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O primeiro mês de governo Lula na ciência e meio ambiente

Se o mandato fosse um experimento científico, seus resultados preliminares seriam promissores

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Hugo Fernandes

Se o mandato de governo federal fosse um remédio desenvolvido em quatro anos, poderíamos chamar este primeiro mês de "ensaio pré-clínico", uma fase que não permite conclusões robustas, mas é a primeira etapa para entender se um dia aquilo pode ou não dar certo. No "microscópio", os dados preliminares sobre ciência e meio ambiente envolvem os quatro principais ministérios que orbitam essas pautas: Educação (MEC); Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI); Saúde (MS) e Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMAMC).

Arte ilustra os ministros Camilo Santana, Marina Silva, Sonia Guajajara, Nísia Trindade e Luciana Santos vestidos de jaleco em um ambiente de laboratório, com frascos, pipetas e microscópio.
Ilustração: Valentina Fraiz - Instituto Serrapilheira

Camilo Santana (MEC) - Depois de quatro anos de inércia e denúncias de corrupção envolvendo pastores e barras de ouro, o MEC agora é chefiado pelo ex-governador do Ceará, que chega com fortes credenciais em relação ao ensino básico, declaradamente seu foco prioritário. Das 20 primeiras posições no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), estão 10 municípios cearenses, incluindo o primeiro colocado, Sobral.

O petista, porém, terá mais dificuldades em provar tais credenciais no ensino superior, que concentra a maior parcela da produção científica brasileira. Embora a Universidade Estadual do Ceará esteja na 94ª posição global na Times Higher Education no quesito "ensino de qualidade", tanto essa como outras duas universidades do estado enfrentam problemas estruturais, sobretudo nos campi do interior.

De todo modo, alguns movimentos já foram bem recebidos pela comunidade científica, como a nomeação da profa. Mercedes Bustamante (UnB) para a presidência da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), substituindo uma antecessora cuja qualidade curricular era bastante questionável, para dizer o mínimo. Inclusive, até o momento, o maior impacto midiático do MEC está no anúncio de reajuste nos valores das bolsas de pós-graduação da CAPES, congelados há mais de 10 anos.

Luciana Santos (MCTI) - A indicação da presidente do PCdoB recebeu muitas críticas, uma vez que o governo de Pernambuco em que ela atuou como vice encerrou as atividades com forte rejeição. Pesa também uma condenação, em 2019, por improbidade administrativa relacionada a seu período como prefeita de Olinda, em fase de apelação. Porém, a seu favor, constam sua experiência como secretária de Ciência e Tecnologia de Pernambuco (2009-10) e relatos de cientistas que atestam boa atuação da então vice-governadora para a melhoria da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (FACEPE).

Como ministra, destacam-se até o momento a celebração de cooperação internacional com a Argentina e a nomeação de Ricardo Galvão para a presidência do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), principal órgão de fomento à pesquisa do país. Em 2019, o físico foi exonerado da direção do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) pelo governo Bolsonaro, após se pronunciar contra o negacionismo sobre as queimadas na Amazônia. Assim como Camilo Santana, Santos também anunciou reajuste para as bolsas de pós-graduação do CNPq.

Nísia Trindade (MS) - A nomeação da servidora de carreira e ex-presidente da Fiocruz representa o retorno da atenção à Saúde Pública de fato, após quatro anos de uma gestão desastrosa, que deixou a marca de quase 700 mil mortos pela Covid-19 no Brasil. No seu discurso inicial, pautou o fortalecimento do Programa Nacional de Imunização (PNI), que outrora apontava o país como padrão mundial e hoje amarga uma das maiores abstenções de vacinação infantil da história.

A ação mais contundente, por ora, foi o "revogaço" de diversas portarias do governo anterior, que limitavam recursos para prevenção e detecção de câncer e minavam a participação da sociedade civil em espaços institucionais, entre outras. Nas últimas semanas, a ministra visitou pessoalmente as aldeias da Terra Indígena Yanomami e, uma vez constatada a magnitude do grau de doenças infecciosas e subnutrição, declarou emergência pública, deslocando equipe, vacinas e remédios ao local.

Marina Silva (MMAMC) - O retorno de Marina à pasta foi comemorado por ambientalistas brasileiros e estrangeiros. A Amazônia certamente será o cartão de visitas das ações do ministério, assim como Marina será o cartão de visitas do Brasil na discussão do tema. Afinal, os olhos do planeta estão voltados para as questões ambientais do país, depois de quatro anos do que podemos chamar de "contra ministério do meio ambiente". Sinal disso é o retorno anunciado do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Instaurado em sua primeira gestão, em 2004, foi responsável pela queda vertiginosa dos índices de desmatamento nos anos seguintes, oposto ao panorama apresentado no final da gestão Bolsonaro.

Ao contrário do que viveu nos primeiros governos Lula, com a pressão da construção de hidrelétricas, Marina provavelmente não terá muitos entraves políticos a serem vencidos na região. Todavia, a parlamentar da Rede enfrentará temas polêmicos, como o crescente avanço do agronegócio sobre outros biomas, impactos da mudança na matriz energética e demais projetos que serão cruciais para a proposta desenvolvimentista do PT. Por enquanto, a nomeação do político ambientalista Rodrigo Agostinho (PSB) para a presidência do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) foi recebida positivamente, assim como a do cientista Raoni Rajão (UFMG) para o Departamento de Controle de Desmatamento e Queimadas do MMAMC.

Necessário ressaltar que faltam amostras nesse "ensaio pré-clínico", afinal, ciência e meio ambiente não são exclusividade dessas pastas. Praticamente todos os ministérios dispõem de secretarias sobre esses temas e eles, com suas inúmeras demandas, precisarão disputar uma coisa que está em falta: orçamento. Se a missão já seria difícil caso essas pastas apresentassem alguma ordem, o cenário de desmonte estrutural e intelectual deixado pela gestão Bolsonaro agrava o problema.

A conclusão que o "estudo" permite é que os resultados são promissores. Mas, como qualquer pesquisa prévia, exige tempo, adequações, controle e sobretudo vigilância para que o produto final vingue. Esse papel é nosso. Estejamos vigilantes.

*

Hugo Fernandes, biólogo e professor da UECE.

O texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Serrapilheira ou da Folha de S.Paulo.

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Erramos: o texto foi alterado

A versão anterior do texto citava incorretamente o cargo assumido pelo ambientalista Rodrigo Agostinho no governo Lula. Ele é presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis). O texto já foi corrigido.
 

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