China, Terra do Meio

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China, Terra do Meio - Igor Patrick
Igor Patrick
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Meritocracia virou algo secundário para chegar à elite política na China, diz professor

Para Victor Shih, força de Xi Jinping mudou tradições e estruturas do Partido Comunista

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Igor Patrick
Washington

Todas as cadeiras no Comitê Permanente ocupadas por oficiais leais. Nenhuma mulher no Politburo.

Sem sinais das poderosas facções de Xangai, Chongqing e da Juventude Comunista, que antes davam as cartas no Partido Comunista. Um novo mandato sem rastro de um potencial sucessor.

Assim Xi Jinping consolidou seu poder, tornando-se o líder mais forte na China desde Deng Xiaoping.

O líder chinês, Xi Jinping, discursa à imprensa no Grande Salão do Povo, em Pequim
O líder chinês, Xi Jinping, discursa à imprensa no Grande Salão do Povo, em Pequim - Li Xueren/Xinhua

Com o anúncio neste domingo (23) dos seis oficiais que governarão ao seu lado —todos homens, como tem sido a regra desde a fundação da China comunista—, Xi sacramentou a leitura de boa parte dos observadores políticos internacionais: o país agora gira em torno da figura dele.

A "liderança coletiva", resposta aos excessos cometidos por Mao Tse-tung (1893-1976), desapareceu. A extensão da influência de Xi, porém, excedeu até as expectativas de analistas experientes, que pensavam haver algum apoio residual a quem não se alinhou automaticamente ao poderoso líder chinês.

Pesquisador da elite política chinesa e professor na Universidade da Califórnia em San Diego, Victor Shih se diz surpreso com as escolhas para a cúpula política. Ele destaca a expectativa de que o atual premiê, Li Keqiang, 67, seguisse ligado ao poder ao menos como membro do Comitê Central antes de se aposentar.

Na tradição chinesa, oficiais que chegam aos 68 anos antes do congresso do partido deixam a política. Um dos protegidos do antecessor de Xi, Hu Jintao, Li deveria permanecer por mais uma legislatura.

Ele é um dos membros da Liga da Juventude Comunista, facção antes poderosa e resistente aos avanços de Xi na consolidação de poder interno. Também aos 67 anos, o membro do Comitê Permanente Wang Yang, ligado ao primeiro-ministro e visto como moderado nas rodas do partido, é mais um a se aposentar.

"Pensei que Xi forçaria alguns opositores a deixar o partido com mudanças de regras internas, mas ele nem sequer se incomodou com isso e os forçou a sair. O limite etário não foi aplicado a pessoas próximas a ele", afirma o acadêmico. "Zhang Youxia, por exemplo, será vice-líder da Comissão Militar Central [órgão responsável pela supervisão das Forças Armadas] aos 72 anos, algo que não vimos desde os anos 1990."

Para o professor, a meteórica ascensão dos secretários-gerais em Xangai e Pequim, Li Qiang e Cai Qi, ao Comitê Permanente, mesmo sob duras críticas devido ao manejo da pandemia e aos erros de cálculos na economia, é outro ponto a ser observado. Quando o jornal americano The Wall Street Journal publicou, no início da semana passada, que Li Qiang poderia ser o novo premiê, a informação foi recebida com cetismo.

Caso a promoção seja confirmada, Li, que carrega no currículo a mancha de ter levado Xangai à beira do caos com a desastrosa gestão da Covid no primeiro semestre, será o primeiro a ocupar a cadeira de primeiro-ministro sem ter sido vice-premiê desde Zhou Enlai, figura histórica do comunismo chinês, e Hua Guofeng, herdeiro sacramentado por Mao. Ele tampouco teve experiência anterior no Conselho de Estado.

A seu favor, contava apenas a longeva proximidade com Xi. Foi o suficiente.

Já Cai Qi figurou em pouquíssimas listas de apostas para o Comitê Permanente. Protegido do líder chinês, trabalhou com ele em Fujian e Zhejiang. Tão logo Xi chegou ao poder, Cai foi catapultado à elite política em tempo recorde: enquanto a maioria dos chefes nas províncias e municípios leva ao menos cinco anos atuando como governadores e prefeitos antes de chegarem ao Comitê Central, Cai saiu de prefeito a secretário-geral de Pequim, cargo que o coloca no órgão, em apenas nove meses.

Visto como figura de menor expressão, mantinha chances marginais de chegar ao Comitê Permanente. Mas nas rodas de negociação que antecedem o congresso do partido, assumiu a dianteira, ocupando uma vaga prevista para o influente secretário-geral do PC Chinês na metrópole Chongqing, Chen Min'er.

Shih destaca que ambos representam o desejo de Xi de se cercar de quem ele confia. "Formação educacional, performance e experiências pregressas se tornaram aspectos secundários. Li Qiang não se graduou nas universidades de elite e fez um trabalho apenas mediano na província de Zheziang."

Prospecto para o futuro

Com a ausência de Hu Chunhua não só na lista do Comitê Permanente, mas também entre os 24 membros do Politburo, Xi conseguiu formalizar sua hegemonia na cadeia de liderança. É um feito inédito, especialmente para um líder que no primeiro mandato e até meados do segundo não controlava vários elementos essenciais da organização estatal, como o aparato de segurança.

Shih destaca que o partido já estava sob incontestável liderança de Xi ao menos desde 2018, após reformas no sistema de governança militar e com o controle do aparato de segurança nacional, em especial com a prisão dos ex-vice-ministros da Segurança Pública, Sun Lijun e Fu Zhenghua, dois nomes próximos de Hu Jintao e condenados a prisão perpétua por envolvimento em esquemas de corrupção.

A principal questão agora, diz o professor, será analisar como a elite política se comportará com quase toda a estrutura partidária girando em torno de um só homem. No passado, a liderança absoluta se revelou um grande revés na correção de políticas fracassadas, como no Grande Salto Adiante, em que a insistência de Mao Tse-tung levou à morte de dezenas de milhões de pessoas por inanição.

"A esta altura, os membros do partido sabem do que ele gosta: pureza ideológica, avanço tecnológico que permita a liderança sobre os EUA, resposta militar altiva em assuntos estratégicos na região", afirma o professor. "O problema é que, tão logo Xi decida algo, isso será imediatamente implementado sem grande contestação. Este cenário pode levar a cálculos estratégicos errados sobre os quais ele se recusa a dar o braço a torcer. Já estamos vendo isso com a gestão da pandemia. Ninguém tem coragem de contestá-lo."

Como a lista no Comitê Permanente também não traz herdeiros aparentes e leva a crer que Xi tentará um quarto mandato daqui a cinco anos, já há incerteza, especulações e instabilidade sobre a sucessão.

"O ditador quer se tornar insubstituível, e quando isso acontece o vácuo político deixado pela ausência de oposição gera crises internas. No curto prazo será um governo estável, mas e se ele desaparecer por mais tempo que o normal? E se ele adoecer ou morrer no exercício do mandato? Essas preocupações trazem altos e baixos que você não quer ver numa economia tão grande quanto a chinesa, com repercussões para todos os países que se fiam na exportação de commodities, como o Brasil."

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