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Ciclocosmo - Caio Guatelli
Caio Guatelli

No centro de São Paulo, bicicleta é instrumento da democracia

Frequentes na região, pedaladas manifesto cobram direitos e norteiam revoluções

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Pedaladas manifesto têm se tornado cada vez mais frequentes em toda a cidade. Mas é na região central de São Paulo, especialmente na Praça do Ciclista, que se reúnem com maior frequência os grupos de cicloativistas.

Por lá, os rolês politizados acontecem quase todos os dias.

Na noite de quinta-feira (23), ciclistas de diversas regiões da cidade se encontraram para manifestar suas preocupações com a preservação da Amazônia. Uma parte do grupo já tinha estado ali na noite anterior, numa pedalada feminista. Outra parte voltou para lá na noite seguinte, foram engrossar o coro dos que defendem a bicicleta como solução para o trânsito das cidades, a Massa Crítica —movimento também chamado de Bicicletada.

Cicloativistas durante a pedalada "Amazônia Passa Aqui", realizada na região central de São Paulo - Caio Guatelli

A jornalista Alessandra Albuquerque, cofundadora do coletivo feminista Vespas Bike Gang, participou das pedaladas na quarta e na quinta. Para ela, a Praça do Ciclista une a localização estratégica à referência do cicloativismo. "Aqui se consolidaram as Bicicletadas, existe um valor histórico".

O arquiteto Tiago Maróstica mora em Sapopemba, extremo leste da cidade, e costuma participar semanalmente dos encontros do coletivo CicloCentro_SP. "A periferia é nosso dormitório, o centro nosso dia a dia. É onde as demandas ganham maior visibilidade", disse ele ao justificar a distância percorrida (25 Km) para participar da pedalada de quinta-feira.

Naquele dia, o grupo deu seu apoio à campanha "Amazônia Passa Aqui", e escolheu como trajeto os caminhos que passam por rios e nascentes do centro e que estão ameaçados de extinção.

A duas quadras da Paulista o grupo fez a primeira parada. "Aqui, onde este mega empreendimento tem uma obra, existe uma nascente. Eles [empresários] vão matá-la em breve", disse José Renato Bergo, cofundador do coletivo CicloCentro_SP, ao grupo de ciclistas.

O local apontado por Bergo faz parte do Cidade Matarazzo, um complexo imobiliário de luxo que ocupa o quarteirão de 40.000 metros quadrados entre a rua Itapeva e a alameda Rio Claro. No tapume da obra, o coletivo de ciclistas colou cartazes e entoou sua defesa do meio ambiente e da Amazônia.

"Queremos lembrar a importância da Amazônia para quem vive na cidade. Quando a Amazônia morrer, os rios voadores morrerão junto, e as grandes cidades, banhadas por esses rios, vão sofrer", disse a engenheira agrônoma Cyra Malta, presente na manifestação.

Pouco adiante, entre a alameda Ribeirão Preto e a rua Garcia Fernandes, num minúsculo trecho preservado de Mata Atlântica, o grupo fez a segunda parada. No local fica a nascente do rio Saracura.

Após um instante de silêncio para ouvir o barulho das águas, o grupo deu outro alerta: "aqui fica a cabeceira de um importante rio, hoje cercado pela cidade. A construção irregular deste edifício [Ascent Paulista Select], financiada pelo Itaú, está matando essa nascente".

O grupo lembra que nas encostas da Bela Vista existem outras nascentes que também alimentam o Saracura, todas ameaçadas pela especulação imobiliária.

Na dia seguinte foi a vez da Massa Crítica. O movimento, que acontece mundialmente na última sexta-feira de cada mês, juntou cerca de 40 ciclistas no tradicional ponto da avenida Paulista.

Enquanto o pelotão não partia, as rodas de conversa tratavam dos resultados de duas importantes pesquisas divulgadas durante a semana —intenções de voto para presidente da República, do instituto Datafolha, e o relatório que aprovou 81% da estrutura cicloviária paulistana, o Auditoria Cidadã, da associação Ciclocidade.

Ambas deram o que falar, mas a polêmica maior girou em torno do resultado da última.

Na opinião de Bergo, que conhece bem a malha cicloviária da região central, os critérios de avaliação da pesquisa poderiam ter considerado o histórico de fatalidades das ciclovias. Ele cita como exemplo a esquina da rua Vitória com a avenida São João, onde um cicloentregador morreu atropelado no dia 16 de maio.

No trecho, apontado pelo relatório como uma ciclofaixa em bom estado, a pintura da via está completamente apagada. Bergo acredita que a falha estrutural pode ter contribuído para a morte do cicloentregador, e que isso deveria servir como critério de reprovação no relatório.

Além das pinturas, existem outros problemas estruturais da malha cicloviária central, que, apesar de aparecerem no repositório fotográfico do relatório, não influenciaram no resultado da pesquisa.

Uma grelha de captação de águas pluviais fora dos padrões de segurança está instalada no cruzamento da alameda Barros com a rua Barão de Tatuí. O equipamento inadequado está bem no meio da ciclofaixa, foi fotografado pela vistoria do Auditoria Cidadã, mas não interferiu na avaliação positiva daquela via. O trecho também consta como aprovado pelo documento.

Para os ciclistas que estavam na pedalada da quinta-feira, a grelha da alameda Barros é "uma verdadeira armadilha para bicicletas de pneu fino".

Outro ponto que traz indignação a quem pedala na região, e que, neste caso, se reflete no resultado da pesquisa, é a ausência de estrutura cicloviária em ruas onde ela deveria existir, como rua Hannemann e rua Rio Bonito.

Apesar do mapa da CET (Companhia de Engenharia e Tráfego) considerar a proteção nesses trechos, a estrutura cicloviária foi substituída por vagas de estacionamento para carros.

Além dos defeitos estruturais, os cicloativistas citam problemas relacionados ao comportamento na região. Ocupação das ciclofaixas por carros é um dos mais comentados, especialmente nas vias que passam em frente a escolas.

Ana Paula Stapelfeldt, coordenadora da escola Red Balloon, convive com o problema diariamente. Em frente àquela escola passa a ciclofaixa da rua Itatiara, e, nos horários de entrada e saída de alunos, mães e pais estacionam seus carros sobre a faixa de proteção.

Na quarta-feira, uma equipe da CET foi chamada. Após orientação dos fiscais de trânsito, a coordenadora concluiu: "Temos que aprender a dividir os espaços com a bicicleta".

Esta foi a segunda de uma série de 6 reportagens sobre a estrutura cicloviária de São Paulo. No próximo domingo (3/7), o Ciclocosmo abordará as características particulares das ciclovias da região norte da cidade.

Todos os deslocamentos para a apuração desta matéria foram feitos em bicicleta.

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