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Quando a Terra ficou azul

No passado, um extraterrestre veria o planeta com mares verdes e nuvens laranjas

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Fabrício Caxito

As primeiras fotos da exploração espacial imortalizaram a Terra como uma bola de gude azul. Um extraterrestre que dela se aproximasse no passado distante, porém, não veria os mares azulados cobertos por nuvens brancas. Nosso planeta tem cerca de 4,5 bilhões de anos, e hoje sabemos que ele sempre esteve em contínua mudança, os elementos químicos em permanente troca entre a biosfera, a atmosfera, a litosfera e a hidrosfera, e os processos tectônicos alterando o tempo todo sua fisionomia.

Como teria sido a Terra? Por quase metade de sua vida, durante o Hadeano e Arqueano, a atmosfera terrestre era bem diferente da atual. O oxigênio era praticamente inexistente, como atestam minerais em rochas sedimentares mais velhas do que 2,5 bilhões de anos que não são estáveis na presença deste elemento.

Arte ilustra um rosto com um óculos 3D em que uma lente é vermelha e outra azul. A pessoa segura com os dedos em pinça uma bolinha de gude, para a qual olha atenta com uma expressão surpresa.
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

Hoje nossa atmosfera tem cerca de 21% de oxigênio. Sem isso, não estaríamos aqui. De onde ele teria surgido?

Evidências fossilíferas e moleculares sugerem que entre 3,5 e 2,5 bilhões de anos atrás ocorreu uma mudança evolutiva radical. Surgiram organismos simples, as cianobactérias, que se servem da luz do sol como fonte de energia utilizando gás carbônico e água como reagentes, no processo conhecido como fotossíntese. Um produto colateral da fotossíntese é o oxigênio produzido pela quebra das moléculas de gás carbônico e água: pela primeira vez uma fonte significativa de oxigênio era gerada.

Um dos primeiros destinos desse oxigênio foi reagir com quantidades enormes de ferro e outros elementos dissolvidos na água do mar. O ferro é solúvel em condições pobres em oxigênio, e por isso os mares antigos não eram azuis, mas tinham tons esverdeados ou avermelhados, dada a grande concentração deste metal. Assim que o oxigênio entrou em contato com todo esse ferro, os dois elementos se combinaram para formar hidróxidos de ferro, que por sua vez são insolúveis na água. O resultado foi a precipitação de gigantescas quantidades de ferro, que acabaram impelidas para o fundo dos oceanos e transformadas em depósitos minerais.

Grande Evento de Oxigenação, ou GEO, é o nome que os cientistas dão a esse período em que os oceanos foram "limpos" do ferro e outros metais como o manganês. A partir desse momento, a atmosfera passou a apresentar pequenas quantidades de oxigênio – a oxigenação a níveis parecidos com os atuais aconteceu muito depois, há cerca de 500 milhões de anos.

O oxigênio, porém, é um elemento extremamente reativo. Não à toa procuramos consumir produtos e cosméticos com antioxidantes, como o vinho e o açaí: queremos evitar o envelhecimento associado aos radicais livres do oxigênio. A ferrugem nada mais é que o processo de oxidação de metais, e a combustão não passa de ferrugem em velocidade ultra-acelerada. A maioria dos organismos simples que existiam antes do surgimento e proliferação das cianobactérias provavelmente não tinham proteção contra este gás – viviam em ambientes anóxicos, sem oxigênio. O GEO pode ter causado uma das primeiras extinções em massa do planeta, e por isso é às vezes chamado de "Catástrofe do Oxigênio".

Como era a atmosfera antes do surgimento das cianobactérias? Evidências geológicas sugerem um planeta rico em gases como CO2 e metano, e também de nitrogênio, hoje o maior componente da atmosfera. Além dos mares esverdeados, tal composição da atmosfera pode ter gerado não nuvens brancas, mas alaranjadas, como em Vênus. O extraterrestre veria um planeta com mares verdes e nuvens alaranjadas.

Em 1972, os astrônomos Carl Sagan e George Mullen sugeriram que no começo da vida do planeta a luz solar tinha cerca de 70% de sua força atual. Os cálculos indicavam que por grande parte da sua história a Terra deveria ter sido completamente congelada. Registros geológicos, porém, indicam a existência de água livre em sua superfície desde praticamente sua formação. Se a luz do sol era bem mais fraca, como a água teria ficado em estado líquido?

Uma explicação plausível para esse "Paradoxo do jovem sol fraco" se deve à composição distinta da atmosfera: tanto o CO2 como o metano são gases de efeito estufa, e sua maior quantidade na atmosfera antiga pode ter garantido à Terra aquecimento suficiente para abrigar água líquida desde seus primórdios. Nestas águas surgiram as cianobactérias fotossintéticas, que, consumindo a maior parte do CO2 da atmosfera, possibilitaram o aumento de O2. E este, ao entrar em contato com o metano e outros gases redutores, mudou para sempre a composição – e a cara! – do nosso planeta.

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Fabrício Caxito é professor de geologia, pesquisador principal no projeto GeoLife MOBILE e filósofo pela UFMG.

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