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Plantas têm memória?

Como as plantas conseguem aprender, lembrar e prever mudanças

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Cristiane Calixto

As plantas não são vítimas passivas, despreparadas e sempre pegas de surpresa a cada mudança no ambiente. Podem aprender, lembrar e até mesmo prever mudanças.

De modo geral, memória é a capacidade de guardar informação, mas cada área da ciência tem uma definição. Na medicina e psicologia, é a faculdade de lembrar e conservar informações na mente. Na computação, está relacionada ao armazenamento de dados em chips de computador e afins. Na botânica, existe quando uma planta consegue guardar informações de um estímulo, permitindo que sua resposta a mudanças no ambiente seja mais eficiente.

Arte ilustra um girassol amarelo; ao fundo, outros girassois em preto e branco
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

Há certos estímulos de calor, por exemplo, que podem ser letais em algumas plantas – expôr a 47°C, por uma hora, uma jovem planta de arroz sensível ao calor que estava em crescimento num ambiente de 25°C. A planta muito provavelmente vai morrer. Surpreendentemente, se até dois dias antes essa jovem planta tivesse sido exposta por duas horas a um estímulo de calor subletal, ou seja, que não é capaz de acarretar a morte, digamos, 42°C, ela poderia ter sobrevivido à temperatura experimentada dois dias depois. A tolerância ao calor foi adquirida pela lembrança do primeiro estímulo.

Na natureza, guardar informações de um episódio de temperatura muito alta é bem vantajoso para plantas que crescem no verão, pois assim elas vão se proteger melhor e mais rápido da próxima onda de calor que muito provavelmente virá e poderá ser devastadora. Aspecto importante ao longo da evolução das plantas, a vantagem da memória para a sobrevivência delas pode ser aplicada a vários estímulos e diversas espécies.

A memória em plantas ocorre em cada célula e tem bases moleculares, envolvendo complexas redes de interação genética e metabólica. A seca, por exemplo, deixa na maquinaria de resposta à intempérie marcas moleculares que podem permanecer mesmo quando a planta volta a ser irrigada. São marcas que podem durar horas, dias ou ficam para sempre, viabilizando maior eficiência das respostas a estímulos subsequentes.

O relógio circadiano das plantas é um componente muito importante do processo, pois permite a previsão de mudanças cíclicas no ambiente, como o dia e a noite. Durante o dia, a inflorescência de um girassol jovem, por exemplo, segue o sol até ele se pôr no oeste, enquanto à noite ela se reorienta para o leste, em preparação para o sol que vai nascer. Isso é possível porque o relógio circadiano mede o tempo e coordena as respostas mais apropriadas para cada hora do dia, muitas vezes logo antes de os estímulos acontecerem, possibilitando que a planta se organize.

A memória em plantas também vem sendo explorada pela biotecnologia. Há pré-tratamentos de sementes e mudas que aumentam o vigor das plantas antes de elas serem levadas ao local de plantio definitivo. O processo de rustificação, por exemplo, vem sendo utilizado para auxiliar na adaptação de mudas de viveiro a fatores ambientais adversos do campo. Neste processo, estímulos como a seca, alta exposição solar e baixa nutrição do solo são introduzidos gradualmente, permitindo um aprendizado progressivo que resulta em plantas mais bem adaptadas ao campo.

Por outro lado, nem sempre a memória oferece uma vantagem agrícola, como é o caso dos bulbilhos de cebola (bulbos pequenos formados a partir da germinação da semente da cebola), cuja lembrança de um período de frio leva ao florescimento precoce, indesejado para alguns horticultores. Empresas que comercializam esses bulbilhos armazenados no frio (para evitar deterioração) conseguem contornar o problema expondo-os a altas temperaturas duas ou três semanas antes do plantio. Esse tratamento desfaz a memória do armazenamento no frio, evitando o indesejado florescimento precoce.

Os mecanismos moleculares envolvidos na formação, manutenção e efeitos da memória em plantas ainda não são completamente compreendidos, a despeito do avançado estágio do conhecimento atual acerca do assunto. Recentes tecnologias de biologia molecular, como o sequenciamento de nova geração, vêm permitindo análises mais sistêmicas das complexas redes moleculares envolvidas no processo, oferecendo grande promessa de ampliar nosso entendimento desse fenômeno. Esse entendimento é especialmente importante frente ao cenário de mudanças climáticas globais. Quem sabe assim poderemos desenvolver plantas com memórias mais eficientes e capazes de crescer mais facilmente em um planeta com variações climáticas cada vez mais extremas?

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Cristiane Calixto é PhD em biologia vegetal e professora da USP.

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