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Por que ainda existem montanhas no Brasil?

Pela história geológica, elas deveriam ter sido eliminadas

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Pedro Val

A última vez que houve um processo formador de montanhas no Brasil foi há aproximadamente 500 milhões de anos, num remoto momento geológico em que os continentes estavam reunidos num supercontinente, o Gondwana. Porém, levando em conta nosso conhecimento a respeito da mecânica dos processos erosivos, uma vez encerrado esse processo formador, a erosão no leito de rios e encostas se encarregaria de eliminar uma montanha em poucos milhões de anos, reduzindo-a a um morro ou colina não muito elevados. Ou seja: montanhas brasileiras como a serra do Espinhaço e o Quadrilátero Ferrífero em Minas Gerais não deveriam mais existir.

Por que, então, elas insistem em durar? Pois esse ainda é um dos maiores enigmas da geociência brasileira. Na condição de geocientista, confesso sentir certo incômodo por ainda não saber a resposta. No Brasil, entendemos muito a respeito das rochas que hoje sustentam nossas serras, mas de certo modo ignoramos por que as serras ainda continuam na ativa. Levando em conta o estágio atual da investigação acerca das rochas brasileiras, é mais fácil inferir o que aconteceu antes de 500 milhões anos atrás do que nos últimos mil anos. Apesar desse aparente paradoxo, existem algumas explicações plausíveis, mas ainda pouco exploradas.

Arte ilustra montanhas coloridas e um sol
Ilustração: Clarice Wenzel - Instituto Serrapilheira

Uma hipótese ousada é que algumas serras como as do Quadrilátero Ferrífero estão, na verdade, ganhando expressão topográfica. Segundo essa tese, se pudéssemos observar as montanhas por dezenas de milhões de anos, veríamos que a diferença de elevação entre o pé dessas formações e seus picos estaria aumentando. A que se deveria tal fenômeno? Rochas de um determinado tipo, situadas em profundidade abaixo das serras, apresentam mais resistência à erosão. Uma vez exumadas à superfície, elas perdurariam no relevo e sustentariam as partes mais altas da paisagem, impedindo ou desacelerando a erosão da topografia, enquanto o entorno, composto de rochas menos resistentes, continuaria rebaixando. Ao longo de milhões de anos, essa diferença de resistência erosiva faria com que as serras ganhassem expressão topográfica.

Outra hipótese, também ousada, é que montanhas em estágios de decaimento podem ser reerguidas por processos associados ao manto da Terra, a centenas de quilômetros de profundidade. Entre 100 e 600 quilômetros de profundidade, rochas superaquecidas se movem lentamente e, quando muito quentes, sobem à base da crosta e funcionam como um "calço", soerguendo a superfície da Terra por algumas centenas de metros na forma de um domo de centenas de quilômetros de extensão. Se isso ocorre na base de uma serra, ainda que ela esteja em decaimento, sua elevação pode ganhar algumas centenas de metros.

Outra hipótese audaz é que a erosão da superfície, responsável por causar perda de elevação, pode, na verdade, levar ao soerguimento de picos. Isto vai contra a nossa intuição, mas há uma explicação física coerente. A crosta terrestre, apesar de feita de rochas duras, possui certa elasticidade (pois ela é relativamente aquecida em profundidade) e flutua sobre o manto mais denso. Portanto, uma massa de rocha, ou até mesmo de gelo, com peso suficiente poderia arquear essa crosta. Consequentemente, se esta massa fosse removida, a depressão antes formada voltaria à sua posição original num movimento vertical.

Agora, imagine que, ao longo de todo o comprimento de uma serra, rios escavam seus vales causando a típica paisagem de picos e vales alternados, como na Serra do Mar. A massa retirada dos vales, porém, remove um peso substancial da crosta que sustenta a serra! Sabendo que o reajuste pela perda da massa não ocorre apenas nos vales, mas em toda a região, é plausível que o ajuste vertical cause aumento da elevação dos picos. Neste cenário seria possível que a Serra do Mar, uma das maiores serras litorâneas do planeta, ganhasse elevação.

Uma última hipótese é a da falta de ferramentas erosivas. Apesar do ditado "água mole em pedra dura, tanto bate até que fura", não é a água que se encarrega de escavar o leito rochoso de rios, mas sim os sedimentos, principalmente os de alto calibre, que a água se encarrega de transportar. Retirando os sedimentos de cena, pouca erosão ocorre, mesmo com água abundante.

E quem se encarrega de entregar sedimentos aos rios? As encostas. Em ambientes tectonicamente ativos, deslizamentos de terra fornecem os sedimentos necessários para rios erodirem seus leitos. Porém, sem atividade tectônica, ou seja, sem terremotos, muito menos deslizamentos ocorrem e, com isto, cada vez menos sedimentos e, assim, cada vez menos erosão. Em testes computacionais, montanhas cujo processo de incisão depende desse mecanismo perdurariam centenas de milhões de anos após o término da atividade tectônica.

Não deixa de ser irônico entendermos muito sobre as rochas das serras brasileiras, mas pouquíssimo sobre as serras em si. Falta à comunidade geocientífica em geral, e não apenas à brasileira, explicar a existência e a morfologia de diversas montanhas que ocupam regiões que não as constroem mais, como a serra do Espinhaço e os Apalaches, na América do Norte, e serras litorâneas ao redor do planeta, como a serra do Mar e as do sudoeste africano.

Tais mecanismos poderiam explicar as serras brasileiras e sugerir que elas estariam crescendo ao longo de milhões de anos. Isto é contraintuitivo, fascinante e um dos principais desafios científicos das geociências no Brasil.

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Pedro Val é geólogo e professor na Queens College, City University of New York.

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