impacto ambiental. Por outro lado, ganhou ênfase discursiva o Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono), tão citado no texto da CNA para a COP27.

O Plano ABC fornece crédito subsidiado para práticas de baixo carbono, mas a produção desse tipo ainda ocorre em pequena escala, algo que fica evidente quando se observam os dados recentes de emissão de gases no Brasil que, no ano passado, tiveram sua maior alta em quase duas décadas. Assim, o plano é mais uma linha auxiliar na composição da imagem de um agronegócio que se vende como verde, mas que tem pouca ou nenhuma possibilidade de ser sustentável, já que está baseado numa cadeia global altamente concentrada, que demanda muita terra, muita água, com intenso uso de agrotóxicos e grande impacto socioambiental por conta dos monocultivos, da grilagem e do desmatamento.

A CNA, no entanto, cria um discurso capcioso e ainda tenta alterar alguns termos do Acordo de Paris em seu favor. É o caso do subartigo 6.2 do Acordo de Paris, que permite aos países trocarem entre si os Resultados de Mitigação Internacionalmente Transferidos (ITMOs). No documento, defende não só a inclusão dos créditos de floresta (advindos da redução do desmatamento em escala elevada e que, até então, são permitidos apenas do ponto de vista de pagamento por resultados), mas também dos créditos de descarbonização por biocombustível. Trocando em miúdos, num completo contrassenso, a medida beneficiaria com recursos a soja, principal monocultura brasileira e maior causadora de degradação ambiental no país.

Seja por um ou outro instrumento, ao promover um discurso sobre sua contribuição e seu papel por meio da carta da CNA para a COP27, o agronegócio tenta se legitimar como um sujeito da solução para as mudanças climáticas. Trata-se, porém, de mero verniz para sustentar um processo que, do início ao fim, tem como principal objetivo ser reconhecido como agente que deve ser beneficiado por políticas ambientais —e, sobretudo, por financiamento nacional e internacional.

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