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Ambiência - Ana Carolina Amaral
Ana Carolina Amaral

Ex-ministros pedem que Senado vote 'boiadas' fora do clima eleitoral

Presidente do Senado nega atropelo em matéria ambiental, mas não explica decisões

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São Paulo

Um grupo de nove ex-ministros do Meio Ambiente enviou na noite da segunda-feira (6) uma carta ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), pedindo que projetos de lei sobre licenciamento ambiental, mineração em terras indígenas, agrotóxicos e regularização fundiária sejam deliberados fora do clima eleitoral.

"É fortemente recomendável que as deliberações ocorram com os consensos possíveis fora do clima eleitoral, considerando inclusive as perspectivas futuras de uma nova gestão mais bem alinhada com os compromissos ambientais e climáticos nacionais e internacionais do Brasil", diz a carta assinada por Marina Silva, Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Goldemberg, José Sarney Filho e Rubens Ricupero.

A cobrança acontece após a reportagem da Folha ter mostrado a articulação de Pacheco para aprovar projetos antiambientais sem passar pela Comissão de Meio Ambiente.

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SÃO PAULO, SP, 08.05.2019 - Primeira reunião dos ex-ministros do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, Edson Duarte, Carlos Minc, Rubens Ricupero, José Sarney Filho, Marina Silva e Izabella Teixeira para discutir atual situação da pasta, evento realizado no Instituto de Estudos Avançados da USP, zona oeste da cidade paulista. Na foto, Rubens Ricupero, Marina Silva, Edson Duarte e Carlos Minc durante a coletiva de imprensa. (Foto: Rodrigo Capote/Folhapress) - Folhapress

Os projetos em articulação no Senado tratam sobre registro de novos agrotóxicos, renegociação de dívidas ambientais, anistia a desmatamento, construções em Áreas de Preservação Permanente e ainda a abertura de uma estrada cortando o parque nacional do Iguaçu.

Apelidados de ‘boiadinhas’ por ambientalistas, eles poderiam testar o clima para projetos com repercussões maiores, como os que tratam de licenciamento ambiental e regularização fundiária.

Para os ex-ministros, a articulação é um contrassenso em relação ao compromisso anunciado por Pacheco em março, quando o presidente do Senado se reuniu com o grupo e afirmou que faria um debate amplo sobre as pautas de relevância socioambiental.

Questionado pelo blog, Pacheco não respondeu sobre a decisão de tramitar projetos ligados à pauta ambiental sem passar pela Comissão de Meio Ambiente.

"Reitero que no Senado não haverá atropelo em matéria ambiental ou do agronegócio. Imputar ao Senado algo diferente disso é incabível", ele afirmou através de nota enviada pela assessoria de imprensa.

"Nenhuma matéria foi ou irá direto ao Plenário sem passar por comissões. Está sendo assim com a regularização fundiária e o licenciamento ambiental, há tempos sendo discutidos nas comissões.Se outros projetos correlatos precisarem de audiência pública, passar por mais comissões, serem deliberados no plenário, assim poderá ser feito, analisando caso a caso", acrescenta.


Leia abaixo a íntegra da carta dos ex-ministros do Meio Ambiente ao presidente do Senado

Exmo. Senhor Senador Rodrigo Pacheco
Presidente do Senado Brasileiro

Agradecemos a atenção e o interesse dispensado por V. Exa. no diálogo com o Fórum de Ex-ministros de Meio Ambiente para tratar dos principais temas críticos em exame por esta casa legislativa em matéria de agenda climática e direitos socioambientais.

Como é de seu conhecimento, este Fórum tem se debruçado sobre as questões que afetam o direito constitucional do povo brasileiro ao meio ambiente equilibrado e saudável e, como expressado em audiência com V. Exa. no final de março, atualmente nos preocupam em particular os PLs dos Agrotóxicos, de Regularização Fundiária, de Licenciamento Ambiental e de Mineração em Terras Indígenas.

Como V. Exa. demonstrou concordar na audiência supra referida, são temas de extrema relevância e sensibilidade para o futuro do Brasil e o realinhamento estratégico do nosso desenvolvimento para com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e os compromissos internacionais de Clima e de Biodiversidade, gestados e por nós assumidos aqui em nosso território em 1992, na Cúpula de Meio Ambiente, no
Rio de Janeiro.

O momento político do País é crítico e a violência tem se banalizado, seja ela contra Povos Indígenas e seus territórios ou contra lideranças do campo e defensores da floresta, com um aumento de 75% no número de assassinatos de agricultores familiares, indígenas e quilombolas em conflitos no campo no último ano.

Em paralelo, assistimos a um aumento constante do desmatamento e a apropriação de terras públicas e seus recursos naturais, facilitados pelo enfraquecimento da atuação dos órgãos de defesa e fiscalização ambientais. Os dados são públicos e sabemos serem de seu conhecimento, por isso não nos alongaremos expondo-os aqui.

