Foi uma cena surreal, daquelas que a gente se pergunta em que mundo estamos: no dia 24 de novembro, 40 mulheres pedalavam juntas na avenida Paulista, quando um homem em uma moto as ataca com uma substância venenosa. Atordoadas e sem entender o ocorrido, as mulheres encostam suas bikes e pedem ajuda a policiais. A resposta de um dos policiais: "não tem nada em que eu possa ajudar", relatam as atacadas.
Realmente, minha gente! Em que mundo estamos? Um homem agride 40 mulheres e a polícia se nega a reagir… É o fim!
A situação foi despretensiosamente filmada por uma das ciclistas do Vespas —nome desse grupo de ciclistas feministas. Num primeiro momento, enquanto as 40 mulheres —ou as 40 vespas, como gostam de ser chamadas— estavam na metade da Paulista, o motoqueiro se aproxima e as observa. Sem notá-lo, elas fazem uma pausa de 5 minutos na calçada da avenida. O motoqueiro avança e desaparece.
Após retomarem a pedalada, já próximas ao fim da avenida, o motoqueiro as surpreende. Covardemente ele passa ligeiro em sua moto, lado-a-lado ao enxame, e com o braço direito esticado lança seu veneno contra as vespas. Surreal!
Resultado: desnorteadas, as vespas vagueiam, tossem, coçam, ardem, ficam cegas momentaneamente e por pouco não perdem o controle das bikes em meio ao trânsito da movimentada avenida —sem contar o trauma psicológico e a sensação de que essa terrível misoginia tem origem num minguado mito, que porcamente ainda se replica.
Como disse Erika Sallum aqui neste blog, "não é nem um pouco fácil ser ciclista nesta cidade (e neste país). Muito menos quando quem está em cima da bike é uma mulher. Pior ainda se for negra, pobre, lésbica e/ou trans. Para conquistar nosso espaço, é preciso mais que força física para mover pedais: é preciso coragem, muita, muita coragem."
O grupo Vespas Bike Gang é aberto e gratuito, a única exigência é que a interessada pedale uma bicicleta e se identifique como mulher —ou seja, a exigência é ter coragem, muita, muita coragem! O lema delas é "QQR mina, QQR bike" (qualquer mina, qualquer bike).
Criado em 2018 por 6 amigas, e inicialmente chamado de Pedal das Minas, o grupo foi rebatizado quando o número de adeptas cresceu. "As vespas formam um enxame de mulheres diferentes querendo pedalar", diz uma delas.
Movimentos desse tipo são muito saudáveis à sociedade. Além de acolherem figuras que antes se sentiam reprimidas pelos costumes tradicionais (ou avessas a atual enxurrada de modismos digitais efêmeros), trazem à tona o verdadeiro debate político, aquele que nasce nas ruas, no convívio cara-a-cara, onde as telas não são protagonistas, mas ferramentas de uma vontade coletiva nascida do real.
Só assim, no debate político limpo, aberto e sem agressões, como o promovido pelo Vespas na última quarta-feira (1), uma semana após o ataque, é que esse mundo tem a chance de voltar ao normal.
Enquanto isso, aguardamos a ação da Polícia e do Estado na solução desse caso.
Descobrir quem é o agressor e ajustar a conduta omissa dos policiais são ações essenciais para garantir a segurança de minorias que, no cenário político atual, são alvos frequentes de grupos que se identificam com o discurso de intolerância e ódio, hoje abundando no poder.
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