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Legado de Néstor Kirchner ainda define governo argentino, um ano após sua morte
MÁRCIA CARMO
DE BUENOS AIRES, PARA A BBC BRASIL
Um ano após sua morte, o legado do ex-presidente Néstor Kirchner ainda influencia a política, a economia e a forma como o governo na Argentina lida com questões sociais.
Sua herança foi "decisiva" para a reeleição, domingo (23), da sua viúva e sucessora, Cristina Kirchner, segundo políticos e analistas argentinos.
O ex-presidente, que governou o país entre 2003 e 2007, morreu subitamente no dia 27 de outubro de 2010. Ele foi definido por aliados e adversários como um político "onipresente" que costumava tomar sozinho ou com a esposa as decisões em todas as áreas do governo.
Para o líder do governo na Câmara, deputado Agustín Rossi (Frente para a Vitória), "Kirchner devolveu a autoestima dos argentinos".
Até a oposição reconhece a importância e o legado do ex-presidente. "Kirchner recuperou o papel de presidente no país", disse o opositor Mauricio Macri (PRO), prefeito de Buenos Aires.
"LEGADO AMBÍGUO"
Néstor Kirchner assumiu a Presidência em 2003, logo depois da histórica crise de 2001 e 2002, quando cinco presidentes passaram pela Casa Rosada em poucas semanas.
"Kirchner fez uma inteligente construção de governo e esperava que o kirchnerismo ficasse 20 anos na Presidência, numa alternância entre ele e a mulher na cadeira presidencial. Mas ele morreu e a morte foi vista (por seus eleitores) como um gesto magnânimo", disse o sociólogo Ricardo Sidicaro, professor da Universidade de Buenos Aires.
Entrevistados pela BBC Brasil, o cientista político Vicente Palermo, pesquisador do Conselho Nacional de Investigações Cientificas (Conicet), e o economista Orlando Ferreres, da consultoria Ferreres e Associados, disseram que o ex-presidente "deixou marcas profundas", mas um "legado ambíguo" na política e na economia argentina.
"Kirchner foi decisivo para a recuperação do Estado, mas esse projeto político foi autoritário e concentrador tanto de poder político quanto econômico", disse Palermo.
Para ele, o ex-presidente "relançou" a política argentina e criou uma nova etapa para o peronismo (movimento político fundado por Juan Domingo Perón).
Ferreres observou que o ex-presidente governou implementando medidas populares e criando um sistema econômico baseado no aumento do consumo que foi mantido por sua viúva e sucessora, que foi eleita em 2007 e reeleita esta semana.
"A economia registrou forte expansão, mas existiam e existem distorções como a questão da inflação", afirmou.
A oposição diz que o índice oficial de inflação perdeu confiabilidade na era Kirchner, porque o dado teria sido "maquiado" por pressão do governo. Um ex-diretor do Indec (instituto oficial de pesquisas) disse à BBC Brasil que o ex-presidente o telefonava para saber antecipadamente o índice de inflação e "reclamava quando era mais alta do que ele esperava".
"NÉSTOR NÃO MORREU"
A presidente costuma lembrar que ele [Néstor Kirchner] decidiu pagar a divida do país com o FMI e abrir caminho para a reabertura das causas de crimes cometidos na ditadura (1976-1983).
Na sua gestão, o Congresso Nacional aprovou o fim das leis de anistia que estavam em vigor desde 1986 e 1987 no país, o que permitiu que militares acusados de abusos de direitos humanos e tortura fossem levados à Justiça.
A população não esqueceu disso. "Néstor não morreu. Néstor vive", gritaram, nesta quarta-feira, militantes políticos após a condenação de 16 militares por crimes contra a humanidade.
Outra qualidade apontada por analistas --mas que sua sucessora, Cristina, ainda não teria aproveitado-- é o seu empenho em construir relações pessoais e conversar com prefeitos e governadores, sindicalistas e líderes das entidades de direitos humanos.
"Existe um ponto no qual os que estiveram perto de Kirchner concordam: a sua capacidade de trabalho. Mas agora muitas das suas funções ficaram vazias, como a relação com os prefeitos e governadores", escreveu a jornalista do La Nación, Lucrecia Bulrich.
Já com a oposição havia pouco diálogo, pelo menos essa era uma das principais críticas feitas a Kirchner, acusado de concentrar excessivamente o poder e de promover "capitalismo de compadres" - permitindo, por exemplo, que empresas fossem estatizadas sem abertura de licitação.
Setores da imprensa diziam que ele mantinha controle sobre o caixa do governo e que era o "verdadeiro" ministro da Economia.
O crescimento do seu patrimônio pessoal durante sua gestão levanta suspeitas até hoje. Na sua edição desta semana, a revista Notícias publicou reportagem de capa intitulada: "Os negócios que Kirchner deixou e que Cristina quer decifrar", sobre sua contabilidade pessoal.
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