Descrição de chapéu Governo Bolsonaro DeltaFolha

Bancadas temáticas têm influência limitada sobre votos de parlamentares

Indicador de coesão expõe possível dificuldade de Bolsonaro para negociar diretamente com essas frentes, e não com os partidos

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Brasília e São Paulo

As bancadas ruralista, evangélica e da bala têm influência limitada sobre os votos dos parlamentares no Congresso. Um levantamento feito pela Folha mostra que o comportamento destas frentes temáticas reflete, na verdade, a posição dos partidos que as integram.

Os dados expõem a dificuldade que Jair Bolsonaro (PSL-RJ) poderá ter para implementar uma articulação com as bancadas setoriais e aprovar seus projetos no Legislativo. O presidente eleito fez campanha prometendo abrir negociação direta com as frentes temáticas para driblar os partidos.

Em votações-chave dos últimos quatro anos na Câmara, porém, as bancadas setoriais votaram menos unidas do que as siglas. No PT e no DEM, a coesão superou os 90%, enquanto a frente evangélica ficou mais dispersa (78%).

Além disso, o índice de votos dados pelas bancadas temáticas é similar a uma projeção feita com base no peso proporcional de cada partido dentro das frentes. Isso significa que a atuação desses grupos é semelhante ao comportamento dos deputados que não fazem parte deles.

De 45 projeções feitas pela reportagem, em apenas 6 casos o alinhamento das bancadas setoriais superou o índice dos partidos em 10% ou mais.

O plano de Bolsonaro era formar uma base governista com as frentes temáticas para enterrar o toma lá dá cá entre o Palácio do Planalto e os partidos. Sua equipe, no entanto, agora reconhece que precisará manter canais de articulação com dirigentes das legendas, que já se reuniram com o presidente eleito.

Líderes do Congresso elencam três explicações para a influência reduzida das bancadas setoriais nas votações: 1) a composição multipartidária desses grupos; 2) a união apenas em torno de interesses específicos; e 3) a falta de mecanismos de disciplina sobre os deputados.

A própria composição das frentes temáticas dificulta articulações políticas envolvendo seus integrantes. As bancadas são instaladas a partir de assinaturas coletadas nos corredores da Câmara, e não há uma atuação formal desses grupos no plenário.

A Frente Parlamentar Evangélica, por exemplo, tem oficialmente 198 deputados signatários, mas seus coordenadores estimam que só 80 participem das discussões. Na lista de criação da bancada, há 20 parlamentares do MDB de Michel Temer e 15 do PSB, que migrou para a oposição.

A falta de coesão faz com que as frentes temáticas sejam, em alguns casos, mais infiéis ao governo do que as próprias bancadas partidárias —particularmente nas matérias econômicas.

Quando a reforma trabalhista foi ao plenário da Câmara, em 2017, as siglas governistas tiveram um índice de adesão de 81% ao projeto, enquanto a frente evangélica teve apenas 63% de votos “sim”.

“Os temas da economia, que serão os grandes enfrentamentos do governo, são muito mais partidários do que assuntos das bancadas”, afirma Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), da frente evangélica.

Segundo líderes desses grupos, as frentes temáticas costumam se dispersar nas votações de projetos que não têm relação com seus interesses diretos. Cada parlamentar vota de acordo com a orientação de seu partido ou alinhado a suas bases eleitorais.

A coesão das bancadas temáticas é maior em alguns projetos ligados a suas pautas específicas. Também na reforma trabalhista, 80% dos votos da bancada do agronegócio foram a favor da flexibilização da lei.
Em 2015, quando a Câmara aprovou a dispensa do símbolo de transgênicos em rótulos de produtos, o índice de união dos ruralistas foi de 87% —superior à projeção proporcional feita com base na votação dos partidos, de 78%.

“Se o governo quiser fazer uma articulação com as frentes temáticas para todos os assuntos, certamente o resultado não será bom”, diz Alceu Moreira (MDB-RS), coordenador da bancada ruralista. “O produtor de soja será obrigado a votar a favor do governo só porque é da frente.”

Há exceções. Na votação da primeira denúncia contra Temer, em agosto de 2017, a bancada agropecuária deu ao presidente 28% mais votos do que o comportamento proporcional dos partidos. Na ocasião, o governo prometeu aliviar mais de R$ 10 bilhões em dívidas de produtores rurais.

Em geral, a dispersão das bancadas temáticas também se deve à falta de mecanismos de recompensa e disciplina. Coordenadores das frentes não têm ascendência sobre seus integrantes, mas os partidos têm ferramentas para premiar fiéis e punir dissidentes. Dirigentes partidários podem controlar a quantidade de dinheiro do fundo eleitoral que será usado na próxima campanha, por exemplo.

“O deputado coloca na balança: ou compra briga com o eleitorado dele, ou se indispõe com o partido na votação”, diz Capitão Augusto (PR-SP), coordenador da bancada da bala. “Ninguém vai votar pela cor dos olhos. Se não tiver seus pleitos atendidos, ninguém vai votar por votar.”

Bruno Boghossian, Daniel Mariani e Fábio Takahashi

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