Descrição de chapéu Saiu no NP

Há 50 anos, Meneghetti, 90, era preso ao tentar furtar casa

Desde o início do século 20 no crime, o ladrão foi um dos mais notórios do país

Cena do curta-metragem "Dov'e Meneghetti?" (1989), sobre o famigerado ladrão italiano Gino Amleto Meneghetti, o 'Gato de Telhado'
Cena do curta-metragem 'Dov'e Meneghetti?' (1989), sobre o ladrão italiano Gino Amleto Meneghetti, o 'Gato de Telhado' - Divulgação
Luiz Carlos Ferreira
São Paulo

​​​Em 4 de fevereiro de 1968, o lendário ladrão de joias Gino Amleto Meneghetti, mais conhecido como Gato de Telhado, foi preso em flagrante aos 90 anos. Segundo a polícia, ele tentava assaltar uma casa na rua Primeiro de Janeiro, na Vila Clementino, na zona sul de São Paulo.

A proeza do criminoso só não teve êxito porque os moradores do imóvel notaram um vulto no telhado e logo ligaram para a polícia, que chegou imediatamente ao local.

Apesar da idade e não dispondo da mesma destreza de outras épocas, Meneghetti não hesitou com a chegada dos policiais. Com a experiência de mais de meio século de roubos e fugas, tentou mais uma vez se esgueirar da polícia. Durante um descuido, porém, caiu dentro do banheiro da residência.

Sentindo-se acuado e certo de que a fuga seria frustrada, entregou-se à polícia.

Na delegacia, ao ser interrogado, Meneghetti respondeu que, por não ter o que fazer naquele dia, resolveu "subir em um telhado qualquer para respirar ar puro". Ainda durante o inquérito, argumentou que sua prisão não passava de uma armação da polícia, que o perseguia, segundo ele, por causa de seu extenso histórico criminal.

Mas essa não foi a última investida do veterano gatuno. Conforme o "Notícias Populares" publicou em 15 de junho de 1970, quando a seleção brasileira acabara de se classificar para as semifinais da Copa do Mundo, após a vitória por 4 a 2 sobre o Peru, Meneghetti, com 93 anos, tentou outra empreitada sem sucesso.

O "NP" relatou que "já era madrugada quando o agente Raul Martins de Oliveira Filho, lotado em Itapecerica da Serra, passou pela rua Fradique Coutinho, em Pinheiros, e viu um ladrão com um 'pé de cabra' arrombar a porta de uma residência. Deu voz de prisão e notou que se tratava de um ancião. Estava até disposto a libertá-lo quando reconheceu o velho 'Meneghetti', que, apesar da idade, ainda manuseava a ferramenta com maestria".

O delegado Jacyr Cozadini, então responsável pela ocorrência, apontou o "velho bandido" como incapaz. Mas o tachou de perigoso, pelo extenso histórico de crimes praticados durante décadas no país, e solicitou a um escrivão do 14º Distrito Policial para autuá-lo por tentativa de furto qualificado. Por causa da idade, porém, Meneghetti não foi detido.

Meneghetti é acompanhado por jornalistas e policiais durante prisão em 1954
Meneghetti é acompanhado por jornalistas e policiais durante prisão em 1954 - Acervo UH/Folhapress

UMA VIDA REGADA A PRISÕES E FUGAS

Homem de mais de uma dezena de fugas entre –presídios e perseguições policiais– Meneghetti ficou famoso pela forma espetacular com que executava seus roubos, sempre escapando da polícia com agilidade e desenvoltura impressionantes, pulando muros e tetos. Daí, o apelido Gato de Telhado.

Outras alcunhas também qualificaram o ladrão nas crônicas policiais ao longo de sua trajetória criminal: Homem de Borracha e Homem dos Pés de Mola foram algumas delas. Já os apelidos Ladrão Nobre, Bom Ladrão e Robin Hood do Asfalto vieram pelo fato de Meneghetti não roubar pobres e não usar da violência em seus ataques, conforme ele mesmo dizia. E completava: "Só me interessa roubar dos ricos, e tirar joias, que são bens supérfluos que só servem para alimentar a vaidade".

A CHEGADA NO BRASIL
Gino Amleto Meneghetti nasceu na cidade de Pisa, na Itália, em 1878, segundo o NP. Mas alguns biógrafos afirmam que ele nasceu em 1888. De família pobre, composta de pescadores, fora criado pelos avós num casebre à beira do rio Arno, no interior da Itália.
Meneghetti desembarcou no Brasil em 1913, em Santos. Tinha 35 anos e trazia na bagagem uma longa ficha de delitos, entre fugas e roubos cometidos na França e na Itália, países onde era procurado pelas polícias locais. Passou a morar em São Paulo no ano seguinte.
Em setembro de 1975, o "Notícias Populares" publicou uma série de seis reportagens onde contou com minúcias as peripécias vividas pelo "Rei dos Ladrões". Escrita pelo jornalista Clóvis Teixeira, com depoimentos do próprio Meneghetti, a série relatou a vida do famoso ladrão desde a infância em Pisa –em fins do século 19– até 1926, quando fora acusado de matar o delegado Waldemar Dória, em São Paulo, numa ação que mobilizou toda a polícia da capital na época.
A tragédia ocorreu na rua dos Gusmões, no centro de São Paulo, onde a polícia havia armado um grande cerco para capturar o criminoso. Por esse episódio, ficou 18 anos encarcerado, boa parte deles cumpridos numa solitária. Na prisão, com receio de ser envenenado, lavava toda a comida que recebia. Meneghetti sempre se declarou inocente quanto a morte de Dória.
A liberdade condicional veio em 1944, mas não fez com que Meneghetti abandonasse a marginalidade. Desde então, o bandido seria perseguido e capturado várias vezes pela polícia. Somadas todas as penas, passou cerca de 40 anos dentro de presídios.
Cena do curta-metragem "Dov'e Meneghetti?" (1989), sobre o famigerado ladrão italiano Gino Amleto Meneghetti, o 'Gato de Telhado'
Cena do curta-metragem 'Dov'e Meneghetti?' (1989), sobre o famigerado ladrão Gino Meneghetti, o 'Gato de Telhado' - Divulgação

Ainda sobre o assassinato do delegado Dória, em 1982, o "Notícias Populares", por meio do advogado Milton Bednarski, que possuía o mais completo arquivo de documentos dos grandes crimes que abalaram São Paulo nos séculos 19 e 20, apresentou aos leitores informações detalhadas que, segundo ele, comprovavam a culpa de Meneghetti na morte do delegado Waldemar Dória.

O conjunto de artigos, publicado no "NP" entre os dias 15 de novembro e 2 de dezembro, também ligava o criminoso a outro assassinato, o do vigia João Honorato, no bairro da Bela Vista, na região central de São Paulo --homicídio que também foi negada pelo célebre bandido.

Meneghetti morreu de trombose, aos 98 anos. Sua morte foi noticiada pelo "NP" em 24 de maio de 1976. Seus últimos momentos de vida foram em companhia da família, na casa do filho Luiz Tovani Meneghetti, na Vila Guarani (zona sul).

O desejo de ter o corpo cremado foi atendido pelos familiares. De acordo com o filho Luiz Tovani, o pai sempre manifestou essa vontade quando dizia: "Sou ateu e, quando morrer, não desejo servir de pasto para os vermes".

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