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Afinado com Bolsonaro, Russomanno agora distorce dados sobre vacina contra Covid-19

Menos de um mês após associar falta de banho a proteção, candidato volta a difundir informações rebatidas por especialistas

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São Paulo

Celso Russomanno (Republicanos), deputado federal e candidato à Prefeitura de São Paulo, questionou, nesta terça-feira (3), as etapas de testes da vacina contra o coronavírus e voltou a ter suas falas rebatidas por especialistas em infectologia.

Em linha com seu padrinho político, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Russomanno colocou em dúvida a segurança da vacina do laboratório chinês Sinovac, que, se for comprovadamente eficaz e sem riscos, será produzida pelo Instituto Butantan em São Paulo.

"A vacina está sendo testada em adultos sãos, nenhum com Covid. Não está sendo testada em crianças, não está sendo testada nos idosos e não está sendo testada nos doentes. São as etapas por onde uma vacina deve passar. Isso não está acontecendo", afirmou Russomanno, em evento da Associação Paulista de Imprensa, segundo o jornal O Estado de S. Paulo.

"Os efeitos colaterais imediatos a gente pode prever, mas os a longo prazo, não. Toda vacina tem que passar por esse processo. Eu quero muito, todos aqui querem uma vacina. Mas se ela é tão boa assim, mas se essa vacina é tão boa assim, vai lá, começa na China, aplicando nas pessoas", concluiu.

Na verdade, a vacina, chamada Coronavac, é também testada na China, onde inclusive foi submetida a idosos e crianças. Segundo o Instituto Butantan, as fases um e dois de testes da vacina, que aconteceram no país, tiveram 50.027 voluntários —422 deles acima de 60 anos e 552 entre 3 e 17 anos.

Segundo dados apresentados em setembro, a vacina se mostrou segura em seu teste da fase três na China. A Sinovac testa seu imunizante em 10 países, e foi aprovada para vacinação emergencial no seu país de origem.

No Brasil, os testes da fase três acontecem em 16 centros com profissionais de saúde acima de 18 anos que estejam trabalhando na linha de frente do combate ao coronavírus.

O Instituto Butantan emitiu nota para rebater as declarações de Russomanno. "Em um momento em que mais de 160 mil brasileiros perderam a vida pelo coronavírus, é fundamental evitar a disseminação inconsequente de teses obscurantistas que podem custar mais vidas", diz.

"A vacina Coronavac, e as vacinas de modo geral, são métodos profiláticos de comprovada eficiência de combate à disseminação de doenças. Vacinas não são utilizadas para tratamento de doenças, como sugerido ignorantemente pelo candidato, mas para evitar que a doença se instale", completa.

Especialistas consultados pela Folha também rebatem a afirmação de que é preciso testar a vacina em quem já contraiu o vírus e explicam por que os testes são feitos primeiramente em adultos sãos.

Segundo Marcio Sommer Bittencourt, médico do Hospital Universitário da USP (Universidade de São Paulo), as pessoas já infectadas não são um grupo ideal para avaliação da eficácia da vacina por já terem tido contato com o vírus.

“A vacina é uma estratégia em que estimulamos o corpo a criar uma resposta imunológica pra evitar que a pessoa pegue uma doença. Então, não faz sentido você testar isso em quem já está com a doença, porque o próprio vírus já desencadeia a resposta autoimune”, afirma.

Os testes em pessoas já infectadas, porém, são admitidos em algumas vacinas em estudo no mundo, segundo a médica Raquel Stucchi, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), porque podem jogar luz sobre as possibilidades de reinfecção.

“A gente tem dúvidas sobre quanto tempo a doença dá proteção e, talvez, as pessoas que adoeceram precisem, sim, tomar a vacina, porque perdem a proteção. E pode ser que a vacina dê uma proteção melhor do que a doença”, afirma ela.

Os médicos explicam ainda que os testes de vacinas começam com uma faixa etária e um perfil de risco mais restrito e, conforme se obtenha sucesso, a testagem é ampliada para outros grupos.

“Inicialmente, os testes das vacinas pegaram pessoas mais saudáveis, em uma faixa etária em que o organismo tem mais condições de reagir a qualquer efeito colateral justamente por isso”, diz Frederico Eckschmidt, psicólogo e epidemiologista pela USP.

Idosos, por exemplo, não têm uma resposta imunológica tão boa, explica Bittencourt. Já no caso das crianças, ele diz que elas não são prioridades nos estudos porque, além de serem um grupo de mais baixo risco, geralmente são menos sintomáticas. Sem a manifestação do quadro, seria necessário uma participação grande de indivíduos, o que tornaria o estudo mais demorado e caro.

Stucchi também afirma que, na fase três de testes, são incluídos grupos com maior risco e que já há resultados positivos de testes em idosos relativos à vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford.

A eficácia da vacina da Sinovac tem sido motivo de disputa entre Bolsonaro, que diz desconfiar da origem chinesa do produto, e o governador João Doria (PSDB), que aposta na produção do imunizante pelo Instituto Butantan.

O pano de fundo do embate é a eleição de 2022. O tucano busca concorrer à Presidência da República e é visto como inimigo por Bolsonaro. Caso a vacina dê certo, será um ativo político do governador.

Russomanno, que como mostrou a Folha tem se aproximado cada vez mais do discurso bolsonarista para tentar estancar sua queda nas pesquisas de intenção de voto, adotou o discurso de desconfiança da vacina para agradar sua base eleitoral. Ele afirmou nesta terça que a população de São Paulo não deve ser cobaia da vacina.

Essa é a segunda fala polêmica do candidato sobre coronavírus. Ele já sugeriu que a falta de banho deixa pessoas em situação de rua mais resistentes à Covid-19.

"Talvez eles sejam mais resistentes que a gente porque eles convivem o tempo todo nas ruas, não têm como tomar banho todo o dia", disse.

Russomanno afirmou que era de se esperar que houvesse mais casos de Covid-19 na periferia e entre moradores de rua, que segundo ele não seguiram o isolamento social.

Segundo dados da Prefeitura de São Paulo, 300 pessoas em situação de rua receberam diagnóstico de Covid-19 e 30 delas morreram pela doença na capital paulista.

Na ocasião, especialistas também afirmaram que a declaração sobre os moradores de rua não tinha nenhum embasamento científico e que a higiene das mãos, assim como o distanciamento social e o uso de máscara, diminui o risco de contaminação pelo coronavírus.

"Quando a gente fala da Covid, ele é [um vírus] todo novo, ninguém tem imunidade. Seja limpo, seja sujo, a hora que essa pessoa for exposta, obviamente, ela vai adoecer e vai ter toda a repercussão da doença", diz Rosana Richtmann, infectologista do Instituto Emílio Ribas.

Stucchi, da SBI, rechaça a politização em torno da vacina. “Se nós tivermos uma vacina segura e eficaz, temos que usá-la sem dúvida, independentemente do seu país de origem.”

“Quem vai liberar a vacina não é o governador e não é o presidente nem candidatos. Quem deve liberar a vacina é nosso órgão regulatório, a Anvisa, que vai liberar a vacina ou as vacinas que se mostrarem seguras e eficazes. O planejamento da vacinação deverá ficar a cargo do Programa Nacional de Imunizações, que tem grande experiência em vacinar milhões de pessoas no Brasil”, completa.

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