Muito nos preocupa a intensificação da polarização no campo político às vésperas de uma eleição decisiva para o País, na qual os temas socioambientais aqui tratados serão utilizados para intensificar divisões e insuflar ainda mais a violência, o que pode ocorrer inclusive durante os debates e deliberações das duas casas (Senado e Câmara), influenciados por interesses eleitorais conjunturais.

Em nossa análise, consideramos também estar o Supremo Tribunal Federal debruçado sobre sete ações de controle de constitucionalidade (por ação, omissão e descumprimento de preceitos fundamentais) que abordam flagrantes omissões e flexibilizações operadas por este governo. Esses julgamentos têm impactos diretos em
questões sob exame do Senado, como as referentes ao controle de desmatamentos, controle fundiário em áreas protegidas, licenciamento ambiental e outros instrumentos da política ambiental.

Tais decisões, a serem tomadas no curto prazo, possuem repercussão geral em todo território nacional inclusive sobre os demais poderes da República, dentre eles o legislativo federal. Por exemplo, a decisão, por 10 x 0, na ADI 6808, em 28 de abril, declarou inconstitucional a emissão de licenças ambientais de forma automática e sem vistorias, mesmo em atividades e empreendimentos de pequeno e médio impacto, tema central nos debates relativos ao PL 2.159/21 sob a relatoria da Senadora Kátia Abreu.

Por fim, é preciso medir e considerar o alto risco de que aprimoramentos necessários feitos pelo Senado aos Projetos de Leis em tela, em face da forte sintonia política entre as Presidências da Câmara e da República nas pautas anti-ambientais, poderão ser derrubados sem qualquer debate ou consideração, em uma única votação em Plenário, ao apagar das luzes desta 56a legislatura e deste governo, com consequências desastrosas não somente para o meio ambiente, mas também para a combalida economia do país.

V. Exa. tem recebido em audiência em seu gabinete além de artistas representações de embaixadores preocupados com as possíveis consequências da aprovação do pacote anti-ambiental sobre acordos e pautas internacionais importantes como a participação do Brasil na OCDE, ou a celebração do acordo União Europeia com o Mercosul, pendente de ratificação por Países que já demonstraram forte preocupação com a agenda ambiental e climática.

A Comunidade Europeia concluiu recentemente consulta para aprovação de uma resolução que criará barreiras para produtos importados que possam ter relação com desmatamentos em florestas tropicais pós 2020, e debate a criação de taxa de carbono sobre produtos importados de Países e setores que não cumprem metas de redução de emissões de gases de efeito estufa.

Na conjuntura acima descrita e posta a complexidade e os riscos envolvidos em uma aprovação açodada deste conjunto de propostas, propomos a V. Exa. cautela máxima em relação à dinâmica de debates e aprovação destes Projetos de Lei.

É fortemente recomendável que: (1) as discussões e negociações em torno dessa sensível pauta ocorram ordinariamente no âmbito das comissões temáticas, sem qualquer açodamento e com amplo debate com os atores sociais envolvidos, o que ainda não aconteceu, nem mesmo as audiências públicas comprometidas por V. Exa. ocorreram com base nos relatórios; e que: (2) as deliberações ocorram com os consensos possíveis fora do clima eleitoral considerando inclusive as perspectivas futuras de uma nova gestão mais bem alinhada com os compromissos ambientais e climáticos nacionais e internacionais do Brasil.

Agrava a situação aqui abordada, em contrassenso com o compromisso de V. Exa. de ampliar e garantir um debate republicano sobre projetos de relevância socioambiental, a decisão de tramitação terminativa apenas na Comissão de Agricultura (CRA) de dois Projetos de Lei (PL) que inserem novos retrocessos à Lei Florestal, a saber: (i) PL nº 2.374/2020, que prevê nova anistia a desmatamentos realizados em Reserva Legal entre os anos de 2008 e 2012; e (ii) PL nº 1.282/2019, que permite intervenção em Áreas de Preservação Permanente para o barramento voltado à irrigação, o qual coloca em risco os recursos hídricos brasileiros. Da mesma forma chamou-nos a atenção e preocupa-nos sobremaneira o mais recente andamento relativo ao PL dos Agrotóxicos (PL 1.459 de 2022), onde o último despacho indica que tramitará apenas na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, contrariando o entendimento havido com V. Exa. em nosso último encontro.

O Senado, composto em sua absoluta maioria, como V. Exa., por políticos de grande envergadura, experientes e que não representam apenas um ou outro setor econômico isolados, pode e deve demonstrar que nossa Democracia é forte, responsável, resistente e resiliente e que fará o possível para recolocar o Brasil na sua
trajetória histórica rumo ao desenvolvimento socialmente justo, economicamente viável, ambientalmente equilibrado e de baixas emissões de carbono.

Seguimos comprometidos com o exame detido das matérias em apreço para, no momento oportuno e de forma republicana, independente, pública e transparente, nos manifestarmos em relação aos relatórios que vierem a ser oferecidos por seus respectivos relatores nas comissões temáticas de meio ambiente, agricultura e
Constituição e justiça.

Atenciosamente,

Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Goldemberg, José Sarney Filho, Marina Silva,Rubens Ricupero

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