Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

Descrição de chapéu alimentação inflação

Vegetarianos pelo motivo errado

Brasil, o país do churrasco, deixa de comer carne porque o preço explodiu e a renda evaporou

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Era para cá que os gringos vinham para comer uma quantidade grotesca de carne e pagar uns caraminguás. Fui testemunha estomacal dessa fase da história brasileira, os anos 1990, auge das churrascarias rodízio.

Eu trabalhava como editor de polícia do defunto Notícias Populares, editado pelo mesmo grupo da Folha. Toda noite de segunda-feira, depois de fechar o segundo clichê –a edição final do jornal, corrigida e atualizada–, partíamos em bando para comer churrasco até passar mal.

O presidente Jair Bolsonaro segura um pedaço de picanha ao lado do churrasqueiro
Churrasco de Bolsonaro tem picanha de R$ 1.799,99 o quilo - Reprodução

A comitiva era capitaneada pela equipe de esportes, que acomodava lendas como o Paulão Martin, o Eduardo Tironi e o Arnaldo Ribeiro.

Os imensos salões dos rodízios viviam ocupados com longas mesas de engravatados de tudo quanto é canto. Os executivos não perdiam a oportunidade de bajular clientes, fornecedores ou delegações da matriz com uma orgia de picanha, polenta frita e palmito juçara clandestino.

Os japoneses eram os mais deslumbrados. O André Barcinski, que editou cultura no NP, levou uma penca de astros de rock americanos e ingleses para se entupir de carne e caipirinha –depois precisava rolar os gringos de volta para o hotel.

Não vou dizer que tudo era lindo. Só tinha homem nas mesas (inclusive na nossa) e conversas que, bem, deixa para lá. O festim infinito de carne, visto pelas lentes de 2021, é considerado impróprio até pelos carnívoros softcore.

Bonito ou feio, o Brasil era o país da carne farta e barata.

Salta para o presente. O prognóstico não é brilhante para a carne brasileira.

A Europa boicota nosso produto pelo motivo correto: o vandalismo ambiental do Calígula da Barra da Tijuca. Aqui, o consumo de carne é o menor em 16 anos.

Cada brasileiro, em média, deixou de comprar 8,6 quilos de carne neste ano. Se estimarmos, exageradamente, que um indivíduo come meio quilo de bife, frango e linguiça numa tarde de sábado, foram 17 churrascos a menos desde janeiro. Em comparação com 2020, que já não foi aquela maravilha.

Em conversas com vegetarianos e veganos, ouço comentários otimistas sobre a adesão dos brasileiros a uma dieta com menos proteína animal. É uma interpretação meio ingênua, meio cínica, totalmente míope.

De fato, o mercado do plant-based (ainda é esse apelido marqueteiro da salsicha de soja?) cresce na camada rica, educada e progressista.

A miopia está em não perceber que esse olimpo de ilustrados é irrelevante para as estatísticas econômicas e comportamentais do Brasil como um todo.

A ingenuidade está em achar que a pregação vegetariana gera uma tendência que se irradia, de forma consciente ou não, para todos os estratos da população.

O cinismo está no júbilo consequencialista dos que não são ingênuos: há males que vêm para o bem. Algo virtuoso, afinal, emerge da miséria e da fome.

O Brasil deixa de comer carne graças à combinação perversa da inflação com o achatamento da renda dos trabalhadores. O país do churrasco pende para o vegetarianismo pelos motivos errados.

Errado é errado. Não há o que se celebrar.

(Siga e curta a Cozinha Bruta nas redes sociais. Acompanhe os posts do Instagram e do Twitter.)

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.