Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

O Brasil numa pizza de calabresa

Ela deve ter queijo ou não? Discussão mostra como lidamos mal com as diferenças culturais em seus aspectos mais mundanos

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São Paulo

Enquanto os russos se preparam para a guerra e metade do Brasil desaba sob a chuva, o Twitter segue produzindo entretenimento de primeira com suas polêmicas sem pé nem cabeça.

Nesta semana, a minha favorita diz respeito à pizza de calabresa: ela deve ou não deve ter queijo?

De novo, a comida é pano de fundo para a troca de ofensas entre paulistas e não-paulistas. Já foi assim com o cuscuz das terras bandeirantes, considerado uma abominação pelos ativistas do cuscuz de milho amarelo dos territórios ao norte.

Pizza de calabresa com queijo sobre mexa com toalha xadrez verde e branca
Pizza de calabresa com queijo da Castelões, a mais tradicional de SP; por ter queijo, o sabor não se chama "calabresa", mas leva o nome da pizzaria - Paralaxis

Quanto à pizza, aparentemente, São Paulo é o único lugar do país em que a cobertura de calabresa é composta de linguiça e cebola; nos outros lugares, sai a cebola e entra o queijo.

Uma publicação com 5432 retuítes (até o meio-dia de sexta, 14) fala que "uma das coisas mais tenebrosas de SP não é nem algo na cidade em si, mas a existência predominante e inexplicável da pizza de calabresa SEM QUEIJO." Hum.

E prossegue. "A linguiça solta, avulsa, apoiada sobre o pão seco. Se inclinar, cai. Se ventar, voa."

Nos comentários, as tropas não-paulistas concordam com tais afirmações e acusam as pizzarias de São Paulo de induzi-las ao erro com malícia: muitos sentem-se logrados ao pedir a pizza de calabresa e não receber queijo.

Firme em sua trincheira, o exército de Piratininga defende que este é o berço da pizza de calabresa, que ela nunca teve queijo e que assim deve ser. O resto do país é que conspurcou com ketchup um tesouro gastronômico de São Paulo. Quem quer queijo na linguiça que peça a pizza toscana.

Parece um discussão cretina, coisa que realmente é.

Afaste-se do mérito do queijo, porém, para perceber que todo esse ruído diz bastante coisa sobre o tuiteiro brasileiro progressista. Gente que fala em diversidade e empatia, mas lida muito mal com as diferenças culturais em seus aspectos mais mundanos, ainda que em tom de brincadeira (quero crer).

Está todo mundo errado nessa briga.

Os pró-queijo estão errados porque censuram o que não lhes é familiar. É a lógica do brasileiro que sai do país e reclama da falta de arroz e feijão. Se é para viajar desse jeito, fique em casa e economize uma grana.

Quanto aos paulistas antiqueijistas, recorrem à ladainha da autenticidade e do respeito à tradição. Velho, que papo chato. Receitas mudam, tradições se rompem, a alimentação se transforma. Ainda bem que é assim.

Vai ver o que os japoneses, todos certinhos, fizeram com o espaguete italiano num prato chamado naporitan: puseram ketchup. Assim como os brasileiros com o estrogonofe russo. Assim como os cariocas com a veneranda pizza paulistana.

Em tempo: eu gosto de pizza de calabresa com queijo e sem queijo, de preferência com queijo E cebola. Desde que a linguiça não seja aquele lixo feito com carne mecanicamente separada da carcaça de frango, usada em 99% das pizzarias do Brasil –São Paulo incluso.

Nessa discussão besta sobre pizza, até a pizza está errada.

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