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O embrião gerado sem espermatozoide nem óvulo

Novas técnicas de cultivo de embriões ajudam a compreender a gestação humana

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Rossana Soletti

Um dos fenômenos mais fascinantes da natureza é que animais extremamente complexos como os seres humanos são formados a partir de uma única célula, o zigoto, resultado da junção de um óvulo com um espermatozoide. Cerca de 30 horas após a fecundação, o zigoto começa a se dividir e, conforme as divisões avançam, as células vão adquirindo destinos específicos: algumas formarão todos os tipos celulares do corpo humano; outras, tecidos de sustentação e nutrição como a placenta.

Embriões produzidos por fertilização in vitro são transferidos para o útero por volta do quinto dia, pois é ao final dessa primeira semana que se inicia o processo de implantação, no qual o embrião precisará buscar oxigênio e nutriente nos vasos sanguíneos maternos. Nos dias seguintes ocorrerão alguns dos eventos mais importantes do desenvolvimento embrionário, e ao mesmo tempo os mais desconhecidos.

arte ilustra um cardume de peixes com cores diversas. Na parte inferior do desenho, uma caixa com uma estampa de espermatozoides.
Ilustração: Joana Lavôr - Instituto Serrapilheira

A partir da implantação, as células do futuro embrião dividem-se em três camadas que darão origem aos nossos cerca de 200 tipos celulares. Pouco entendido em humanos, esse fenômeno, a gastrulação, é extensamente estudado em embriões de animais como galinhas, peixes e moscas. A importância é tamanha que Lewis Wolpert, um conhecido embriologista, disse há quatro décadas que não é o nascimento, o casamento ou a morte, mas sim a gastrulação, o momento mais importante pelo qual passamos.

É também nessas primeiras semanas que se concentra a metade dos casos de perdas gestacionais. Detalhes desse estágio, verdadeira "caixa preta do desenvolvimento embrionário humano", não podem ser diretamente observados no útero materno, nem mimetizados em laboratório, dada a necessidade de o embrião se implantar para seguir em frente. Nos últimos cinco anos, porém, muitos avanços foram feitos, permitindo que embriões humanos pudessem ser cultivados para além dos seis dias.

A partir de excedentes doados por casais que passaram por fertilização in vitro, o grupo liderado pela professora Magdalena Zernicka-Goetz, da Universidade de Cambridge, elaborou uma forma de cultivo especial em laboratório que possibilitou a implantação e o desenvolvimento dos embriões por uma semana adicional, mesmo sem o suporte do tecido materno. Novas técnicas de microscopia permitiram filmar o crescimento do embrião nesse período, mostrando como as camadas de células se separam, e também revelaram algumas diferenças entre a gastrulação dos humanos e o que conhecíamos a respeito de outros mamíferos, como camundongos. O cultivo dos embriões foi interrompido no 13º dia devido a normas éticas existentes em diversos países, que já proibiam o cultivo de embriões humanos para além de duas semanas, antes mesmo que isso fosse possível em termos tecnológicos.

Neste ano, outro marco foi atingido: a produção de embriões de camundongos sem utilizar espermatozoides e óvulos. Essa conquista era um grande desejo da comunidade acadêmica havia décadas e foi alcançada pelo grupo de Zernicka-Goetz e pela equipe de Jacob Hanna, de Israel. Os chamados embrióides ou "embriões sintéticos" são gerados pelo cultivo simultâneo de três tipos de células-tronco: um tipo que forma todos os tecidos do corpo do camundongo e outros dois que formam estruturas anexas ao embrião.

As células cultivadas se auto-organizam em estruturas muito semelhantes aos embriões, com os mesmos eixos corporais, regiões cerebrais, um intestino primitivo e até mesmo um coração batendo. Os embrioides foram viáveis por oito dias, cerca de metade do período gestacional de um camundongo. Os protocolos de produção dessas estruturas ainda serão aprimorados, visando aumentar a eficiência, mas já são um avanço impressionante nesse campo.

Todas essas recentes descobertas da ciência contribuirão para que nos próximos anos possamos entender por que algumas gestações não evoluem, e o que fazer para evitar as perdas gestacionais. Também será possível estudar a origem de diversas doenças congênitas e projetar técnicas para obter tecidos biológicos ou órgãos inteiros utilizando, por exemplo, células da pele do próprio paciente. Com investimentos adequados, teremos um grande progresso na ciência da reprodução humana, sempre andando de mãos dadas com os preceitos bioéticos.

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Rossana Soletti é doutora em ciências morfológicas e professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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