Ciência Fundamental

O que pensam os jovens cientistas no Brasil?

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Descrição de chapéu mudança climática clima

Como sabemos que o mundo está esquentando?

História da ciência do clima é povoada por grandes aventureiros e cientistas geniais

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Matthew Shirts

Em meados da década de 1950, um químico dos EUA, Charles Keeling, convenceu diversos financiadores de ciência de seu país da importância de se ter uma medida precisa da concentração de CO² na atmosfera. Mas essa não era uma tarefa fácil nem barata, e foi preciso buscar lugares isolados para evitar fontes de contaminação. Na Antártica, Keeling coletou dados que pareciam confirmar o aumento anual da quantidade desse gás de efeito estufa. Como à época os recursos financeiros não abundavam, a investigação só não foi encerrada graças ao orçamento da National Science Foundation (engordado por temores da Guerra Fria), que permitiu a Keeling continuar suas pesquisas no Muana Loa, um vulcão extinto no Havaí.

Os dados arregimentados começaram a contar uma história extraordinária. A concentração de CO² na atmosfera crescia ano após ano, e logo a chamada curva de Keeling, ascendente, era citada no mundo todo e acabou por se tornar um dos símbolos do movimento pela preservação do clima. Quem digitar no perfil de Twitter que nasceu em 316 ppm (partes por milhão), por exemplo, que é o meu caso, estará se referindo aos dados de Keeling e ao ano de 1958. Hoje as medições em Muana Loa estão a cargo do geoquímico Ralph Keeling, filho do pioneiro (morto em 2005). Os dados históricos e atuais podem ser consultados no site keelingcurve.ucsd.edu.

Arte ilustra a cientista Eunice Foote e quatro braços segurando frascos de vidro contendo imagens de vulcão, de geleiras, de água e de ar
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

Quando Charles Keeling se pôs a medir o CO² na atmosfera, sabia-se, ou pelos menos se imaginava, que o nível desse gás estivesse subindo, embora ainda não houvesse comprovação empírica. Ainda no século 19 o cientista sueco Svante Arrhenius já havia calculado o impacto teórico de um aumento de CO² na atmosfera. Spencer R. Weart, autor do excelente The Discovery of Global Warming, conta que nessa época alguns poucos cientistas começavam a entender que o clima havia mudado ao longo da história e buscavam explicações para a existência da idade do gelo, por exemplo. Arrhenius estimou que uma queda pela metade do nível de CO² na atmosfera poderia esfriar a temperatura média do planeta em cinco ou seis graus centígrados. Depois de meses de cálculos à mão, ele concluiu que dobrar o nível de CO² — fosse pela queima de carvão que já se iniciara industrialmente, fosse por uma série hipotética de erupções de vulcões — poderia elevar a temperatura em igual medida. Diz-se que a iniciativa de realizar cálculos tão trabalhosos foi uma tentativa de esquecer sua separação – sua mulher o abandonara e levara com ela o único filho do casal, provocando no cientista uma tristeza imensa.

De qualquer forma, o aquecimento global provocado pela queima de carvão não estava entre as preocupações de Arrhenius. Fazia muito frio na Suécia de então e, como todos à época, o cientista pressupunha que qualquer avanço tecnológico seria benéfico para a humanidade.

Quem costumava levar o crédito da descoberta do efeito estufa, peça-chave em toda a ciência do clima, era John Tyndell. A partir de 1859, esse físico irlandês publicou uma série de estudos que mostraram como certos gases, entre eles o CO², capturam calor na atmosfera: "Tal como uma barragem em um rio provoca um acúmulo mais fundo de água, também a nossa atmosfera, jogada tal qual uma barragem em frente aos raios terráqueos [infravermelhos], produz um aumento de temperatura na superfície da Terra".

Recentemente, descobriu-se que Tyndall não fora o precursor. Um exemplar do The American Journal of Science and Arts traz a apresentação de Eunice Foote para um congresso em 1856. (Detalhe: por ser mulher, ela teve seu trabalho exposto pelo marido.) A cientista descreve uma experiência que efetuou, enchendo três copos de vidro – um com vapor de água, outro com CO² e outro com ar – e comparando como se comportam ao sol. "O maior impacto dos raios solares foi registrado no ácido carbônico (CO²) [...], que se aqueceu sensivelmente mais que os outros e demorou muito mais para esfriar". Esta mesma experiência é usada até hoje em sala de aula para demonstrar o efeito estufa. O experimento pioneiro de Foote foi resgatado pela climatologista Kathrine Heyoe como exemplo dos desafios enfrentados pelas mulheres cientistas.

A história da ciência do clima, povoada por grandes aventureiros e cientistas geniais, inclui expedições aos confins mais gelados do planeta com equipamentos que, retirando amostras do gelo de centenas de metros debaixo da superfície, permitem medir mudanças climáticas ao longo de milhões de anos. Pouco disso foi contado para o público leigo, há um sem-fim de pautas históricas e jornalísticas a ser explorado.

Atualmente, o clima é monitorado por numerosos satélites e milhares de termômetros espalhados pelo mundo. Os cientistas esperam poder refinar suas previsões do clima e até do tempo para regiões específicas, cidades e safras agrícolas. Há muito em jogo. Nos Estados Unidos, por exemplo, flutuações do tempo são responsáveis por diferenças de PIB da ordem um 1,3 trilhão de dólares por ano. Em 2018, só nos Estados Unidos os impactos climáticos responderam por prejuízos de 80 bilhões de dólares; se se considerar o planeta inteiro, já se fala em trilhões de dólares.

Na década de 1990, quando começou a se formar um consenso entre cientistas e ambientalistas acerca da necessidade de combater o aquecimento global, as soluções propostas eram, de um modo geral, técnicas. Desde então, está claro que é preciso parar de queimar carvão, gasolina e gás fóssil, e também reduzir a pegada climática da pecuária. Passadas três décadas, são muitas as soluções tecnológicas viáveis e econômicas. O maior obstáculo é na verdade político: o negacionismo científico cobra um preço gigantesco.

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Matthew Shirts é autor do livro "Emergência climática: o aquecimento global, o ativismo jovem e a luta por um mundo melhor", claroenigma, 2022. É co-fundador da plataforma @fervuranoclima e editor no World Observatory of Human Affairs.

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