Siga a folha

Descrição de chapéu Eleições 2020

Bolsonaro usa tradutores de Libras da Presidência em 'live eleitoral gratuita'

Advogados avaliam que caso reforça suspeita de ilegalidade, mas é preciso investigar porque há brechas na lei

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Brasília

As lives nas quais o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem feito propaganda para diversos candidatos nas eleições municipais tiveram a participação de dois intérpretes de Libras da Presidência da República.

Fabiano Guimarães Rocha e Lucas Moura são assessores da Secretaria de Comunicação Social, e estão alocados, segundo o Portal da Transparência, na Secretaria de Governo da Presidência.

A nomeação deles foi publicada em agosto do ano passado. De acordo com informações do portal do governo, o primeiro tem remuneração bruta de R$ 11.506,59 e o segundo, R$ 9.709.

Os dois são descritos em textos do governo como os intérpretes oficiais de Bolsonaro.

O presidente Bolsonaro faz live no dia 9 de novembro com a candidata à Prefeitura do Recife Patrícia Domingos e intérprete de Libras da Presidência - Reprodução

Guimarães Rocha, por exemplo, apareceu na live da última terça-feira (10) e, no mesmo dia, traduziu o discurso do presidente durante uma solenidade no Palácio do Planalto. No dia 8 do mês passado, o tradutor também apareceu na transmissão ao vivo que Bolsonaro costuma fazer às quintas-feiras.

Já Moura esteve nas transmissões da última segunda (9) e desta quarta-feira (11).

Ex-ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e advogados que preferiram falar sob condição de anonimato afirmam que o caso reforça a suspeita de uso da máquina pública e o caráter institucional das transmissões porque indica que Bolsonaro usou o aparato da comunicação oficial do governo em prol de outros atores políticos.

O ideal, dizem os especialistas, seria abrir uma investigação sobre os episódios.

A lei eleitoral veda ao servidor público, além do uso de bens e imóveis da União em benefício de um candidato, a utilização de materiais e serviços custeados pelo governo e a cessão de servidor público ou empregado da "administração direta ou indireta federal".

Advogados dizem que a participação dos intérpretes nas lives tem "cara e focinho" de ilegalidade, mas é preciso investigar porque a legislação abre brechas.

Uma exceção prevista é se o funcionário não estiver em horário de trabalho e atuando por conta própria. Isso porque o servidor tem o direito de ter atuação política.

Procurada pela Folha, a Presidência da República alegou que ambos os tradutores atuaram de "forma voluntária" na live e não deu informações sobre o horário de trabalho dos servidores até a publicação deste texto.

A advogada Gabriela Rollemberg, secretária-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, defende que o caso seja apurado.

"A primeira questão é saber se estão dentro do horário de expediente ou não e de forma voluntária ou não. Se estiver no horário de expediente, mesmo sendo voluntário, eles estão cometendo a conduta vedada."

O advogado José Eduardo Cardozo, advogado eleitoral e ex-ministro da Justiça de Dilma Rousseff (PT), questiona o argumento de que os intérpretes agiram de forma voluntária.

"É espantosa a coincidência que eles tenham se oferecido voluntariamente para todos esses vídeos, apoiado vários candidatos simultaneamente sem a ordem do superior", diz.

Para o ex-ministro do TSE Luiz Carlos Lopes Madeira, o indício de ilegalidade ocorre já a partir do fato de a propaganda política ser feita de dentro do Palácio da Alvorada.

"O que pode configurar é o abuso do poder político porque nem a Presidência da República nem os funcionários dela podem ser usados em proveito de um candidato ou de um partido", afirma. "Não interessa se é voluntário ou não, interessa usar a coisa pública."

O advogado eleitoral e ex-ministro do TSE Marcelo Ribeiro diz que, se ficar comprovado que eles não trabalharam durante o expediente, trata-se do exercício de liberdade política do funcionário público.

"Veja só, se ele estiver no horário de trabalho dele, esse tradutor, ou se ele tiver sido convocado para fazer isso, aí é problemático. Agora ele pode, se quiser, participar do horário de trabalho que não é dele, dando um apoio."

Reservadamente, advogados também questionam o argumento de que os tradutores foram voluntários. Se ficar comprovada conduta indevida no uso dos tradutores, Bolsonaro poderia responder por improbidade administrativa.

Caso as ações avancem, elas podem gerar a cassação do candidato beneficiado, considerado o cenário mais improvável, ou a imposição de multa a Bolsonaro. A tramitação, porém, começará nas Justiças Eleitorais dos estados e só depois poderá chegar ao TSE .

As lives de Bolsonaro já foram questionadas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro e por candidatos à Prefeitura de São Paulo.

Nesta quarta-feira, a Rede foi ao TCU (Tribunal de Contas da União) para que a corte investigue o uso do Palácio da Alvorada e de funcionários da Presidência nas transmissões.

Em transmissão ao vivo nesta quinta-feira (12), Bolsonaro voltou a realizar o seu "horário eleitoral", fazendo propaganda para alguns candidatos.

O presidente mencionou as ações judiciais contra a prática, mas não entrou no mérito de estar usando imóveis, servidores e equipamentos oficiais.

"Já foi judicializado por deputados e partidos para que eu não tenha meu horário eleitoral gratuito", disse o presidente, que em seguida passou a atacar seus adversários políticos.

"Pessoal, manda o [ex-presidente Luiz Inácio] Lula fazer campanha para os seus candidatos, manda o [governador João] Doria fazer campanha para os seus candidatos. Porque está todo mundo escondidinho agora, não bota a cara", afirmou.

Bolsonaro depois afirmou que "tem obrigação" em falar de política, por conta da sua experiência.

"Agora eu tenho obrigação de falar um pouco de política, tenho uma experiência enorme, tenho 32 anos de vida pública. Procuro dar uma chance para quem eu acho que tem tudo para se eleger e fazer um bom governo", afirmou.

​"Alguns desses 40, 50 podem pisar na bola? Pode. Mas pode ter certeza que a chance vai ser bem menor do que alguns candidatos, não todos, porque temos excelentes candidatos, que ficam vendendo uma imagem de santo pra você", completa.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas