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O que pensam os jovens cientistas no Brasil?

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Descrição de chapéu alimentação

Como o Brasil revoluciona a epidemiologia nutricional

Ciência de vanguarda combate uma pandemia silenciosa no país

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Murilo Bomfim

É improvável que alguém, hoje, não conheça ao menos uma pessoa com diabetes, hipertensão ou obesidade — isso se esse alguém não for, ele próprio, acometido de um desses quadros. Isso vale para o Brasil, mas também é verdade em locais como México, Estados Unidos e Reino Unido.

Este fato, no entanto, é visto com certa normalidade pela maioria de nós. Ter três parentes diabéticos soa muito mais banal do que ter três parentes com covid-19, apesar de ambos os diagnósticos terem seus riscos. O senso de pandemia é mais perceptível no campo das doenças infecciosas, que podem ser transmitidas de pessoa para pessoa. Quando a doença é crônica e não transmissível, a alta prevalência pode passar batida.

Arte ilustra uma pessoa sentada com as pernas entrelaçadas segurando um prato de comida e rodeada por elementos que remetem a partes do corpo e alimentos, sobre um fundo vermelho; em volta, a moldura traz milhos em cada ponta.
Ilustração: Lívia Serri Francoio - Instituto Serrapilheira

Não para epidemiologistas, é claro. No início dos anos 2000, o número crescente de pessoas com doenças crônicas intrigava o médico Carlos Monteiro, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. O avanço das silenciosas pandemias de diabetes e hipertensão não batia com os dados de compras de alimentos: à época, os brasileiros reduziam a aquisição de itens como açúcar, sal e óleo de soja.

Outros itens, no entanto, passavam a ganhar espaço nos carrinhos de supermercado. Em geral, eram alimentos prontos para consumo, como biscoitos recheados, macarrão instantâneo e lasanhas congeladas. "As pessoas estavam deixando de cozinhar. Trocavam refeições feitas em casa por opções que já chegavam prontas ou semiprontas", diz Monteiro. "Isso estava relacionado ao aumento da prevalência de doenças crônicas, e a minha hipótese era que o problema estava no processamento de alimentos feito pela indústria."

A sacada do cientista o levou a criar, em 2009, uma classificação de alimentos, nomeada por ele de Nova. Ela define quatro grupos de alimentos: in natura ou minimamente processados (como frutas, verduras, carnes e grãos), ingredientes culinários (óleo, açúcar), alimentos processados (produtos que mesclam as duas primeiras categorias, como uma geleia de morango, que une a fruta e açúcar) e alimentos ultraprocessados. Estes são definidos como formulações industriais que usam parte de alimentos in natura (o amido do milho, a gordura vegetal) e que, em geral, dependem de corantes, edulcorantes e aromatizantes para ter gosto e cheiro de alguma coisa.

O lançamento da Nova fez com que a epidemiologia nutricional passasse a olhar para os ultraprocessados. De lá para cá, pipocaram artigos científicos sobre o tema em todas as regiões do planeta. Em comum, os trabalhos apontam associações entre o consumo desses alimentos e uma chance maior de ter desfechos negativos de saúde, como o desenvolvimento de obesidade, diabetes, câncer e até depressão.

Da ciência para o campo das políticas públicas, a Nova impulsionou a segunda edição do Guia Alimentar para a População Brasileira, lançada em 2014 com caráter inovador. Em suma, a mensagem do documento é que a alimentação saudável é mais simples do que se imagina: nada de dietas mirabolantes ou privações de nutrientes específicos, basta focar em comida de verdade. Hoje, a diretriz orienta algumas políticas públicas de alimentação de nutrição, caso do Programa Nacional de Alimentação Escolar, que ganhou um teto para a aquisição de ultraprocessados e um valor mínimo para compras de alimentos in natura. A recomendação também pautou guias alimentares de outros países, como Uruguai, Canadá, França e Israel. É uma forma de combater, no mundo todo, uma pandemia de doenças crônicas insistente e sorrateira.

Para além dessas patologias, a classificação Nova deve esclarecer o entendimento de outro desafio da saúde pública brasileira: a insegurança alimentar. "Muito tem se falado sobre a fome, que, claro, é uma questão crítica. Mas também é preciso olhar para os outros níveis de insegurança", diz Monteiro. Ele explica que o caminho para a fome parte da insegurança alimentar leve, quando há uma redução qualitativa na alimentação. Ou seja, por questões de acesso físico e/ou financeiro, os ultraprocessados passam a substituir as opções in natura ou minimamente processadas na dieta. Mais uma vez, cabe à ciência monitorar a alimentação do brasileiro e mitigar o avanço da desnutrição no Brasil.

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Murilo Bomfim é jornalista.

Esta matéria foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, os textos do blog Ciência Fundamental vão refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil e a sua relação com outros temas de interesse público. O de hoje é sobre ciência e saúde.

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