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Ciclocosmo - Caio Guatelli
Caio Guatelli
Descrição de chapéu ciclismo

Africano negro vence prova clássica e faz história no ciclismo

Na Bélgica, jovem eritreu deixou para trás um pelotão de europeus brancos

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Diferente do atletismo, onde negros são onipresentes e donos de recordes impressionantes, no ciclismo a brancura do pelotão sempre foi predominante, excludente e eurocêntrica.

Além de serem todas em continente europeu, as mais tradicionais provas do ciclismo de estrada contam com uma ínfima e muito recente presença de negros africanos (sem contar a modesta participação de latino-americanos, oceânicos e asiáticos).

Para se ter ideia, a primeira participação de um negro na Volta da França, mais importante prova do ciclismo mundial, demorou 108 anos para acontecer. Naquela ocasião, apesar de terminar em uma das últimas posições —158 de 167—, o caribenho Yohann Gène entrou para a história pela negritude de sua pele contrastar a hegemonia branca desse esporte.

Além da cor de pele, outra característica que filtra o sucesso de forma diferente nos dois esportes é o custo básico dos equipamentos. Enquanto somalis, marroquinos, eritreus, etíopes, ugandenses e quenianos só precisam de um par de tênis para resgatar o ouro africano nas pistas de atletismo, os caros pares de rodas, de tecnologia pouco acessível aos países subdesenvolvidos, sempre mantiveram as medalhas do ciclismo longe da pobre África negra.

Não fosse a cor da pele do queniano Christopher Froome, o título deste texto poderia ser outro. Contudo, além de branco, um dos maiores campeões da história do ciclismo optou por relegar sua naturalidade. Em 2008, quando seu talento começou a despontar na África, Froome, que é filho de ingleses, escolheu a cidadania britânica para aderir à rica estrutura do país e subir nos mais cobiçados pódios europeus.

Apesar dos obstáculos culturais, raciais e econômicos, a hegemonia branca nas provas clássicas do ciclismo começou a ruir.

No último domingo (27), o eritreu Biniam Girmay alcançou um feito inédito ao vencer a Gent-Wevelgem, prova Belga que faz parte das clássicas que antecedem as 3 grandes voltas (Volta da França, da Espanha e Giro D’Itália).

O eritreu Biniam Girmay vibra ao vencer a Gent-Wevelgem, na Bélgica, e se tornar o primeiro africano negro no topo das provas clássicas do ciclismo, em 27 de março de 2022 - AFP

A força descomunal que o levou à vitória por sprint após 247 Km de uma prova técnica e dura não surpreendeu. O feito de primeiro africano negro a levar o ouro na terra dos brancos ricos já vinha sendo cantado há algum tempo.

Ao conquistar a prata no mundial sub-23 do ano passado, realizado em setembro, também na Bélgica, o jovem entrava nos radares dos mais espertos críticos.

Na ocasião, o título de um artigo publicado no site do Comitê Olímpico Internacional profetizou: "Biniam Girmay: um ciclista africano negro vencerá uma etapa das grandes voltas em breve".

Antes de Girmay, outro eritreu, Daniel Teklehaimanot, já vinha mostrando que os ciclistas negros da África podem ser tão talentosos quanto seus pares do atletismo.

Teklehaimanot ainda não venceu, mas em 2015 surpreendeu ao vestir a disputada camisa polka dots (camisa de líder das etapas de montanha) da Volta da França. Em 2017, mesmo sem vencer, brilhou no Giro D’Italia com feito do mesmo tipo.

Em tempos de Black Lives Matter, e com seguidas críticas sobre seu atraso em incentivar negros africanos, latino-americanos, ou de qualquer outra origem no circuito internacional, a UCI (União Ciclística Internacional), entidade máxima do ciclismo, vem tomando as primeiras providências.

Em 2025 acontecerá em Ruanda o primeiro campeonato mundial de ciclismo de estrada disputado em solo africano. A entidade espera que sua atitude ajude a despertar novos talentos naquele continente, além de diminuir a alarmante disparidade racial desse esporte.

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