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Ciclocosmo - Caio Guatelli
Caio Guatelli

Mais um, menos um...

Mais um ciclista morto no trânsito e pouco se fala disso

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Mais um ciclista foi morto pela violência do trânsito brasileiro. Desta vez um jovem de 29 anos, atropelado por um ônibus municipal às 15h da última segunda-feira (19). A tragédia aconteceu na esquina da avenida 9 de Julho com a alameda Lorena (zona sul da cidade de São Paulo).

O fato, espantosamente pouco divulgado pela imprensa, parece ter virado apenas mais um número a engrossar os dados que compõe a lista de vítimas fatais do trânsito brasileiro. Lista que vez ou outra se torna pública, mas que depende do esforço dos parentes dos mortos ou de entidades independentes para que a evidente carnificina não se torne fato irrelevante, comum, rotineiro, perdido nas gavetas do poder público.

A morte desta segunda-feira ficou tão à margem, pouco conhecida, que por um ou dois dias só se notavam murmurinhos de grupos de ciclistas nas redes sociais. Não estava claro nem como nem quando exatamente o fato havia ocorrido.

Nem mesmo a SSP (Secretaria de Segurança Pública) de São Paulo, órgão responsável por cuidar de casos do tipo, confirmaria de imediato a situação ao Ciclocosmo: "A Polícia Civil não localizou o registro do caso com os dados fornecidos até o momento" foi a resposta obtida pelo blog da Folha ontem às 15h30, dois dias após a ocorrência. Claro que não localizaram, afinal os dados eram frágeis, oriundos dos murmurinhos, e o sistema robótico do governo ainda não é capaz de encontrar semelhanças, ainda é terrivelmente insensível, exato e rudimentar.

Duas horas depois, e sob a insistência da reportagem, a SSP confirmou o óbito. "Um ciclista, de 29 anos, morreu após ter sido atropelado por um ônibus na tarde de segunda-feira (19), por volta das 15h, na Avenida Nove de Julho".

Segundo o órgão, a informação fora reproduzida dos dados do boletim de ocorrência registrado pela Polícia Civil no dia 19, um dia antes da data suposta pela reportagem, o que pode ter atrasado a localização do registro.

Pelo jeito, morrem tantos ciclistas no trânsito brasileiro que nos dias seguintes quase ninguém lembra deles mais. Ou, se alguém lembra, muitas vezes é com algum tipo de crítica contra ciclistas que pedalam em avenidas da cidade.

"Não deveria pedalar nesta avenida, é um local muito perigoso para isso", disse ontem ao Ciclocosmo um motorista que passava pelo local (e que não quis se identificar).

Porém, segundo o CTB (Código de Trânsito Brasileiro), ciclistas não apenas tem o direito de transitar na avenida 9 de Julho, como têm também a preferência diante de carros e ônibus.

Mesmo assim, o que se vê naquela avenida é uma completa ausência de espaço dedicado ao trânsito das bicicletas e a já conhecida falta de respeito de grande parte dos motoristas com os ciclistas —combinação comum na maior parte das grandes cidades brasileiras. São Paulo, por exemplo, tem hoje pouco mais de 700 Km de malha cicloviária. Apesar de ser uma das maiores estruturas do tipo na América Latina, se encontra degradada e repleta de falhas de conexão, o que evidencia o tamanho da cova em que o ciclista pode cair cada vez que tenta exercer seus direitos.

A 9 de Julho, no local da tragédia de segunda-feira, é uma avenida estreita onde engenheiros de trânsito fizeram uma mágica e conseguiram desenhar 3 faixas de rolamento —duas para carros, uma para o corredor de ônibus e nenhuma exclusiva para bicicletas. É tudo tão estreito que por muitas vezes os motoristas dos ônibus não conseguem manter os 40 centímetros que sobram entre as rodas do veículo e o meio-fio, acabam invadindo a calçada. Não há espaço para erros e ciclistas são obrigados a transitar junto aos pedestres.

Bicicleta na calçada ao lado de ônibus que passa perto, pela avenida
Local onde um ciclista foi atropelado e morto por ônibus na segunda-feira (19), na avenida 9 de Julho - Caio Guatelli

Aos que tentarem exigir o direito de pedalar pelo bordo da via (e dentro das faixas da avenida, como prevê o CTB), resta contar com a sorte.

Para que essa realidade não se perpetue, e para que essa não seja só mais uma morte no trânsito brasileiro, a investigação sobre a causa da tragédia precisa considerar a responsabilidade do Estado, que até hoje não proporcionou as condições adequadas para o uso de bicicleta em avenidas brasileiras como a 9 de Julho.

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