Maria do Carmo Guimarães, a Carmen, 40, aprendeu adolescente a bordar com uma tia quando adolescente, na zona rural de Jenipapo de Minas, a noroeste de Minas Gerais. Na comunidade quilombola do Curtume, a agricultora não se encantou instantaneamente com a tarefa de transformar as linhas fiadas em desenhos decorativos para toalhas, forros de mesa e panos de prato.
Mas foi só em 2015 que Carmen voltou a ter contato com o artesanato a partir de iniciativas da ONG Tingui, que atua para fortalecer comunidades rurais e quilombolas a partir da valorização dos saberes e cultura local. O trabalho das bordadeiras virou obra de arte, parte de exposição em Belo Horizonte.
Histórias como a de Carmen se repetem na vida das mulheres do Vale do Jequitinhonha que formam os coletivos de artesãs Bordadeiras do Curtume e Mulheres da Ponte.
A partir de elementos que fazem parte do cotidiano do sertão mineiro, as bordadeiras produzem peças que usam como inspiração a natureza, cultura e identidade que as rodeiam.
"Cada bordado é uma história que acontece", conta Carmen. "Eu me sinto feliz e agradecida de poder mostrar uma cena como a de uma mulher pegando algodão, fazendo a colheita com tanto carinho".
Os bordados da flora local, repleta de ervas nativas usadas como antídoto para as dores "do corpo e da alma", paisagens do cerrado e da mata atlântica, cenas cotidianas que preservam o modo de vida da comunidade, como jogar verso, cuidar dos animais e batucar fazem parte da primeira exposição individual das Mulheres do Jequitinhonha, "Bordados do Céu e da Terra".
As obras estão abertas a visitação até de 5 de março na Galeria de Arte do BDMG Cultural (Circuito Liberdade), na rua Bernardo Guimarães, 1600, Lourdes.
Ao unir a rotina com a ancestralidade, as obras transformam o ofício passado de geração em geração em ferramenta narrativa. As mulheres conseguem também trazer renda na região, com a venda da produção.
"Se passa alguém vendendo alguma coisa, você tem dinheiro pra comprar. Não precisa estar dependendo de marido", conta Maria de Aparecida Leite, também conhecida como Nega.
Embora os ganhos sejam mais que bem-vindos para a agricultora de 52 anos, que tira o seu sustento da terra onde colhe milho, feijão, mandioca e hortaliças variadas, Nega conta que o bordado acabou se tornando sua verdadeira paixão.
"Acaba que não tem preço, é muito gratificante, uma alegria", diz. Ela aprendeu também quando criança com outras mulheres da família e diz que a arte está no sangue. Gosta de representar a comunidade e considera que essa é sua forma de passar adiante as brincadeiras e tradições antigas. "Desse jeito, nunca acaba nossa identidade", comemora.
Além de bordar, ela participa do tingimento natural dos tecidos usados nos artefatos produzidos. Com terras, cascas e plantas da região, os panos ganham os tons que representam o Jequitinhonha nas obras comercializadas online e em lojas e galerias.
Apesar da produção do bordado ser uma tarefa individual, a força coletiva da troca de conhecimentos e experiências acabou aproximando e fortalecendo as tradições da comunidade, segundo a coordenadora da Tingui, Viviane Fortes. "Muitas dessas mulheres estavam tristes, os maridos iam para a colheita de cana e café e elas ficavam sozinha, desconectadas da potência delas".
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.