A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, mostrou com a prisão dos amigos do presidente Michel Temer que não está no cargo para agradar quem a escolheu para a função —Temer nomeou-a em junho do ano passado apesar de ela ter sido a segunda mais votada, não a primeira, como é tradição.

É uma guinada e tanto para uma procuradora-geral que parecia ter sido colocada no cargo para conter a Operação Lava Jato, um sonho que atravessa o arco político que vai do PT ao MDB, do PP ao DEM.

Num cargo tão importante quanto o de procurador-geral da República, omissões, adiamentos e discursos dúbios são tão marcantes quanto as ações que seu ocupante decide. 

Os indícios de que Dodge estava lá para abafar as investigações vinham de duas frentes, uma interna da Procuradoria-Geral da República, e outra externa.

A interna era a recusa da procuradora-geral em aceitar delações, a mais devastadora das armas usadas pela Lava Jato. Auxiliares de Dodge disseram não para novas delações da Andrade Gutierrez, Mendes Junior e OAS, entre outras empreiteiras que queriam revelar esquemas de suborno em troca de uma punição mais branda para seus executivos.

Representantes da Camargo Corrêa —que fez um dos primeiros acordos da Lava Jato, em 2015, e estava disposta a complementar as informações sobre pagamento de propina— ouviam evasivas. 

A Camargo Corrêa tem informações, represadas na Operação Castelo de Areia, que atingem tanto o presidente Temer quanto o PSDB paulista. A Andrade Gutierrez queria revelar que pagou propina ao senador Aécio Neves (PSDB-MG) quando ele era governador de Minas Gerais, durante a construção da nova sede do governo, chamada Cidade Administrativa —o que Aécio nega com veemência.

A Mendes Jr., por sua vez, queria contar que pagou pensão para uma ex-namorada do senador Renan Calheiros (MDB-AL), de quem ela tem um filho.

O sinal externo de que Dogde poderia conter o ímpeto da Lava Jato vinha de sua proximidade com o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que se tornou um aliado de Temer. Gilmar foi a segunda pessoa com quem Dodge se encontrou oficialmente pouco antes de assumir o cargo, em setembro do ano passado; o primeiro foi Temer.

O flerte com Gilmar se desfez quando o então diretor da Polícia Federal, Fernando Segovia, disse, em fevereiro deste ano, que o inquérito sobre propina em portos não trazia indícios contra Temer e deveria ser arquivado. Dodge pediu ao STF que proibisse que ele se manifestasse sobre o caso. 

Gilmar saiu em defesa de Temer e do diretor da PF, que acabaria afastado do cargo. Em entrevista à repórter Andrea Sadi, da Globonews, ele disse no final de fevereiro: “Por que a Raquel não faz nada? Estou falando isso [por]que sou amigo dela. Por que ela não faz nada com os outros que vivem falando aí? O Dallagnol está na mídia toda hora”.

Dallagnol é o procurador Deltan Dallagnol, voz onipresente da força-tarefa da Lava Jato de Curitiba.

Foi ao lado de Dallagnol, num evento sobre os quatro anos da Lava Jato, no último dia 16, que Dodge afirmou que não tinha nada contra delações e que iria retomar as negociações que estavam travadas desde que Rodrigo Janot deixou o cargo, em setembro do ano passado.

Ela já havia mostrado que não seria leniente com Temer ao pedir duas medidas duras contra o presidente. A primeira medida foi o pedido que ela apresentou ao Supremo para que Temer continuasse a ser investigado no inquérito, aberto em setembro do ano passado, que apura se empresas do setor portuário pagaram propina em troca de um decreto que estendeu o prazo de concessão no porto de Santos de 25 para 35 anos. O ministro Luís Roberto Barroso autorizou.

A outra medida, ainda mais grave, foi pedir a quebra do sigilo bancário de Temer. Barroso também concordou com esse pedido.

As prisões dos amigos de Temer, pedidas por Dodge, apontam que as tentativas de conter a Lava Jato acabam no ralo e que o presidente terá um final de governo dramático.