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Quem vive no seu intestino pode estar mandando no seu cérebro

Segundo estudos recentes, bactérias intestinais seriam as verdadeiras mandantes de nossas ações

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Eduardo Zimmer

Aristóteles afirmava que o coração era o órgão responsável pela consciência, pela sensação e pelo movimento, e que o cérebro era uma espécie de "radiador" que servia apenas para resfriar o coração. Passados 2.500 anos, essa hipótese pode ser refutada imediatamente por estudos na área das neurociências: é o cérebro que, por meio da complexidade de suas rugas, dobras e tipos celulares, coordena as funções cognitivas e as "automáticas", como os batimentos do coração e a respiração. Uma reviravolta sem tamanho em relação ao que postulava o filósofo grego. Como disse Karl Popper, um dos maiores filósofos da ciência, "a ciência produz teorias falseáveis, que serão válidas enquanto não refutadas".

Hoje, se você perguntar a qualquer pessoa (incluindo neurocientistas) qual é o "chefe" do nosso corpo, a resposta muito provavelmente vai ser: o cérebro. Mas será que é mesmo ele que está no comando? Novos estudos têm posto em dúvida sua hegemonia como órgão de controle e quem vem ganhando força é uma região quase tão misteriosa quanto o cérebro: o intestino. O intestino tem sido chamado de "o nosso segundo cérebro", e de fato existe uma abundância de células nervosas vivendo em nossas entranhas. Os neurônios intestinais mantêm um contato direto com o cérebro, podendo ter impacto em nosso comportamento.

Arte ilustra dois cérebros com pernas conectados por fios a bactérias, como se fossem marionetes.
Ilustração: Valentina Fraiz - Instituto Serrapilheira

O leitor agora deve já ter entendido aonde estou querendo chegar. Isso mesmo: o cérebro e o intestino podem trabalhar juntos ditando nossos pensamentos e ações. Então é possível dizer que o intestino interfere no funcionamento do cérebro e vice-versa, e atualmente até existe uma área de pesquisa voltada somente para o tão falado eixo intestino-cérebro. Uma breve busca na maior base de dados de pesquisa biomédica (o PubMed) com o termo "intestino-cérebro" em inglês (gut-brain axis) mostra que somente em 2022 foram produzidos no mundo mais de 1.400 artigos científicos a respeito do assunto.

Mas essa história de eixo cérebro-intestino tem potencial de ficar ainda mais interessante: existem evidências científicas de que as bactérias intestinais comandariam o sistema nervoso intestinal e o central. O que parece ser mais extravagante do que a ideia inicial de Aristóteles vem se confirmando, pois estudos demonstram que a microbiota intestinal é capaz de modular nosso comportamento. O intestino humano é colonizado por nada mais nada menos do que surpreendentes 100 trilhões de microrganismos vivos, em sua grande maioria bactérias.

Essas diversas bactérias se comunicam entre si e com o nosso organismo, formando um improvável e complexo ecossistema. Toda essa diversidade bacteriana é traduzida em milhares de substâncias – os chamados metabólitos – produzidas por esses organismos unicelulares, que podem ter funções fisiológicas e por vezes podem, sim, interferir no funcionamento do cérebro. É isso mesmo que o leitor está pensando: no corpo humano existem outros organismos vivos que, alimentados por nossa dieta, são capazes de, na surdina, nos controlar. As bactérias intestinais talvez atuem como o indivíduo oculto que, por meio de cordéis, manipula as marionetes ou fantoches — nós, no caso.

Esses estudos vêm sendo confirmados dia após dia (alguns exemplos aqui e aqui), e com eles se espera uma revolução no tratamento dos distúrbios mentais. Um dos maiores desafios da neurofarmacologia é obter remédios que consigam atravessar as barreiras biológicas que protegem o cérebro e atuar lá dentro, interferindo nas sinapses e resolvendo disfunções.

Imagine se pudéssemos entregar fármacos no intestino para as bactérias que modulariam o cérebro a longa distância ou até mesmo enviando metabólitos lá para o sistema nervoso central. Isso seria, ou será, uma revolução no estudo e desenvolvimento de novos fármacos para tratar as patologias do cérebro. Quem diria que nós, os ultrapoderosos humanos, podemos estar sendo manipulados de maneira silenciosa por esses organismos microscópicos unicelulares. O conceito de livre-arbítrio precisa ser atualizado: afinal, parece que a gente faz o que elas, as bactérias, mandam.

*

Eduardo Zimmer é bioquímico e professor no Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, de apoio à ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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