Há dois aspectos que tocam diretamente as questões que envolvem as pessoas com deficiência e os cenários de guerra: o primeiro, é que, dificilmente, quem não anda, não vê, não ouve ou é meio lelé das ideias vai conseguir se proteger adequadamente, correr de uma situação de extrema opressão bélica, o segundo é quantidade gigantesca de novos "militantes" da causa gerada pelos conflitos armados ao redor do mundo.
Nas duas dolorosas frentes, existe uma realidade que se apresenta de forma luminosa e angustiante como a explosão de uma bomba que é o silêncio estatístico e informativo em relação a esses grupos durante e após os confrontos.
Relatos do jornalista Alexandre Ventura, do Estadão, colhidos com ativistas de dentro do inferno, dão conta de um sofrimento sem tamanho e de um abandono em massa de ucranianos com as mais diversas deficiências, somados a grupos de idosos com mobilidade restrita. Ventura é também pessoa com deficiência.
Em uma realidade em que milhares precisam botar sebo nos cambitos –como se diz na minha terra para quem tem de se apressar – para fugir e tentar salvar a própria pele e a de familiares, é simples imaginar que os que se deslocam em cadeira de rodas ou necessitam de bengala para se guiar podem estar enfrentando, em um cenário de destruição, o completo desespero, a angústia e o isolamento total.
Os números de mais essa tragédia humana são uma incógnita, assim como quase nada se relata a respeito disso no planeta. A invisibilidade dessa diversidade se perpetua e, mais do que isso, em uma guerra, parece não haver o menor espaço para falar em diferenças. A violência é para todos, os mais fracos, em todos os sentidos, que morram. É o século 21.
Vivemos as "emoções" dos combates pelo WhatsApp, com vídeos que saem da zona de conflito e chegam em qualquer lugar do planeta, em instantes, fumegantes, quase simultaneamente, mostrando mísseis e caças fazendo estragos profundos em pontes, edificações e dignidades, mas há um breu noticioso sobre como está o povo "malacabado" em meio a essa insanidade.
Ser um "abatido da guerra" é licença pouco poética que uso para minha condição física ao longo da existência. No meu caso, o belicismo foi contra a pobreza, a exclusão, a falta de acesso que contribuiu para a minha não vacinação e a consequente contaminação pela paralisia infantil.
A situação colocada em um confronto armado é outra, claro. Os abatidos podem estar "servindo" suas nações ou serem vítimas que apareceram no caminho do intento de dominação ou de defesa, gente que não alcançou os ditos corredores humanitários, seja lá o que for isso.
Mas há quem se salve. Já são milhares os refugiados sendo aguardados por toda parte dos países de boa vontade. Pelas estimativas da ONU, cerca de 10% de grandes aglomerados populacionais têm algum tipo de deficiência.
Se metade desse percentual conseguiu sair do lugar e fugiu da zona de guerra na Ucrânia, chega-se a um arrazoado chutado de cerca de 150 mil refugiados com algum comprometimento físico, sensorial ou intelectual, até agora. "Deuzajuda" que haja acolhimento às diferenças. Não se sabe, também.
Mas é uma guerra e agora não dá para pensar nisso, mas é uma pandemia e esse "problema" é menor. E ficamos cada vez mais para trás, cada vez mais aguentando a artilharia das desumanidades e esperando a vez de não ficarmos para trás.
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