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O que pensam os jovens cientistas no Brasil?

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Ser mãe é padecer no currículo acadêmico?

Como a maternidade afeta a carreira das cientistas no Brasil

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Rossana Soletti

O texto abaixo celebra o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, comemorado hoje, 11 de fevereiro.

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São apenas sete horas da manhã e, em vez de tomar um café da manhã sossegada, ligo o computador com uma xícara de café ao lado para poder adiantar o trabalho. Depois de pensar alguns minutos e escrever as primeiras duas frases de um texto, uma filha acorda com fome. Paro tudo, vou à cozinha, preparo seu desjejum, conversamos um pouco e volto ao trabalho. Dez minutos depois a segunda filha acorda, e todo o ciclo recomeça. A partir daí, as interrupções para atender às demandas intensas de duas crianças pequenas não param. É difícil até mesmo produzir um texto sobre as dificuldades de ser cientista trabalhando em casa enquanto cuida dos filhos.

Arte ilustra uma mulher sentada em frente ao computador tentando trabalhar. Ela olha para cima. Um bebê embaixo da mesa segura sua perna. AO seu redor, há imagens que remetem à pesquisa científica, como dinossauros sobre organelas celulares.
Ilustração: Lívia Serri Francoio - Instituto Serrapilheira

Penso que a essa hora meus colegas e minhas colegas sem filhos já fizeram reuniões, escreveram artigos e iniciaram muitas outras atividades, enquanto eu ainda tento concluir o primeiro parágrafo de um texto. "São escolhas", muitos dirão. Em alguns casos talvez sejam, mas nem sempre. Em nosso país, metade das gestações não são planejadas. Não bastasse, mulheres trabalham cerca de dez horas por semana a mais que os homens em tarefas domésticas e cuidados com filhos e familiares.

O movimento Parent in Science, do qual eu faço parte, pesquisa e discute os impactos da parentalidade na carreira científica. Segundo dados do grupo, mais da metade das cientistas mulheres no Brasil são as únicas ou principais cuidadoras dos filhos, e antes da pandemia 45% delas afirmavam não conseguir trabalhar em casa. Desde o advento do isolamento social e do trabalho remoto, este cenário se intensificou: apenas 47% das cientistas mulheres com filhos estavam conseguindo submeter os artigos científicos que haviam planejado antes do início da pandemia, contra 76% dos cientistas homens sem filhos. Mesmo considerando somente cientistas com filhos, homens e mulheres, a sobrecarga feminina ficou evidente: 28% das mães de filhos com idade entre um e seis anos estavam conseguindo submeter seus artigos, contra 52% dos cientistas pais de filhos da mesma faixa etária.

Na vida acadêmica, homens e mulheres, brancos e negros, com ou sem filhos, podem até competir em posição de igualdade (seguindo os mesmos critérios de seleção), mas não de equidade. A licença-maternidade, por exemplo, que é tão necessária e foi conquistada a duras penas na comunidade acadêmica, pode acabar prejudicando as mulheres. Este tempo de pausa para cuidar dos filhos não é levado em consideração na hora de avaliar a performance dos cientistas: ao submeter um projeto solicitando verbas para pesquisa, ou ao prestar um concurso, todos serão avaliados de acordo com a publicação de artigos científicos nos últimos anos. Consequentemente, a mulher que interrompeu a carreira após a maternidade será penalizada nesta avaliação. Essa é uma das razões da diferença do número de mulheres nos postos mais altos da trajetória acadêmica.

Mulheres representam a maioria dos bolsistas de iniciação científica, ainda na graduação, no Brasil. No entanto, somam apenas cerca de 25% dos bolsistas de produtividade em pesquisa do nível mais alto da carreira brasileira. Dos laureados com o Nobel em todo o mundo, apenas 6% são mulheres. Além disso, mulheres pretas e pardas com doutorado representam menos de 3% dos cientistas docentes de Pós-Graduação em nosso país. E quem lembra o nome de uma ministra da Ciência e Tecnologia? Pois é, não tivemos nenhuma. Esta sub-representação das mulheres ao longo do percurso acadêmico traz muitos entraves ao desenvolvimento científico e tecnológico do país, já que uma ciência com mais diversidade é também uma ciência mais justa e eficiente.

Considerar o período de licença-maternidade ao avaliar a produtividade das cientistas é apenas uma das medidas necessárias no caminho para a equidade. Enquanto não conseguimos ultrapassar os muros da academia e promover mudanças culturais e sociais, como a participação igualitária de homens e mulheres nos cuidados com os filhos, o sistema que promove a ascensão de cientistas ao longo da carreira precisa mudar.

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Rossana Soletti é professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e membro do movimento Parent in Science.

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