Cozinha Bruta

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Viva a farofa de macumba!

Cuspidor de farinha, Exu do Carnaval contribui para reduzir preconceito contra as religiões de matriz africana

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São Paulo

Sensacional que o maior destaque do Carnaval fora de época em 2022 tenha sido o Exu interpretado pelo ator Demerson Dalvaro num carro alegórico da Grande Rio –escola que acabou campeã do grupo especial carioca. O orixá cuspidor de farofa superou em repercussão até a ínfima fantasia de Paolla Oliveira, rainha da bateria da mesma escola.

Antes do desfile, Demerson treinou duro. Segundo reportagem do jornal Extra, ele gastou dez quilos de farofa em ensaios solitários dentro do box do chuveiro.

Contorce, faz careta, come farinha, contorce mais um pouco, toma água e cospe tudo num jato. A coreografia da Sapucaí num banheiro de apartamento. Com farofa. Tem um trechinho disso num vídeo que o Extra incluiu na matéria.

O ator Demerson D'alvaro, que interpretou o orixá Exu num carro alegórico da escola de samba Grande Rio
O ator Demerson D'alvaro, que interpretou o orixá Exu num carro alegórico da escola de samba Grande Rio - Muro Pimentel/AFP

O melhor do Exu carnavalesco é a "des-demonização" tanto desse orixá em particular quanto, em geral, das religiões de matriz africana. A famosa macumba, termo pejorativo que os adeptos dessas crenças resolveram adotar para –perdão pela palavra– ressignificar.

Eu sou ateu e me reservo o direito de não engolir nenhuma religião, independentemente da origem da matriz. Também sou, pelos padrões brasileiros, branco.

Vivi muito, vi muito e acho que não sou burro. Sei muitíssimo bem que o "medo" da macumba como feitiço para amaldiçoar não passa de racismo mal disfarçado.

Não gosto de religiões, mas nunca cogitei quebrar santos católicos ou queimar igrejas evangélicas, a despeito dos padres pedófilos e pastores picaretas que estão por aí, em número pouco desprezível. O tratamento deve ser equânime para mesquitas, sinagogas e qualquer espaço ou objeto de culto.

Curiosamente, certas pessoas "de bem" acham justo depredar as oferendas de candomblé e umbanda, quando não incendiar ou demolir terreiros.

"Chuta, que é macumba" até virou expressão idiomática, de tão disseminada. Considera-se normal tratar como ultraje incivilizado as ofertas deixadas pelo caminho, com comidas e afins –frango, pipoca, charuto, cachaça e, claro, farofa.

Dá medo, é? Vai ver as salas de ex-votos de algumas igrejas, cheias de pernas desmembradas de bonecas. Isso, sim, é macabro.

Exu não é um demônio e, principalmente, as religiões de gente preta não são diabólicas. O orixá pop bonitão cuspidor de farinha terá feito um grande serviço se essa mensagem perdurar. Infelizmente, acho que não vai. Pessimista, talvez. Realista, mais provavelmente.

Tomara que eu esteja errado. Viva a farofa de macumba!

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