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Descrição de chapéu desmatamento

O clima global depende do futuro da Amazônia

Novo estudo mostra que desmatamento na região pode gerar cascata incontrolável de degradações ecológicas irreversíveis

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Pedro Val

Todos sabemos que a Floresta Amazônica tem sido palco de desmatamento acelerado nos últimos anos. Mas nem todo mundo está a par das consequências dessa devastação. Quanto mais desmatada a floresta, menor é sua capacidade natural de se recuperar. Chegamos a tal ponto que as pesquisas já sugerem que a Amazônia não está longe de atingir um estado alternativo de equilíbrio que aponta para a savanização do bioma, com menos vegetação e solos ainda mais pobres. Essa conversão para um novo e irreversível estado deteriorado — um momento que se pode verificar nos mais variados processos ecológicos — chama-se tipping point (ponto de inflexão ou ponto crítico). Alcançar tal estado de degeneração teria impactos climáticos globais, a começar pelo CO2 na atmosfera.

Um dos principais papéis que a Amazônia — erroneamente reconhecida como o "pulmão do mundo" — exerce no clima global é sua capacidade de estocar CO2, e não a de "filtrar" o ar global. Por meio de sua lenta e estável produção de biomassa, ela armazena carbono em sua vegetação, em seus solos e suas águas. Esse estoque está diretamente associado às funções de uma floresta saudável que, quando em equilíbrio, possui um balanço entre fotossíntese e respiração. Foi a estabilidade desse balanço que garantiu um lento crescimento da biomassa na região nos últimos dois milhões de anos.

Arte ilustra uma senhora idosa fazendo tricô sobre o que seria a Amazônia em um globo terrestre
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

Desde a Revolução Industrial, as atividades humanas liberaram aproximadamente 700 gigatoneladas de CO2 na atmosfera, ao passo que a Amazônia estoca cerca de 180 — metade na biomassa, metade nos solos.Tal cifra significa que, em um cenário de devastação completa, a Amazônia sozinha despejaria na atmosfera uma quantidade de CO­2 equivalente a 25% de toda a contribuição humana acumulada até hoje. Ou seja: a concentração de CO2 na atmosfera sofreria um aumento de 20% (85 partes por milhão) e um aquecimento equivalente da 0.5°C na média global de temperatura.

Quão próximos estamos desse estado degradado? Uma revisão que eu e mais 18 cientistas publicamos na Science a respeito da velocidade dos impactos na Amazônia constatou que os avanços humanos na região são de centenas a milhares de vezes mais velozes que sua recuperação por fenômenos naturais. Processos geológicos e formadores de ecossistemas ricos, bem como a construção de uma alta biodiversidade atuam em escalas de tempo muito mais longas que décadas: levam de milhares a dezenas de milhões anos. Em contrapartida, até 2019, 14% da Amazônia havia sido convertida em campos para a agricultura, e partes da região já não mais armazenam carbono, ao contrário: chegam a liberar mais carbono do que resgatam.

Assim como a história geológica da região foi dinâmica, a Floresta Amazônica em si também passou por mudanças nos últimos 60 milhões de anos. Sua riqueza de espécies e seu tamanho flutuaram nas últimas dezenas de milhões de anos conforme as mudanças climáticas globais, a história evolutiva do continente sul-americano ditada pela tectônica de placas e o soerguimento dos Andes. Não há, porém, histórico de mudanças ecológicas e climáticas que se equiparem às velocidades das alterações que observamos hoje e que são protagonizadas pelos seres humanos.

O desbalanço entre velocidades é alarmante, pois a despeito de ocupar 0.5% de toda a superfície da Terra (incluindo oceanos), a Amazônia é uma entidade crucial para a estabilidade climática do planeta. Ela não só reage às mudanças globais, como também exerce um papel regulador por meio de sua biomassa, suas áreas alagadas e seus solos. O problema, no entanto, é que sua capacidade de regulação está cada vez mais reduzida.

Cada componente da região — seus rios, terras alagadas, terras firmes, montanhas, planícies, planaltos e platôs — compõe as peças de uma complexa engrenagem ecológica interligada entre si e com os solos, a biota e a flora. O desmatamento, para além de seu impacto imediato, acarreta consequências duradouras — é como se emperrássemos a engrenagem. É esse aspecto que gera o alarme, pois, uma vez atingido o tipping point, a interligação entre processos geológicos, biológicos, ecológicos e climáticos se encarregaria de conduzir a degradação por conta própria.

Com as perdas de biomassa cada vez mais rápidas, as florestas liberam seu carbono para a atmosfera. O escasseamento da vegetação também ocasiona aumento de temperaturas no local e, com isso, maior vulnerabilidade e incidência de secas e queimadas. Como consequência, o volume de água reciclada pela evapotranspiração é alterado, o que provoca mudanças nos regimes climáticos — tempestades mais intensas que eventualmente afetarão o volume de água nos rios e a descarga fluvial do sistema como um todo. Associada a essas consequências, há a degradação do solo que, sem sua cobertura vegetal, torna-se vulnerável à erosão pelas tempestades intensificadas e que acarretam no transporte e remoção dos nutrientes, perdendo suas propriedades sustentadoras de vida. Com solos deteriorados, a capacidade de recuperação da floresta se dissipa, retroalimentando o ciclo. Apresentando um ecossistema mais frágil, a biota também sofre e perde biodiversidade devido aos estresses ambientais. Tem lugar o efeito cascata.

As florestas impactadas por atividades humanas já possuem taxas de mortalidade maiores, solos mais degenerados, menor cobertura vegetal, menor umidade e temperaturas mais altas, fatores que contribuem para que a floresta não se mantenha estável o suficiente para crescer ao longo do tempo. Com o avanço do desmatamento, ela não será mais capaz de estocar carbono e se tornará predominantemente uma fonte de CO2.

Políticas nacionais e globais de conservação podem evitar os danos irreversíveis, desacelerando as mudanças climáticas, preservando a biodiversidade global e protegendo os povos originários e seus conhecimentos. Conservar a Amazônia é conter a crise climática global.

O terceiro parágrafo foi parcialmente editado no dia 27/1/22, às 19h15, para fins de clareza.

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Pedro Val é geólogo e professor na Queens College, City University of New York.

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